Primeiro foi o Napster que abalou a indústria fonográfica. Agora, quem aparece como pivô de conflitos judiciais e de uma possível revolução mercadológica são os livros eletrônicos. O motivo é simples: os contratos de cessão de direitos autorais de obras literárias valem apenas para os livros impressos. Se o autor quiser colocar sua criação na rede por meio de uma editora virtual, não se pode impedi-lo ? ao menos em tese. No final do mês passado, a Random House, americana, uma das maiores editoras do mundo, questionou na Justiça a legalidade da publicação de seus títulos na Internet por outra empresa, a RosettaBooks. ?Um e-livro é basicamente a mesma coisa que um livro tradicional?, afirma Harriette Darson, advogada da Random House. ?Se está em papel ou na tela de um computador, não faz a menor diferença.? A editora americana pretende usar a seu favor o precedente da indústria cinematográfica, que conseguiu estender os direitos dos filmes para todas as outras formas de reprodução, como o videocassete e o DVD.

Embora essa disputa não tenha se materializado no Brasil, a regra é a mesma do mercado americano. ?Nos últimos dois anos os contratos já incluem as novas tecnologias, como CD-ROM e Internet?, diz Wander Soares, diretor de marketing da Editora Saraiva. Já a maioria dos livros publicados antes dessa data está livre para publicação na rede ? desde que o autor concorde. ?Se a editora pagou apenas pelo produto impresso, nada impede que o autor coloque sua obra na Internet?, explica o advogado Renato Opice Blum. As publicações eletrônicas brasileiras ainda são poucas. As duas empresas já instaladas ? iEditora e eBook, ambas paulistanas ? dividem um mercado ainda incipiente, que se conta em milhares de leitores. A iEditora, criada há 11 meses pelo administrador Victor Kupfer, de 28 anos, tem 500 títulos e 20 mil dowloads, o equivalente digital de cópias de livros vendidas. Sua especialidade são as obras acadêmicas e de autores independentes, para os quais são pagos direitos autorais ? cerca de 15% sobre o valor do livro. Paulo Levy, cuja eBook começou a vender há uma semana pelo site Foglio.com.br, tem 200 obras no seu acervo, e não paga direitos autorais a escritores como Machado de Assis e José de Alencar. Para ?baixar? Dom Casmurro, por exemplo, o internauta paga R$ 5. ?Em breve vamos publicar autores novos, em parceria com as editoras tradicionais?, diz o empresário. Tanto ele quanto Kupfer acreditam que não irá se repetir no Brasil o conflito americano entre as editoras de tinta e as editoras virtuais, uma opinião compartilhada por quem está no mercado há mais tempo. ?Infelizmente, nosso mercado é tão pequeno que não comporta uma briga como essa?, diz Soares, da Saraiva. ?Se no futuro houver mais leitores na Internet, talvez tenhamos esse conflito.?