Steve Jobs não era um homem da tecnologia. O fundador da Apple, a empresa que ele retomou com receita de US$ 7 bilhões, ao reassumir o comando, em 1997, e deixou com um faturamento anual de US$ 110 bilhões, em 2011, era antes de tudo um arguto observador dos costumes da sociedade. Seu foco não estava nos produtos, mas sim na maneira como eles poderiam servir ou modificar comportamentos nas pessoas, algo que, quando alcançado, assegura a fidelidade do consumidor. Fã dos Beatles e usuário de LSD na juventude, Jobs, que morreu na quarta-feira 5, vítima de câncer no pâncreas, era um mestre na arte de antever o próximo passo, descobrir o que estava depois da curva. Para ele, a tecnologia era um instrumento para influenciar a cultura e satisfazer – muitos diriam  até mesmo criar – desejos e necessidades em consumidores de todo o planeta. 

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E assim fez fama e fortuna. Assim se tornou um ícone de liderança e inovação, capaz de lançar ao longo de mais de três décadas uma série de maquininhas fantásticas, como o computador Macintosh, o tocador de música digital iPod, o celular iPhone e o tablet iPad, entre outros. Essas realizações inscreveram seu nome no seleto grupo daqueles que fazem a história. “Steve Jobs foi o maior inventor desde Thomas Edison”, diz o produtor e diretor de cinema Steven Spielberg. “Ele colocou o mundo na ponta de nossos dedos.” O diretor de ET e Jurassic Park não está sozinho no fervor grandiloquente devotado ao fundador da Apple. “Jobs tornou-se o maior executivo de nossa época, aquele que com certeza será lembrado daqui a um século”, diz Walter Isaacson, autor da primeira biografia autorizada de Jobs, em artigo divulgado na semana passada pela Companhia das Letras. A editora brasileira vai lançar seu livro no Brasil neste mês. “A história vai colocá-lo no panteão, bem ao lado de Edison e Henry Ford”, diz . 

 

É por essas e outras razões que a morte de Steve Jobs, além de suscitar interrogações sobre o futuro da Apple como ícone da vanguarda tecnológica, levanta outra questão: na ausência de Jobs, que outro empreendedor teria mais condições de assumir o papel de grande inovador, o visionário capaz de liderar as próximas revoluções do mercado de tecnologia? Antes de qualquer palpite, certamente haverá quem argumente que Jobs é insubstituível, tamanha a força de sua figura. É fato. Afinal, ele foi o responsável por reinventar diferentes indústrias, como a da computação pessoal, filmes de animação, telefones, tablets, publicações digitais e música. Não há outro nome na atualidade que sequer tenha ensaiado realizar tantas proezas. Mas isso não significa que o mundo digital seja um deserto de estrelas de primeiro time. Além disso, uma análise detida sobre os líderes mais destacados de área de tecnologia pode contribuir para um melhor entendimento sobre os rumos do setor digital neste início da segunda década do século XXI e os possíveis reflexos da saída de cena de Steve Jobs. 

 

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“Fomos colegas, concorrentes e amigos por metade de nossas vidas. O mundo raramente vê alguém capaz de causar impacto

da maneira como Steve causou. Vou sentir muito a sua falta” – Bill Gates, cofundador da Microsoft

 

Feitas essas considerações, o ponto de partida para refletir sobre quem seria o sucessor de Jobs é observar que há três nomes na dianteira da tecnologia mundial e que por isso se credenciam para tentar assumir a condição de novo rei do mundo digital: Larry Page, cofundador do Google, Mark Zuckerberg, criador do Facebook, e Jeff Bezos, o cérebro da Amazon. Não por acaso, trata-se de criadores de três das principais empresas digitais do momento. Todas elas, de alguma maneira, redefiniram diferentes segmentos da internet e se mostram atentas à evolução do mercado, cada vez mais convergente e móvel. O caso de Larry Page chama a atenção de modo particular, quando se analisa a atuação dos principais personagens dos negócios de tecnologia da informação. Fundador, ao lado ao lado do russo Sergei Brin, da companhia que virou sinônimo de buscas na internet, esse engenheiro da computação nascido no Estado do Michigan, em 1973, vem fixando gradativamente seu nome como a maior liderança dentro do Google nos últimos anos. 

 

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Depois de quase uma década comandada pelo executivo Eric Schmidt, o Google passou a ter Page como seu CEO, em abril deste ano. Sua nomeação para o posto foi uma indicação de que o Google quer ingressar numa nova etapa, mais adaptada ao mundo da internet móvel. Isso porque, embora tenha nascido com o DNA da inovação e construído uma imagem de empresa jovial e moderna, a companhia começara a dar sinais de cansaço e certo envelhecimento nos últimos anos. Muitas de suas investidas fora do setor de buscas se mostraram fracassadas, como se deu em relação às redes sociais. Nos bastidores do mundo da tecnologia, o Google passou a ser chamado jocosamente de “a nova Microsoft”, por aparentar dificuldades para continuar revolucionando e ditar os rumos do mercado. Foi então que a atuação de Page se tornou decisiva para mudar o quadro. Sua condução ao posto de CEO levou o Google a mergulhar com tudo na mobilidade. Nesse campo, aliás, ele foi crucial há seis anos, ao chancelar a aquisição da pequena Android Inc, uma start-up que havia desenvolvido um sistema operacional para smartphones. 

