Pelos cargos que ocupou em cerca de 50 anos de trajetória profissional, o economista Marcos Cintra se acostumou a diferentes formas de deferência. Já foi secretário, vereador, deputado, conselheiro, vice-presidente e presidente. Em quase todas essas posições, dois títulos estiveram presentes: o de professor de economia da FGV, desde 1969, e de criador do Imposto Único. Como deputado federal, em 1999, ele usou até a filosofia chinesa para defender a ideia de simplificação tributária numa Emenda Constitucional sobre o tema. “O sábio Lao Tsé ensinava, milênios atrás, que o melhor governante é aquele que menos se faz notar”, sugeria o texto. “Queremos uma matriz tributária muito eficaz, mas que seja ao mesmo tempo pouco perceptível, suave e não invasiva.” Como conselheiro de Jair Bolsonaro (PSL), Cintra pouco se faz notar, mas é o principal responsável pela proposta de reforma tributária da candidatura, num dos 26 grupos da área econômica do capitão, sob o comando do guru Paulo Guedes.

Formado em economia em Harvard, Cintra é hoje presidente da Financiadora de Inovação e Pesquisa (Finep), estatal vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. Sua principal missão na campanha é se debruçar em ajustes que tornem viável a ideia do imposto único, que deve acabar com mais de dez tributos e será cobrado sobre movimentações financeiras, como a ideia que defende há anos. A proposta foi alvo de ataques depois do vazamento de informações de uma reunião privada entre Guedes e representantes do mercado financeiro, em que o guru citava a CPMF. A rejeição se deu porque o famoso “imposto do cheque” sempre foi identificado como uma forma de aumentar a arrecadação. O modelo de Cintra é diferente porque ele substitui outros tributos e não apenas acrescenta uma nova cobrança. Pode ser feita, em tese, sem incremento na carga tributária.

O que Cintra, Guedes e os outros economistas que assessoram o deputado têm em comum é uma visão de que o Estado cresceu demais nos últimos anos e precisa passar por um desinchaço radical. Daí porque o candidato vem prometendo até uma eventual redução do peso tributário sobre empresas brasileiras, a exemplo do que fez o presidente Donald Trump nos Estados Unidos, a quem Bolsonaro costuma ser comparado. Os próprios textos de Cintra lembram que sua ideia original era criar uma alíquota de 1% para o Imposto Único, o suficiente para arrecadar 23% do PIB, nível comparável à carga tributária média histórica anterior do que o economista chama de “explosão fiscalista iniciada na década de 1990.” Como a carga tributária brasileira hoje está em 32,38% e o País caminha para o quinto ano de déficit, ainda não é possível saber como ficará o texto final.

Guedes traçou como uma das metas centrais acabar com o déficit fiscal já em 2019, considerada irrealista pelo mercado, que se queixa da falta de clareza das principais propostas. O guru econômico da campanha é um liberal de mão cheia. Formou-se na Universidade de Chicago – reconhecida por moldar economistas favoráveis à redução do Estado de todas as partes do mundo – fez carreira no mercado financeiro e ajudou a fundar, ao lado de Gustavo Franco e outros nomes, o Instituto Millenium, que promove valores liberais e “limites institucionais à ação do governo”. Seu time é formado por economistas alinhados à ideia de um choque liberal. “O Estado é uma abstração no Brasil, virou um monstro”, afirma Carlos Alexandre da Costa, ex-diretor de planejamento do BNDES.

Formado pela UFRJ, Costa fez mestrado na Universidade da Califórnia (UCLA) e ajudou a fundar o Ibmec, ao lado de Guedes. Na campanha, ele contribui com ideias nas áreas de mercado de capitais, infraestrutura e regulação. Uma de suas defesas é de melhorar a segurança jurídica e ampliar a competição entre os bancos, fortalecendo o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). “Nossa taxa de juros é muito alta porque temos um governo disfuncional, que hoje captura boa parte da poupança existente na sociedade”, afirma Costa. O tema de infraestrutura conta ainda com a colaboração de Paulo Cesar Coutinho, professor de economia da UNB, especialista em regulação, e oriundo da UFRJ. Nessa área, o capítulo de energia é assessorado por Luciano Irineu de Castro, engenheiro do ITA e professor da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos.

