O clima ameno de outono e a tranquilidade nas ruas marcaram o início da reunião anual do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial na capital americana, que levou ministros das finanças e presidentes de bancos centrais do mundo todo para a capital dos Estados Unidos na semana passada. 

 

Mas não se engane: embora os manifestantes de praxe não tivessem aparecido para protestar até a quarta-feira 6, o clima em Washington não era de paz. Era de guerra. Os estampidos, desta vez, vieram dos mercados de câmbio, palco do principal conflito pós-crise entre as principais economias do planeta. 

 

Nessa nova guerra das moedas, o dólar americano apanha como nunca e os governos da China, do Brasil e do Japão – que usam artilharia pesada para interferir nas cotações – são criticados como sempre. O bombardeio cambial afeta o valor dos ativos reais e financeiros em vários países e, para  angústia dos investidores e empresários, está longe de terminar.

 

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Tudo certo, nada resolvido: Meirelles, Blanchard, Strauss-Kahn e Mantega estão de acordo quanto 
aos desequilíbrios monetários. Mas diferem – e muito – na estratégia para resolvê-los

 

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, detonou o debate cambial logo na segunda-feira ao dobrar o valor do IOF, para 4%, sobre os investimentos estrangeiros em papéis de renda fixa brasileiros. Não houve mudança na taxação de investimentos diretos e em ações. O disparo foi mais uma medida para tentar conter a valorização do real contra o dólar e reduzir o impacto da taxa de câmbio sobre as exportações e a competitividade da indústria nacional. Tiro n’água. O dólar subiu ligeiramente de R$ 1,6812 para R$ 1,6882 no dia do anúncio, mas na terça-feira voltou a cair para R$ 1,6808. 

 

Na quarta-feira, cambaleou novamente, para R$ 1,6758, apesar dos boatos de que a Fazenda prepara novas armas, como intervenções no mercado futuro. A tendência de queda do dólar continua forte no Brasil e no Exterior. O que isso revela? Duas coisas muito importantes. Primeira: o arsenal utilizado pelo governo na guerra das moedas, que conta com intervenções bilionárias do Banco Central, é muito limitado. O controle de capitais pode ser usado pelos governos, admite o FMI, mas não por muito tempo. 

 

“O controle da entrada de capital deve ser usado como um complemento e de modo criterioso, pois, com o tempo, sua eficácia pode diminuir”, afirmou o diretor do departamento de mercados monetários e de capitais da entidade, José Viñals. No caso do Brasil, em que o regime é de câmbio flutuante, a situação é ainda mais difícil de administrar. Diante da atratividade do crescimento econômico acelerado e dos juros internos altos, a entrada de dólares no País vai continuar, mantendo a pressão cambial e engordando as reservas internacionais do País, que já estão em US$ 270 bilhões, enquanto o BC estiver disposto a comprar dólares. 

 

Para o FMI, que aumentou de 7,1% para 7,5% a previsão de crescimento do Brasil em 2010 (veja tabela), a valorização das moedas dos países emergentes não deveria ser contida, muito menos desta maneira. Nos atuais termos, Mantega e o presidente do BC, Henrique Meirelles, já perderam a guerra. 

 

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“Nas circunstâncias de hoje, o fluxo de capitais (para o Brasil) tende a ser permanente. Por esse motivo eles estão tentando combatê-lo acumulando reservas. Isso é provavelmente autodestrutivo”, afirmou à DINHEIRO o economista-chefe e diretor de pesquisas do FMI, Olivier Blanchard. 

 

Como paga aos investidores taxas mais altas nos títulos públicos em relação ao que recebe aplicando as reservas no Exterior, o custo fiscal dessa estratégia é muito elevado e impede a queda dos juros internos, alimentando o círculo vicioso. Estima-se que a política de acumulação de reservas já esteja custando cerca de 1,5% do PIB ao ano.

