Após 92 dias à frente da presidência dos Estados Unidos, Joe Biden mostrou que sua promessa de campanha de liderar um belicoso combate contra as mudanças climáticas não era retórica eleitoral. É muito mais do que isso. Ao convocar a Cúpula dos Líderes pelo Clima ele não só reuniu 40 governantes para tratar da agenda, como conseguiu o raro feito de fazer com que Vladimir Putin (Rússia), Xi Jinping (China) e até o brasileiro Jair Bolsonaro se alinhassem em direção a único objetivo. O de reduzir as emissões de carbono. E começou dando exemplo ao anunciar a ousada meta de dobrar o teto estabelecido pelo governo Obama, se comprometendo a cortar as emissões em 50%-52% nos próximos dez anos. “Biden entra para valer na agenda, com potencial jamais visto para fomentar a economia de baixo carbono”, disse Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS).

Por trás da atitude americana, há muito mais do que filantropia. Caso mantida, a atual curva de aumento da temperatura do planeta pode reduzir em US$ 23 trilhões a produção global. O dado trilionário foi anunciado em recente relatório da consultoria Swiss Re que apontou ameaça de queda de 11% a 14% na criação de riquezas no mundo até 2050. “O risco climático é sistêmico e só pode ser tratado globalmente”, afirmou Jérôme Haegeli, economista-chefe da consultoria. Sob a batuta de Biden, parece que finalmente os governantes estão convencidos. “Após a gestão de Trump e seu negacionismo que gerou uma cisão na agenda ambiental, a Cúpula conseguiu, enfim, que o mundo entrasse em sintonia remando na mesma direção”, afirmou a professora Ariane Roder, cientista política e coordenadora adjunta do Centro de Estudos em Negócios Internacionais do Coppead/UFRJ. A China se comprometeu com a descarbonização até 2060. O Brasil, até 2050. O Japão elevou a meta de 26% para 46% até 2030. Putin não foi preciso, mas afirmou que reduzirá significativamente as emissões. O alinhamento do discurso foi um sinal positivo para a professora do Mackenzie Márcia Brandão, mas há dúvidas sobre a execução. “Parece que haverá maior comprometimento dos acordos climáticos, mas essa agenda vem acontecendo há 30 anos e pouco foi feito”, afirmou.

Uma das grandes novidades nesta Cúpula foi a mudança da postura do governo brasileiro. “O discurso do presidente Jair Bolsonaro mostrou compromisso com a agenda climática e alinhou o Brasil com o pensamento internacional”, afirmou Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura e coordenador do Centro de Agronegócio da FGV. Para a advogada e mestre em direito ambiental Sophia Bueno, no entanto, a falta de segurança de que o País consiga acabar com o desmatamento ilegal preocupa. “O discurso foi diferente, mas é preciso ter orçamento para colocar em prática a retórica exposta”, disse. Durante o evento, Bolsonaro prometeu eliminar o desmatamento ilegal até 2030 e dobrar a verba destinada a fiscalização ambiental ainda este ano. No dia seguinte, aprovou corte de 24% no orçamento do meio ambiente para 2021.

POLÍTICA INTERNA Além dos sinais de sua intenção de continuar na liderança da geopolítica mundial, Joe Biden também conseguiu, com a Cúpula, um feito histórico dentro de sua porteira ao agradar gregos e troianos, quer dizer, ruralistas e ambientalistas. Ao colocar o Brasil em xeque e exigir zero desmatamento, o presidente conversa com o manifesto americano Fazendas Aqui. Florestas Lá (2011) que afirma que a “destruição das florestas tropicais do mundo levou a uma expansão dramática na produção de commodities que competem diretamente com os EUA”. Segundo o texto, o fim do desmatamento da Amazônia e a ação climática internacional impulsionariam a receita agrícola americana em até US$ 270 bilhões entre 2012 e 2030. Este aumento inclui algo entre US$ 141 a US$ 221 bilhões com aumento da produção de soja, carne bovina, madeira e óleo de palma. Além de economia de US$ 49 bilhões no custo para o alinhamento às normas climáticas.

Já na seara da sustentabilidade, as recentes decisões do governo conquistaram os ambientalistas. Como Natalie Mebane, diretora da 350.org, que ao citar o corte de emissões, o cancelamento do oleoduto de Keystone XL e da Linha 3 do oleoduto Dakota Access disse: “Isso mostra ao mundo que os EUA estão seriamente empenhados em enfrentar a crise climática”. Ainda assim, e mesmo que seja necessário mais transparência na luta contra as mudanças climáticas, as ações contra o aquecimento global são urgentes e imprescindíveis. Do contrário, faltará água e alimento para todos.