Executivo que comanda a expansão do Magalu no e-commerce entende que é necessário maior rigor na fiscalização de marketplaces estrangeiros para impedir a venda de produtos sem nota fiscal.

O varejo brasileiro tem potencial para, pelo menos, triplicar sua presença on-line. Hoje, do R$ 1,2 trilhão que o segmento fatura, pouco mais de R$ 100 bilhões vêm do e-commerce. Mas, para que as vendas digitais alcancem 30% de participação no comércio do País, é necessário garantir que plataformas estrangeiras cumpram regras fiscais e não vendam produtos sem nota ou contrabandeados. A avaliação é de Frederico Trajano. O atual presidente do Magazine Luiza esteve à frente da digitalização da companhia que apenas no segundo trimestre deste ano faturou R$ 9,8 bilhões no comércio eletrônico. O valor representou 71% do total da receita do Magalu no período, que foi de R$ 13,7 bilhões. Na terça-feira (17), durante a edição deste ano da Expo Magalu (evento voltado aos varejistas da plataforma digital da companhia), Trajano anunciou o lançamento das máquinas de pagamento Magalupay, da conta digital empresarial e de um sistema de crédito voltado para os 90 mil sellers que hoje participam do marketplace da companhia. À DINHEIRO, ele concedeu a seguinte entrevista:

DINHEIRO — O marketplace do Magalu faturou R$ 3 bilhões no segundo trimestre, e cresceu 63% sobre o mesmo período do ano passado. Aonde a empresa quer chegar nesse segmento?
FREDERICO TRAJANO — E ainda crescemos 400% em relação a 2019. Meu horizonte é tão grande quanto o de varejistas que hoje são analógicos. O varejo brasileiro fatura R$ 1,2 trilhão, e pouco mais de R$ 100 bilhões está no on-line. Precisa chegar a, no mínimo, o nível da China, que está em torno de 30% [algumas fontes citam até 50%]. Isso significa triplicar a participação do e-commerce brasileiro, independentemente do varejo e do PIB crescerem. Há uma oportunidade muito grande. O Magalu tem 90 mil sellers e esses R$ 3 bilhões significam R$ 12 bilhões anualizado.

O AliExpress anunciou que vai abrir para vendedores brasileiros, seguindo o mesmo caminho do Shopee. Como o senhor enxerga a chegada das plataformas estrangeiras?
Hoje 20% dos brasileiros estão comprando produtos de sellers estrangeiros. E se as empresas brasileiras não se digitalizarem e não se focarem nesse processo, vão perder mercado. O que eu queria era dizer para que esses lojistas não durmam no ponto. Uma parte significativa de compra do consumidor brasileiro está indo para estrangeiros. Mas há problemas de prazos de entrega, qualidade de produtos e compliance, de não atender regras fiscais legais. E esse é o diferencial do seller brasileiro. O Magalu acredita nisso. Desenvolvemos soluções de entrega e pagamento. Nenhuma plataforma chinesa tem isso. Eles estão investindo em logística no Brasil? Não. O foco deles é ajudar o seller estrangeiro e não o brasileiro. Não estou pedindo que proíbam que eles vendam aqui. Só estou tentando gerar mais competitividade para quem está aqui.

“Desenvolvemos soluções de entrega e pagamento. Nenhuma plataforma chinesa tem isso. O foco deles é ajudar o seller estrangeiro e não o brasileiro” (Crédito:Divulgação)

E por que 20% dos brasileiros compram dos estrangeiros?
Porque muitos dos pequenos e médios sellers brasileiros são totalmente analógicos e as empresas chinesas são mais digitalizadas. A maioria dessas vendas estrangeiras é sem nota. Mas não estou preocupado com isso porque não estou no mercado informal. Quem tem que estar preocupado não é a gente, é quem achar normal vender esse tipo de produto. Como a gente emite nota fiscal e não vende produto contrabandeado, essa não é uma preocupação. Não há aumento da atividade econômica sem formalização da economia. Estou falando isso no sentido social. Governos federal, estaduais e municipais estão vendo o e-commerce crescer com uma base informal e não estão fazendo nada. Deveriam estar obrigando os marketplaces a se corresponsabilizar pelos seus sellers, do ponto de vista fiscal, como a gente faz.

Existe algo que está sendo feito para mudar essa situação no Brasil?
O Instituto deDesenvolvimento para o Varejo (IDV) (que tem o atual vice-presidente do Conselho de Administração do Magalu, Marcelo Silva, como presidente) está trabalhando nisso, para conseguir atualizar a fiscalização, as leis, a regulamentação. Às vezes, tudo que é novo passa despercebido. Lojas on-line estrangeiras precisam trabalhar nas mesmas regras dos sites sérios. Mas isso é uma responsabilidade das associações, não minha. O trabalho do Magalu é conscientizar os sellers que aqui é o lugar para o profissional sério e que aqui não estará concorrendo com quem não emite nota. Um ambiente com condições iguais.