 

Page percebeu que a internet móvel seria uma mina de ouro do mercado digital e correu para preparar o Google para a nova etapa. Deu certo: o Android, hoje, é o sistema que domina o mercado de smartphones. A estratégia do Google destinada à mobilidade teve um novo marco com a recente aquisição da Motorola, uma das maiores transações do setor de tecnologia, por US$ 12,5 bilhões. “Juntos, vamos criar experiências fantásticas para os usuários”, disse Page, na ocasião do fechamento do negócio. Formado em engenharia da computação, o CEO do Google é tido como um profissional técnico destacado. “Não há ninguém do porte de Steve Jobs no mercado hoje”, afirma Marcelo Coutinho, professor da Fundação Getulio Vargas e especialista no mercado digital. “Mas, se tiver que apostar em alguém, talvez o que mais se aproxime dele seja Larry Page.” Isso porque, além de brilhante do ponto de vista técnico, ele tem tenacidade, atributo indispensável a um grande líder. “Falta-lhe o carisma, o que pode ser desenvolvido”, diz. 

 

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“Steve está entre os maiores inovadores da nossa história. Ele era valente para pensar diferente,

ousado para acreditar que poderia mudar o mundo e talentoso para fazer isso” – Barack Obama, presidente dos Estados Unidos

 

Rafael Lamardo, professor de marketing digital da Escola Superior de Propaganda e Marketing, concorda. “Aposto em Page”, afirma Lamardo. “Page olha para o futuro e não tem medo de errar.” Jeff Bezos, da Amazon, por sua vez, tem a seu favor o fato de ser hábil do ponto de vista de negócios. O empreendedor soube construir a maior potência do comércio eletrônico no planeta e agora exibe apetite para desbravar novos mercados. Tanto que lançou há poucos dias sua arma mais ousada: o Kindle Fire, o equipamento que marca o ingresso da Amazon no segmento de tablets. Com um preço altamente competitivo e aposta na oferta de conteúdo, o aparelho é visto por muitos como um adversário respeitável para encarar o iPad, da Apple, líder absoluto do setor. “O que estamos oferecendo é um produto premium por um preço que não é premium”, afirmou Bezos, em entrevista à revista Business Week de outubro, que o estampou na capa . 

 

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Popstar: Jobs, com Bono (à esq.) e The Edge, da banda U2. Com suas criações, ele se tornou um ícone

 

Depois de inovar com o lançamento do leitor digital Kindle e ver seu produto ser ameaçado pelo iPad, Bezos agora parte para o ataque em cima da Apple na área de hardware. “O negócio da Amazon é distribuição, e nesse quesito Bezos se mostrou competente”, diz Coutinho, da FGV. Embora atue num segmento diferente, Mark Zuckerberg, do Facebook, procura no momento se beneficiar da atividade que consagrou Bezos: o comércio eletrônico. O desafio do Facebook na atualidade é consolidar-se como uma plataforma de negócios. Assim, vem atraindo empresas, que usam o Facebook como ambiente para lojas virtuais. Nesse processo, a figura de Mark Zuckerberg como líder tem ficado mais evidente. Depois de se consolidar como a maior rede social do mundo, com cerca de 800 milhões de usuários, o Facebook precisa agora dar um salto qualitativo, o que, em outras palavras, requer aumentar receitas e abrir capital. São empreitadas que denotam a preocupação de Zuckerberg para alçar a sua criação a um novo patamar. Não é uma tarefa fácil. 

 

E, até agora, no campo da inovação, o Facebook não tem se destacado. Desde a criação da empresa, em 2004, não houve grandes mudanças em serviços ou produtos. As principais novidades têm se dado no aspecto comercial. “Zuckerberg está empenhado em tornar o Facebook uma plataforma social universal da internet, uma espécie de web dentro da web”, disse à DINHEIRO, em fevereiro, David Kirkpatrick, autor do livro O Efeito Facebook. É um projeto ambicioso, que não se sabe que desfecho terá. Como se vê, cada um a seu modo, Page, Bezos e Zuckerberg reúnem atributos que os colocam no centro da tecnologia mundial. Ainda assim, substituir Steve Jobs, um líder que extrapolou o mercado de tecnologia e modificou a cultura, não é uma tarefa fácil. “Pessoas como Thomas Edison, Henry Ford e Jobs, que revolucionaram o capitalismo, aparecem uma a cada 100 anos”, diz Marcelo Coutinho, da FGV. Isso, porém, não é um dogma irremovível. “Mas pode ser que, em alguma garagem do Vale do Silício, uma mente brilhante esteja trabalhando neste momento para reinar no futuro”, afirma Coutinho. 