Uma das áreas mais nebulosas do programa de governo do PSL, a Previdência, está nas mãos de uma dupla, os irmãos Weintraub. Abraham é economista formado pela USP, com experiência em instituições financeiras, e Arthur, graduado em Direito pela USP, é especialista em temas previdenciários e atuariais. Os dois são professores da Unifesp e trabalham na proposta de reforma. A campanha defende um modelo de capitalização com contas individuais, mas não está claro como será feita a transição do sistema atual. A reforma da Previdência é considerada o principal remédio para resolver o desafio das contas públicas no Brasil. Esse tema, porém, gera atritos com Bolsonaro, que já deixou escapar sua defesa por mudanças graduais. No time do capitão, há ainda economistas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), como Alexandre Iwata, e o ex-secretário do Tesouro Nacional, Carlos Von Doellinger, na área de finanças públicas.

A experiência de Guedes no mercado financeiro carimbou o caráter liberalista da candidatura do PSL e abriu uma interlocução em bancos e casas de análises, reforçada pelo restante do grupo. “A conversa com os assessores econômicos é que garantiu uma quebra de resistência do mercado ao nome dele”, afirma Jason Vieira, economista-chefe da Infinity. “São pessoas que se aproximaram da campanha vendo a possibilidade real da eleição e entrando de maneira institucional no projeto econômico, não político.” Os índices financeiros vêm reagindo positivamente à vantagem de Bolsonaro há semanas (leia mais aqui).

DESCONFIANÇA Do outro lado da disputa, a candidatura do PT vem se ocupando mais da parte política. As principais ideias econômicas estão incluídas no programa de governo apresentado no ato do registro da chapa presidenciável. O documento traz medidas consideradas radicais e vistas com desconfiança no mercado financeiro, pelo temor de repetir iniciativas que se provaram ineficazes em governos anteriores e insuficientes para resolver o desafio fiscal. Entre economistas tradicionalmente ligados ao PT, estão nomes como os de Nelson Barbosa, ex-ministro da Fazenda, e de Luciano Coutinho, ex-presidente do BNDES.

As propostas para 2018 foram coordenadas pelo ex-presidente do Ipea, Marcio Pochmann, um desenvolvimentista – que defende maior presença do Estado – ao contrário da turma de Guedes. Formado pela UFRGS, Pochmann é professor da Unicamp, considerada um reduto de desenvolvimentistas. No programa estão marcas defendidas por ele, como o uso das reservas internacionais para investimentos em infraestrutura e o mandato dual do Banco Central, com metas para emprego, além de inflação. Para o segundo turno, o candidato Fernando Haddad procurou minimizar algumas ideias defendidas por Pochmann. O ex-prefeito de São Paulo fez retificações no programa de governo para tentar mostrar uma posição menos radical na economia – a questão do mandato dual, por exemplo, foi retirada.

Da Unicamp saiu outro integrante do time econômico petista. O professor Guilherme Mello, formado pela PUC-SP e doutorado na escola campineira, foi escalado para ser o porta-voz do partido na área. Mello rechaça as críticas de radicalismo, afirma que o déficit seria zerado ao longo do mandato e acredita ser possível crescer mais de 3% com as propostas incluídas no plano. “A questão fiscal não se resolve com mágica ou bravata”, afirma o economista. “A superação do problema fiscal se dá com retomada do crescimento e revisão das receitas e na estrutura de gastos, como as desonerações.” Entre as medidas que defende para acelerar o crescimento estão a retomada de obras paradas, a renegociação de dívidas de consumidores, além das reformas tributária, com maior progressividade, e bancária, para aumentar a concorrência entre as instituições financeiras.

No grupo econômico da sigla estão ainda nomes como o do ex-presidente da Empresa de Planejamento Energético (EPE), Maurício Tomalsquim, a ex-ministra do Planejamento, Miriam Belchior, na área de infraestrutura, e a economista Esther Dweck, ex-secretária de Orçamento do Ministério do Planejamento e professora da UFRJ. O tema também passa pelas mãos de Haddad. Além da graduação em Direito e do doutorado em Filosofia, o candidato é mestre em Economia – todos os cursos foram feitos na USP, onde ele é professor. Embora sua tese tratasse do caráter econômico do governo soviético, Haddad chegou a trabalhar no mercado financeiro, como analista do Unibanco, e acumula experiências em áreas econômicas do setor público, como subsecretário de Finanças da prefeitura de São Paulo e como assessor especial do Ministério do Planejamento. A trajetória corrobora a percepção de que o candidato é um moderado no meio petista, mas contrasta com o um plano de governo considerado radical, apesar das mudanças.