Como lidar com barreiras como dificuldades de crédito e um cenário de 15 milhões de desempregados no Brasil para conseguir diminuir a informalidade?
Se o lojista se digitaliza em uma plataforma como a do Magalu, ele vai conseguir gerar renda para formalizar os trabalhadores e emitir nota. Acho plenamente possível. Vejo vários sellers dentro da minha plataforma que estão crescendo apostando na digitalização de maneira correta.

O objetivo do anúncio da maquininha do Magalu é uma estratégia justamente para acelerar a chegada do varejista que ainda está só no sistema off-line?
Nosso foco é digitalizar o varejo brasileiro. Diferentemente da China, quando o Alibaba começou, eles cresceram o e-commerce em um oceano azul. No Brasil, para realmente levar a sério a história de digitalizar o varejo, isso passa, necessariamente, por digitalizar os sellers analógicos. Mesmo com todo crescimento do on-line no País, hoje a gente tem 5,7 milhões de varejistas e 1,6 milhão de restaurantes que ainda são totalmente analógicos. O caminho da digitalização é sem volta. Pode haver desaceleração do crescimento, mas chega a um novo patamar e precisa ficar. O consumidor que comprou pela internet gostou. Foram 18 milhões de clientes novos e hoje são 80 milhões que fazem aquisições on-line. O lojista analógico que só vender pelo físico vai perder participação de mercado, faturamento e pode até quebrar. E essas empresas viram que conseguem vender para o Brasil inteiro. A certeza que eu tenho é que o novo normal será digital.

Que outras ações têm sido desenvolvidas para ajudar esse varejista?
A gente lançou a entrega superexpressa, que é para pegar o produto do varejista e entregar para o cliente na mesma cidade. Tem a Agência Magalu, que é dar a oportunidade de ele postar com a gente, em vez de usar os Correios, porque eu tenho um preço competitivo. Até o fim do ano, esse serviço estará em 600 lojas, mas a ideia é chegar a 100%. A gente percebeu que o seller precisava também de equipamento para fazer esse processo. Já vínhamos estudando o universo das maquininhas, só que a gente queria entrar de forma diferente e ajudar o vendedor a catalogar todos os produtos digitalmente e vender on-line. A versão top vem integrada à plataforma Parceiro Magalu, interligada ao marketplace. As maquininhas hoje ajudam a processar pagamento, mas nenhuma a vender mais. A gente tem a opção, no Magalupay, que além de taxa boa, ajuda a vender mais, listando o produto no marketplace.

Há programas de incentivo para atrair sellers à plataforma do Magalu?
As ações que a gente fez precisam ser sustentáveis ao longo do tempo. A gente caminha longe do que vejo algumas plataformas fazendo, como zero de take rate (porcentual de comissão) por seis meses, como algumas chinesas, sem vínculo, só para trazer sellers, e depois começam a cobrar. São ações que considero inconsistentes e que não são nosso estilo. Não quero ser comparado com outras empresas, que no final acabam tendo de voltar com taxas, como o Shopee, que entrou zero e agora já subiu. E como o seller se planeja? É preciso ter previsibilidade. Não estou fazendo nada por causa da concorrência. Estou fazendo para fomentar o crescimento do nosso GMV (volume bruto de mercadorias, em inglês).

“O lojista analógico que só vender pelo físico vai perder participação de mercado. A certeza que eu tenho é que o novo normal será digital” (Crédito:Luciana Crepaldi)

Essas promoções da companhia não forçam o lojista, de certa maneira, a procurar apenas o marketplace do Magalu?
Alguns marketplaces estão incentivando sellers a tirar produtos dos estoques deles para colocar no seus próprios, às vezes até forçando. Uma vez que coloca o estoque no centro de distribuição do marketplace, não dá mais para vender em lugar nenhum. Nossa malha logística está sendo feita de uma maneira em que eu consiga ter entrega rápida com custo baixo, porque tem muita capilaridade. Dessa maneira, ele consegue manter o estoque no ponto físico dele e continuar vendendo em outros lugares. O que estou oferecendo é usar o Magalu Entregas e não o Correios, por exemplo, porque tenho malha mais barata e melhor NPS (tradução de nível de serviço por cliente). O objetivo é fazer com que nosso NPS para 3P (marketplace), que está em 70, chegue a 85, que é a melhor marca do mundo. Não é que eu não vá ter fullfiment, que é trazer esse estoque para o meu centro de distribuição, mas precisa ser vantajoso para o seller. Não quero usar isso para bloquear a concorrência. Não preciso forçá-lo, porque até 2023 teremos 2 mil pontos para coletar e redistribuir, e essa malha vai fazer o papel que o fullfilment faz.

Como o senhor está vendo o momento econômico do Brasil para o segundo semestre?
A gente acabou de fazer uma captação de R$ 4 bilhões e hoje está com R$ 10 bilhões em caixa. Vamos continuar com nosso plano de investimentos, independentemente de qualquer instabilidade de curto prazo. A gente vai mais do que dobrar a área de armazenagem, quadruplicar o número de postos de abastecimento, aumentar significativamente o número de lojas, investir em tecnologias e continuar o plano de aquisição de empresas. Isso independe do PIB. Tenho que focar no que eu posso fazer.