O presidente Jair Bolsonaro, acompanhado de seus filhos que estão na política, sempre tentou alçar sua própria família ao status de nobreza da política. Com a chegada ao mais alto cargo do Executivo (e com o bolsonarismo multiplicando súditos fiéis) essa sensação de realeza ficou ainda maior em 2019. Mas se ele mirou no monarca absolutista, com controle total de sua gestão, ele acertou no rei figurativo. Uma persona importante para discursos acalorados, falas polêmicas e certo apelo entre os apoiadores, mas de fora das decisões importantes para o andamento da nação. Para tais obrigações, três nomes estão na disputa. Os presidentes da Câmara e do Senado Arthur Lira (Progressistas-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), além do ministro Ciro Nogueira (Casa Civil).

Esses três são hoje os grandes tomadores de decisão no reinado de Bolsonaro. Lira tem forçado as pautas de impacto social e grande potencial gastador e para isso contorce o regimento interno da Câmara para fazer aprovações ilegítimas em tempo recorde. Por lá aparecem todo tipo de atrocidade em forma de proposta de Lei, e o ritmo delas parece estar ligado a premissas questionáveis. Nas últimas duas semanas, com a aproximação do período eleitoral, a pauta econômica virou a bola da vez. Medidas que estimulem a transferência de renda, facilite o crédito e endividamento de pequenas empresas e redução de impostos ganharam em celeridade o que perderam em inteligência. As pautas de costumes (amplamente defendidas por Bolsonaro) voltaram para a gaveta e devem ficar lá até segunda ordem.

Nessa geladeira estão 38 das 45 propostas prioritárias que o governo federal sinalizou para o Congresso no começo do ano e envolvem encaminhamentos que remontam desde 2019 e não saíram do lugar. Apenas sete delas tiveram avanços significativos no Legislativo e apenas quatro estão aprovadas e em vigor. Temas como a regulamentação do homeschooling, flexibilização do porte de armas e redução da maioridade penal são algumas das propostas bolsonaristas que fracassaram.

OS POSTULANTES AO PODER

Na outra Casa Legislativa, Pacheco é o cara por trás do desenho inicial Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) um texto que resguarda mais de R$ 19 bilhões para emendas do relator (aquelas do orçamento secreto, sem lastro e sem parâmetros) e também autoriza a execução de emendas parlamentares sem licença ambiental. O texto também não contempla nenhum reajuste para o salário mínimo, mas recompõe os proventos e prevê a reestruturação das carreiras da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Penitenciária. Christiano Junqueira Lins, analista político e consultor da bancada do PSD no Senado, entende que essa reposta do Legislativo reflete “o descompromisso, o descaso e a negligência com que o governo sempre tratou suas relações no Parlamento”.

E quem deveria fortalecer esse meio de campo era Ciro Nogueira, um político forjado no Legislativo que ganhou o comando da Casa Civil do governo Bolsonaro para, nas palavras do presidente da República “colocar ordem nessa relação que poderia ser mais próxima”. Mas ele também tem a própria agenda. E a sobrevivência política é talvez seu maior objetivo. Com isso se divide em dois perfis. O ministro, que é hoje é o principal tomador de decisão dos passos de Bolsonaro no caminho para reeleição é um. O político, que tem visto seu partido se aproximar do ex-presidente Lula é outro. Nos holofotes, Ciro Nogueira tem subido o tom contra os inimigos políticos de Bolsonaro. Nos bastidores, negocia com a Câmara o avanço de pelo menos mais duas pautas econômicas com efeito direto no bolso do cidadão, uma de crédito e outra de benefício social.

Agora, o papel de Bolsonaro é sua figura. Suas lives às quintas-feiras, as falas no cercadinho da casa presidencial todas as manhãs, os eventos oficiais. Nessas oportunidades o objetivo é dar vazão ao que quer que passe pela cabeça do presidente. Pode subir o tom contra o PT, pode culpar os governadores, pode questionar as eleições. Todo esse repertório cênico que ele tantou usou como parlamentar — mas que, além de exigir tempo e energia, também colocam a casta dos Bolsonaro no mesmo mood eleitoreiro e longe das articulações e decisões do próprio governo. Tudo certo, já dizia outro rei do Brasil, como dois e dois são cinco.