Com população de 212,6 milhões de pessoas, o Brasil tem uma divisão de gênero equilibrada, com 48,2% homens e 51,8% mulheres, segundo o IBGE. Mas essa representatividade está longe de se refletir no setor produtivo. No agronegócio, apenas 34% dos cargos de liderança são ocupados por representantes do sexo feminino. Já entre as empresas da B3, 61% não têm mulheres entre os executivos estatutários e 45% não possuem executivas no Conselho. A perda econômica provocada pela falta de diversidade é imensa. Segundo a McKinsey uma maior participação da mulher no mercado de trabalho poderia injetar até US$ 12 trilhões no PIB global até 2025. O dado comprova o que Luiza Trajano, presidente do Conselho de Administração do Magalu, costuma dizer: “As mulheres têm o poder de transformar o mundo”. É nesse objetivo que ela trabalha junto a um grupo que começou com 40 executivas e hoje passa das 100 mil. E assim como ela, outras profissionais se dedicam a empoderar mulheres. Nesta reportagem, você conhecerá melhor como atuam seis delas.

Dia Internacional da Mulher: por que é preciso uma política de Estado para as carreiras STEM

AGENTES DA TRANSFORMAÇÃO SOCIAL

Dona dos títulos de mulher mais rica do País com uma fortuna estimada em US$ 4,9 bilhões (2020, pela Forbes) e a única personalidade brasileira na lista das 100 pessoas mais influente da revista Time, Luiza Trajano tem se dividido entre as cadeiras de presidente do Conselho de Administração do Magalu e de presidente do Grupo Mulheres do Brasil. A executiva, no entanto, não esconde que é na segunda posição que tem investido a maior parte do seu tempo e por um motivo nobre: acredita que a união de mulheres é capaz de transformar o Brasil. Foi dessa conclusão que surgiu o Grupo Mulheres do Brasil quando, em 2013, pediu o apoio da Endeavor e da EY para organizar um encontro só de executivas. “Naquele dia a gente percebeu que elas estavam muito além de querer bem somente para seu negócio, elas queriam trabalhar pelo bem do Brasil”, afirmou. Atualmente o grupo soma quase 100 mil participantes e trabalha em 21 comitês com agendas relacionadas ao empoderamento feminino.

Entre elas, combate à violência contra a mulher, empreendedorismo, educação e políticas públicas. Os assuntos diversos se interconectam no objetivo único de criar condições para que as mulheres não só se sintam seguras nos seus direitos mais básicos — como o bem-estar do próprio corpo —, mas que sejam reconhecidas socialmente como importantes agentes econômicos.

Foi também com este fim, que o grupo Mulheres do Brasil sob liderança de Luiza se uniu para formar o Fundo Dona de Mim. Criado na pandemia, foi constituído para socorrer microempreendedoras individuais (MEI) que estavam sucumbindo diante da crise. Na primeira fase, a doação de 62 fundadoras do projeto resultou em empréstimos para 485 mulheres investirem no próprio negócio. Em sua segunda fase, o apoio do Microcrédito Social do Banco BTG Pactual está possibilitando empréstimos de até R$ 3 mil a cerca de 1 mil mulheres. Em paralelo, a empresária segue na luta para que os Conselhos da Administração adotem cotas de gênero, destinando 30% para conselheiras. “Não ter uma mulher no Conselho é não querer entender o que a consumidora está comprando”, disse Luiza. Em outras palavras, é perder dinheiro.

VOZ E VALOR NO CAMPO

“A inovação só é possível a partir da inclusão e da diversidade”, Malu Nachreiner CEO da Bayer. (Crédito:Marcelo Ribeiro )

Por si só Malu Nachreiner é um exemplo de empoderamento feminino. Primeira mulher a assumir o cargo de CEO do Grupo Bayer no Brasil, é uma das poucas executivas em um mercado de maioria masculina: o agronegócio. De cada 100 fazendas no Brasil, apenas 18 são chefiadas por mulheres, segundo o IBGE. É neste contexto que Malu está inserida como executiva de uma multinacional que resolveu tratar a igualdade de gênero com prioridade.