 

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“Senti-me como se tivesse ouvido que John Lennon sofrera um tiro, JFK ou Martin Luther King. Ele era um desses caras ‘cool’.

Conversávamos sobre as filosofias da época e íamos a shows musicais juntos” – Steve Wozniak, cofundador da App

 

 

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Todos os homens do presidente

 

Jobs personificou o espírito inovador da Apple. caberá aos escolhidos por ele manter viva a pegada de start-up

 

por Bruno GALO

 

 

O estilo de Steve Jobs no trabalho, sempre descrito como detalhista e visionário, além de tirânico, ganhou um novo adjetivo nos últimos anos: realista. Enfim, Jobs havia entendido que era preciso saber quando sacrificar alguma ideia genial, mas impossível de ser concretizada  naquele momento, e garantir assim a sobrevivência de um projeto. Jobs transformou esse novo lado em um potente dínamo dos seus negócios. Assim, ano após ano, os produtos da Apple vão se transformando. Ainda que a conta- gotas, novas funções, novas cores, pequenas melhorias vão sendo incorporadas. Ao longo dos últimos 14 anos, esse pragmatismo foi essencial para que Jobs transformasse a Apple de uma empresa de nicho em uma gigante com vendas previstas superiores aos US$ 110 bilhões em 2011. A torcida dos fiéis devotos da maçã prateada é de que os homens escolhidos a dedo por Jobs para seguir com o seu legado, como Tim Cook (foto), tenham aprendido com o mestre não só a hora de ser pragmático, mas sobretudo como ser detalhista e visionário. 

 

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iPhone, imbatível?

 

Sem seu mítico fundador, a Apple mostra uma faceta mais pragmática e menos inovadora no lançamento da nova versão do seu smartphone

 

por Bruno Galo

 

Tim Cook, o escolhido para substituir Steve Jobs à frente da Apple, subiu ao palco na sede da empresa em Cupertino, na Califórnia, na terça-feira 4, visivelmente desconfortável, tenso e apático. Era a primeira vez de Cook, que tem 13 anos de Apple, como mestre de cerimônias, desde que assumiu como CEO, no fim de agosto. Entre suas primeiras palavras, uma  declaração de amor à marca que ajudou a tornar a mais valiosa do mundo. “Eu amo a Apple”, disse. Não havia em seus gestos e fala um só traço do carisma e entusiasmo típicos de Jobs. A plateia sempre ávida por aplaudir qualquer aparição de Jobs  estava desanimada. 

 

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iPhone 4S: o design não trouxe novidades. Já o interior veio recheado de melhorias e novos recursos promissores

 

Nem parecia que era dia de revelar a nova versão do iPhone, o smartphone que criou o mercado de computação móvel tal qual ele é hoje, derrubou CEOs de Nokia, Motorola, LG e Sony Ericsson, transformou geeks em milionários e sozinho gera mais dinheiro que o Google, dono de seu principal concorrente, o sistema operacional Android, como um todo. No último trimestre, o iPhone carreou mais de US$ 13 bilhões aos cofres da Apple. Já o Google teve receita total de US$ 9 bilhões no período. Na hora de apresentar o novo iPhone, Cook deu lugar a Phil Schiller, o homem do marketing da Apple. A situação não melhorou. Schiller mal conseguia disfarçar seu desânimo. A morte de Jobs, no dia seguinte, trouxe novos contornos à postura cabisbaixa dos encarregados de seguir com seu legado. O iPhone 4S, embora tenha o mesmo design da versão anterior, traz consideráveis melhorias, como a câmera e o processador mais poderosos, e ao menos um recurso potencialmente revolucionário. 

 

O Siri promete fazer pelos sistemas de comando de voz o mesmo que o primeiro iPhone fez pelas telas sensíveis ao toque. Com o Siri, que ainda não está disponível em português, bastará que o usuário fale com a máquina para que ela entenda e obedeça. A despeito disso, a reação inicial ao lançamento foi pessimista. Chegou-se a aventar a teoria de que seria o início da decadência da Apple após a saída de seu fundador. Exagero. Afinal, a Apple já havia feito o mesmo em outras ocasiões, como no lançamento do iPhone 3GS, que não trazia mudanças no design. Além do iPhone 4S, a Apple vai continuar oferecendo as duas últimas versões do aparelho, o 4 e o 3GS, por preços reduzidos. O objetivo é levar o aparelho para as massas. “Temos só 5% de participação no mercado de celulares”, disse Cook, na quarta-feira 5. “Essa é uma enorme oportunidade para a Apple”, afirmou. E assim o iPhone ainda segue como o smartphone a ser batido pela concorrência. 

 

 

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