 

A segunda conclusão relevante é que o grande embate envolve as três maiores economias do mundo, Estados Unidos, China e Japão, e vai muito além das taxas de câmbio no Brasil. No fundo, há uma discussão sobre protecionismo comercial. Os congressistas nos Estados Unidos já debatem medidas para conter as importações da China e estimular as exportações americanas. 

 

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Novo Bretton Woods? No FMI, os técnicos discutiram novos meios de estabilizar as moedas, 
mas não chegaram a um acordo como o que foi feito em 1944

 

“Não é só uma guerra cambial, a tendência é haver uma guerra comercial”, disse Mantega ao justificar o aumento do IOF. No mesmo dia, o Japão, que gastou US$ 25 bilhões em setembro para impedir a alta do iene diante do dólar, cortou as taxas de juro para zero a 0,10% ao ano e cogitou usar outras ferramentas de intervenção, como um fundo específico para comprar bônus do governo. 

 

Como a China finge-se de morta nessa guerra cambial e mantém a moeda atrelada ao dólar (portanto, cada vez mais desvalorizada) para continuar exportando como nunca, o Japão perdeu competitividade e o posto de segunda maior economia do mundo. A movimentação de tropas financeiras na Ásia incomoda o diretor-geral do FMI, Dominique Strauss-Kahn.

 

“Está claramente começando a circular a ideia de que as moedas podem ser usadas como uma arma política”, disse Strauss-Kahn. “Traduzida em ação, esta ideia representaria um risco muito sério para a recuperação global. Uma postura destas teria um impacto negativo e muito prejudicial no longo prazo.” 

 

A lógica por trás da crítica de Strauss-Kahn é a seguinte: se os países relevantes no cenário global continuarem a tentar impedir a valorização de suas próprias moedas, fica cada vez mais difícil para o dólar voltar a subir, o que limita o potencial de crescimento das exportações dos Estados Unidos. 

 

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A lenta e frágil recuperação da principal economia do planeta só aumenta as incertezas globais. “Se os países emergentes resistem à valorização de suas moedas, na prática impedem a valorização do dólar. Estamos diante de um impasse internacional”, afirmou Augusto de la Torre, economista-chefe do Banco Mundial para a América Latina e o Caribe. 

 

E o que fazer? Para Olivier Blanchard, deveria haver coordenação e cooperação internacional para ajustar os desequilíbrios econômicos do pós-crise. De modo geral, os países desenvolvidos, que não devem crescer mais do que 2,7% este ano e 2,2% em 2011, precisam fazer ajustes fiscais para corrigir a gastança pública de 2008 e 2009. Os países emergentes precisam estimular a demanda interna e aceitar a nova realidade cambial. “A resposta multilateral é garantir que todos os países que precisam valorizar suas moedas, o façam”, afirmou. 

 

Só falta convencer os chineses, o que não deve acontecer tão cedo. O Brasil, por sua vez, teria também que cortar os gastos públicos, recomenda o FMI. “Os gastos correntes estão crescendo muito rápido. Um freio nas despesas públicas ajudaria a cumprir a meta de superávit primário (3,3% do PIB) e tiraria um pouco da carga sobre a política monetária do Banco Central, o que ajudaria a reduzir os juros e conter a pressão cambial”, disse à DINHEIRO a economista Petya Koeva Brooks, chefe de divisão do FMI.

 

Mas o que realmente falta em Washington nos dias atuais é uma liderança como a do economista inglês John Maynard Keynes, que participou da criação do FMI no fim da Segunda Guerra Mundial. Foi em 1944 que se desenhou o acordo de Bretton Woods, dando origem a um sistema coordenado de moedas – de cuja necessidade fala o economista Olivier Blanchard – e que permitiu uma menor volatilidade cambial e a retomada do crescimento global. 

 

Naquele ano, na pequena cidade de Bretton Woods, de New Hampshire, reuniram-se 730 delegados de 44 nações arruinadas por uma guerra que chegava ao fim. O problema é que, agora, a guerra cambial está apenas começando e, aparentemente, não tem data para acabar.