“Entendemos que a inovação só é possível a partir da inclusão e da diversidade”, disse Malu. Internamente, a CEO garante investimentos para ampliar a contratação e dar oportunidades de crescimento para as funcionárias. Externamente, orgulha-se do projeto Conexão Mulheres no Agro. Para construí-lo, uma pesquisa levantou as dores das produtoras. O resultado trouxe o inesperado, conforme conta Francila Calica, gerente de Relações Institucionais da Bayer e uma das líderes da iniciativa. “A grande maioria das entrevistadas sofria com a invisibilidade. Elas não sentiam que seu trabalho era reconhecido nem pela família, nem pelos funcionários”, disse Francila. Pormenor relevante: metade das mulheres ouvidas eram as donas das fazendas. O time decidiu, então, trabalhar em quatro pilares: ajudar as mulheres a terem mais voz no mundo do agro; colaborar com o desenvolvimento da carreira das funcionárias e com o resultado das clientes no campo; conectar o campo com a cidade por meio de histórias de produtoras; e reconhecer aquelas que contribuem para o desenvolvimento do setor. E assim surgiu o prêmio Mulheres do Agro que, anualmente, reconhece nove gestoras que se destacaram pela sustentabilidade e inovação. Afinal, como bem disse Francila, “comemorar vitórias é também empoderar”.

O GÊNERO NOS CONSELHOS DE ADMINISTRAÇÃO

Anna Guimarães, da 30% Club Brazil.

Ex-CEO da italiana Efeso Consulting e da holandesa Kema Energy & Sustainability no Brasil, Anna Guimarães tem cadeira nos Conselhos de Administração da TIM S.A e do Museu da Arte Moderna de São Paulo. Mas é como CEO do 30% Club Brazil que trabalha diuturnamente pela causa do empoderamento feminino. O movimento global formado por CEOs, presidentes de empresas e investidores foi criado com a missão de garantir proporcionalidade mínima de uma mulher para cada três homens nos Conselhos de Administração das maiores empresas com ações listadas em bolsas de valores. No Brasil, tem duas metas: zerar este ano a quantidade de companhias do IBrX100 da B3 que possuem conselhos formados exclusivamente por homens e garantir que 30% dos assentos sejam ocupados por conselheiras até 2025. O prazo parece apertado dado à lenta evolução da representatividade feminina nos últimos anos. Em 2019 era de 10,8%; em 2020, 11,5%; e em 2021, 14,2%. Na lista de 15 países onde o movimento tem representantes, o Brasil ocupa a 12ª colocação, só à frente de Hong Kong (13,0%), Japão (12,9%) e Chile (9,4%). Itália está no topo com uma participação feminina de 36,3% nos Conselhos. Mas Anna tem certeza de que a meta será alcançada.

“Estudos apontam que 30% dos votos são suficientes para ter uma influência real nos demais 70%, por isso este número”, afirmou. Assim que a meta for batida, outra já está no horizonte. “O passo seguinte será caminhar para o equilíbrio pleno de 50%.” Anna, que comandou dois cursos para formação de 100 conselheiras no País, tem no 30% Club Brazil um conselho misto em que homens e mulheres dividem a mesa. “Envolvê-los é essencial, afinal são eles que mudaram essa realidade.”

