Oposição: diante de manifestantes, Juan Guaidó se autoproclamou presidente / Resistência: Maduro diz ser vítima de um golpe e pediu lealdade aos militares

A fundada em uma crise econômica, com uma hiperinflação que ultrapassa 1.000.000% e causa racionamento de alimentos nos supermercados, a Venezuela ingressou numa nova fase de instabilidade política na quinta-feira 23 após uma ofensiva da oposição de tomar o poder. Em meio a protestos violentos, que resultaram na morte de ao menos 18 pessoas e na prisão de outros 200 venezuelanos, o presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, autodeclarou-se presidente interino do país. Com a constituição na mão, ele disse que iria buscar “o fim da usurpação, um governo de transição e ter eleições livres.” Reconhecido rapidamente pelos Estados Unidos e diversos outros países, incluindo o Brasil, Guaidó assistiu, horas mais tarde, um longo discurso de Nicolás Maduro se reafirmando no poder e pedindo lealdade aos militares.

Vestindo uma camisa vermelha, Maduro discursou no Palácio de Miraflores e declarou ser vítima de uma tentativa de golpe. Ele apelou às Forças Armadas por lealdade e disciplina, anunciou o rompimento das relações diplomáticas e políticas com os EUA e deu um prazo de 72 horas para que a delegação norte-americana em território venezuelano deixasse o país. Após o pronunciamento, Guaidó publicou um documento dirigido a todas embaixadas presentes na Venezuela reafirmando que as relações diplomáticas com todos os países do mundo estão mantidas. “Peço que vocês desconheçam qualquer ordem ou disposição que contradiga o firme propósito do poder legislativo da Venezuela”, afirmou.

Horas antes, o governo americano havia alertado que poderia intensificar sanções econômicas sobre os setores de petróleo, ouro e outros produtos, além de tomar medidas não especificadas se houvesse violência direcionada à oposição. “Se Maduro e seus comparsas escolherem responder com violência, se eles escolherem fazer mal a membros da Assembleia Nacional ou quaisquer outras autoridades do governo legítimo da Venezuela, todas as opções estão sobre a mesa para os Estados Unidos”, disse uma autoridade do governo americano em teleconferência com jornalistas, segundo a agência de notícias Reuters.

APOIO China, Rússia e Turquia manifestaram apoio a Maduro. Os chineses enviaram um claro recado aos americanos: “Esperamos que a Venezuela e os Estados Unidos possam se respeitar e tratar um ao outro com igualdade, e lidar com suas relações baseadas na não interferência nos assuntos internos de cada um”, afirmou a porta-voz do ministério do Exterior chinês, Hua Chunying. A Rússia mostrou preocupação com a sugestão de possível intervenção militar na Venezuela e disse que Maduro é o líder legítimo. México e Bolívia também se recusaram a reconhecer o novo governo.

Protestos: ruas de caracas foram tomadas por manifestantes

Após reconhecer Guaidó como líder venezuelano, Donald Trump encorajou outros governos do hemisfério ocidental a fazer o mesmo. O apelo foi atendido por Brasil, Argentina, Canadá, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru e Guatemala. Pelo Twitter, o presidente Jair Bolsonaro reproduziu o comunicado do Itamaraty que reconheceu a troca de poder. O presidente brasileiro reforçou que o País “apoiará política e economicamente o processo de transição para que a democracia e a paz social voltem à Venezuela”.

Numa tentativa de unir militares, o Comando Estratégico Operacional da Força Armada Nacional Bolivariana declarou seu apoio ao presidente Maduro em uma mensagem na qual diz não reconhecer qualquer “ato ilegal contra a vontade do povo”. Na avaliação de Vinícius Vieira, professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas, a decisão sobre quem seguirá como presidente está nas mãos dos militares. “Se eles se bandearem para a Assembleia Nacional, podemos ter uma transição. Maduro pode ser preso até pelos militares.” Outra saída para Maduro seria buscar asilo em um país amigo como a Rússia, ou China. Mas, se conseguir manter a lealdade, o atual líder pode ganhar fôlego. “O ocidente tem muito peso, mas o mundo não é só o ocidente”, afirma Vieira.

Maduro foi reeleito em maio passado com quase 70% dos votos em eleição boicotada pela oposição, com alta abstenção e denúncias de fraude. No início do mês, ele prestou juramento para seu segundo mandato diante do Tribunal Supremo de Justiça, e não perante à Assembleia Nacional, como manda a Constituição. Como líder do parlamento, Guaidó convocou o povo a ir às ruas depois de ser preso pelas forças regime. A situação parece longe de uma solução pacífica e é difícil prever os próximos acontecimentos. Os analistas consideram improvável a hipótese de uma guerra e avaliam como grandes as chances de êxito da oposição. Uma alternativa para Guaidó seria sinalizar anistia aos militares. A revolta militar tem sido ainda muito pequena e rapidamente contornada. “Até agora a liderança militar manteve-se fiel a Maduro”, afirma o cientista político Geoff Ramsey, pesquisador do WOLA, centro de pesquisa sobre a América Latina nos EUA.