No final dos anos 1990, a Microsoft sofreu um longo processo antitruste nos Estados Unidos por conta da integração de seu navegador de internet, o Explorer, ao onipresente sistema operacional Windows, instalado em quase dez de dez computadores na época. Essa estratégia visava a combater a Netscape, uma pequena empresa que estava conseguindo enfrentar com sucesso a gigante fundada por Bill Gates na esfera da internet. Apesar de um juiz ordenar a divisão da companhia em duas empresas, o processo acabou com poucas sanções à Microsoft. Anos depois, Google, Amazon, Facebook e Apple, os quatro gigantes da era digital, estão estendendo seus tentáculos para todas as esferas da vida online. A menos que você seja um eremita que vive numa caverna sem conexão à web, as chances de se não se relacionar com os serviços dessas empresas são mínimas. Por esse motivo, será que eles não estão usando esse poder para obter vantagens competitivas de forma desleal?

Na terça-feira 27, a Europa começou a dar uma resposta a essa questão. Em um caso que se arrastou por sete anos, a Comissão Europeia multou o Google em E 2,4 bilhões (aproximadamente R$ 8,8 bilhões), na maior pena já aplicada pelo órgão. Os reguladores europeus entenderam que a companhia com sede em Mountain View usou de seu domínio no mercado de buscas para privilegiar o seu serviço Google Shopping, que pesquisa preços de produtos, em detrimento dos concorrentes (saiba mais no quadro ao final da reportagem). “Não é permitido abusar de seu poder em um mercado para dar a si próprio vantagem competitiva em outro”, afirmou Margrethe Vestager, comissária de Defesa da Competição da União Europeia, que também investiga o Google em publicidade, no sistema operacional para celulares Android e em outros serviços, como mapas, viagens e busca local. O advogado do Google, Kent Walker, afirmou que a empresa discorda das conclusões e que vai recorrer.

A decisão da Comissão Europeia pode ser encarada como um marco para regulamentar os gigantes da internet. “É uma virada de página”, afirma Patrícia Peck, advogada especializada em direito digital. “Vai começar uma nova etapa da indústria digital, que precisa de mais equilíbrio.” Como atuam em um setor sem quase nenhuma regulamentação, as gigantes da era digital contam com vantagens sobre seus rivais tradicionais. O WhatsApp, comprado pelo Facebook, por exemplo, não segue as mesmas regras das empresas de telefonia. “Nossa preocupação é quando as empresas de internet começam a oferecer serviços substitutos aos nossos, mas com regras muito diferentes”, diz Eduardo Navarro, presidente da Telefônica Brasil (leia entrevista aqui).

Margrethe, da União Europeia: ela investiga o Google em outros casos de competição (Crédito:AFP Photo/Emmanuel Dunand)

Para ter algum efeito, no entanto, as autoridades antitruste precisam ser mais rápidas. “Muitas vezes, quando a decisão é tomada, a terra já está toda arrasada”, diz um empresário que competiu com o Google no Brasil. No caso antitruste da Microsoft, por exemplo, a Netscape sucumbiu diante da longa duração do processo, que só terminou definitivamente 13 anos depois, em 2011. Por aqui, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) analisa um processo semelhante ao da Europa impetrado pelo comparador de preço Buscapé, em 2012. Até hoje, nenhuma decisão foi tomada. Procurado, os executivos do Buscapé não quiseram se pronunciar sobre o assunto. Em nota, disseram que “o Google é um parceiro estratégico do Buscapé”. O Cade alegou que não comenta aspectos relacionados ao mérito de casos em análise pelo órgão.

As empresas da economia digital se beneficiam de dois fatores para crescer de forma acelerada, quando comparado a rivais de tijolo e argamassa. O primeiro é o conceito de que o vencedor fica com tudo. Com isso, quem domina um mercado, dificilmente é desafiado por outros. Foi assim com a Microsoft nos 1990 com o sistema operacional. Nos anos 2000, o Google dominou o setor de buscas. O Facebook, de Mark Zuckerberg, reina em redes socais. No varejo online, poucos desafiam a Amazon, de Jeff Bezos. Apesar dos problemas em seu negócio de smartphone, a Apple, de Tim Cook, é um colosso empresarial que vale US$ 750 bilhões (leia reportagem aqui).

Outro fator que explica o avanço desses gigantes da internet é o chamado “efeito rede”. Segundo esse conceito, o benefício de um produto ou serviço aumenta conforme o número de usuários também cresce. Para entender o que isso significa, pense no Facebook, que chegou a 2 bilhões de consumidores conectados à sua rede social. Se fossem poucos gatos pingados, você faria parte dessa comunidade online? Por essa razão, as empresas desenvolvem plataformas integradas, cujo único objetivo é não deixar o consumidor abandonar seu ambiente. É o caso do Google, com o Gmail ou o YouTube. Tome como exemplo também a Amazon, que comprou a rede de alimentos orgânicos Whole Foods, por US$ 13,7 bilhões. “Ela está potencializando o efeito rede em todos os pontos de contato com o consumidor”, afirma Marcelo Coutinho, coordenador do mestrado profissional da FGV.

No início do século 20, a petrolífera americana Standard Oil, da família Rockfeller, perdeu uma longa batalha judicial e foi obrigada a se dividir em várias outras empresas. Foi assim que surgiram diversas outras companhias de petróleo, como a Esso e Chevron. A AT&T, nos anos 1980, teve também que ser desmembrada em diversas outras operadoras de telefonia, as chamadas “baby Bells”. Ninguém quer barrar a inovação ou o avanço de Google, Facebook, Amazon e Apple por seu próprios méritos – que não são poucos. Mas, ao mesmo tempo, estabelecer regras que ajudem a criar um ambiente saudável para a competição parece urgente. No século 21, os bits e bytes não só trafegam pelas redes de telefonia, como são o novo petróleo.