NA TECNOLOGIA E ALÉM DO ÓBVIO

Silvia Bellio, da itl.tech. (Crédito:Diego Fernandes)

Com carreira em tecnologia, onde a participação masculina na América Latina é de 84% segundo a KPMG, Silvia Bellio deixou as funções executivas para empreender. Escolheu o dia 8 de março de 2005 para lançar sua empresa de infraestrutura de data center, a itl.tech. Mas foi em 2016, ao participar de um evento do setor voltado para mulheres, que percebeu haver espaço para o fortalecimento feminino nessa indústria. “Vim de uma época em que as mulheres eram concorrentes entre si, não havia ajuda”, afirmou. “Hoje isso está mudando e quis fazer a minha parte.” A primeira ideia foi o Conte sua História, em que a executiva compartilharia histórias de mulheres que a inspiraram, mas o projeto logo evoluiu para o livro Mulheres Além do Óbvio. Na publicação, 21 executivas de carreira em TI contaram como venceram em um ambiente tão adverso. O sucesso abriu o caminho para o segundo livro, o TI de Salto. Foi então que a executiva percebeu o poder de transformação que a identificação gerava e criou um ecossistema com palestras, apresentações em escolas e um terceiro livro já no forno. “Tudo nasceu da minha solidão no mercado de trabalho”, afirmou. “Hoje, em quase todos os eventos de tecnologia há atividades em que o foco é a mulher.” Uma transformação cultural que impulsiona jovens a olharem cursos de exatas como uma real opção de carreira e cria profissionais mais confiantes para exigir o espaço que desejam na hierarquia organizacional.

O APOIO QUE NASCE NA COZINHA

Beatriz Mansberger, da Casa Chef Aprendiz.

Paulistana de 29 anos, Beatriz Mansberger é uma empreendedora social. À frente da Casa Chef Aprendiz, ela tem se dedicado a mudar a vida de dezenas de jovens da periferia de São Paulo em uma iniciativa que nasceu de uma dor pessoal. “A realidade social brasileira me doía na alma, então decidi que queria impactar o mundo de alguma forma”, disse. Estudou gestão pública e começou a trabalhar com jovens. Ao ouvir suas demandas, formatou seu negócio. A Casa Chef Aprendiz nasceu para ensinar gastronomia em uma pedagogia mais abrangente em que física, química e matemática são ensinadas na cozinha. Ao final, a turma prepara pratos para uma banca de profissionais do setor que tenham vagas a oferecer. O grupo é para meninos e meninas, mas foi junto a elas que a transformação mais radical aconteceu. Segundo Beatriz, muitas não se achavam nem capazes de participar de um programa como este. “Elas não tinham sonhos”, afirmou a empreendedora. Além disso, muitas chegavam ao programa com relatos de abuso sexual. Foi preciso ampliar o escopo da Casa para acolhê-las. Psicólogas e terapeutas corporais se uniram à Beatriz e o empoderamento emocional feminino ganhou uma dimensão relevante no projeto. “Queremos ajudar as meninas a se conhecerem e assim ter uma atitude responsiva e não reativa perante a realidade em que vivem.”

DIVERSIDADE, INCLUSÃO E SAÚDE

Marina Capra, da Organon.

No Brasil de hoje a cada 30 minutos uma menina de 10 a 14 anos se torna mãe. Entre mulheres de todas as idades, 45% não têm autonomia sobre o próprio corpo. “Em outras palavras, não é ela quem decide ir ao médico, quando ir e nem em qual”, afirmou Marina Capra, diretora de RH da Organon. “É essa a realidade que a Marina quer mudar. “O empoderamento feminino é dar voz às mulheres e fazer com que elas participem de forma estratégica de toda a sociedade.” Isso passa pela saúde, pela defesa de direitos iguais e pela informação, agenda na qual sempre acreditou e na qual hoje consegue atuar com impacto mais amplo na cadeira de diretora de uma multinacional 100% focada em soluções para saúde da mulher.

A Organon, que fatura US$ 6,3 bilhões no mundo, tem 50% do quadro de 418 funcionários no Brasil composto por profissionais de gênero feminino e trabalha a agenda em grupos de identidade e no Comitê de Diversidade e Inclusão, liderado por Marina. Entre as ações externas promovidas, a executiva fala com especial orgulho da campanha Sua Saúde Já, que será lançada neste mês com as estatísticas chocantes como as da gravidez na infância. “Para mudar a realidade é preciso conhecê-la”, disse.