Dados do Inpe apontam maior número de focos de incêndio desde 2007 no período. Primeiros seis meses do ano também registram alta de 19% em queimadas em comparação a 2021.Os sistemas que monitoram o ritmo de destruição da Amazônia registraram mais um recorde. O mês de junho de 2022 concentrou o maior número de focos de incêndio dos últimos 15 anos: foram 2.562 pontos de calor detectados por satélite. O pico anterior havia sido registrado em 2007, com 3.519 focos ativos.

Os dados são acompanhados e divulgados pelo Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que mantém uma série histórica desde 1998. Anteriormente, o ponto máximo atingido em um mês de junho havia sido em 2004, com 9.179 focos.

O cenário atual confirma a tendência observada desde o começo do ano, segundo levantamento feito por Rafaella Silvestrini, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).

“Desde o começo de 2022, houve um aumento de 19% de focos de queimadas no bioma em relação ao mesmo período de 2021”, afirma Silvestrini à DW. “É preocupante porque o período de seca, na prática, começa em junho. Pode ser que nos próximos meses continue a tendência forte de aumento”, acrescenta.

Onde há mais focos

Entre os estados amazônicos, Mato Grosso e Pará são os destaques negativos, com 64,5% e 21,7% dos focos, respectivamente. Sozinho, o município de Nova Ubiratã, na região central mato-grossense, registrou 11,4% do fogo no estado.

“São municípios que estão vivenciando um processo de expansão das áreas de plantio de soja”, analisa Vinicius Silgueiro, coordenador de inteligência territorial do Instituto Centro de Vida (ICV), em entrevista à DW.

“Dos focos de calor identificados, 80% ocorreram em imóveis rurais cadastrados, o que mostra a associação do uso do fogo para limpeza dessas áreas”, explica Silgueiro, ressaltando que há casos em que esse manuseio recebeu autorização dos órgãos estaduais, e que parte das queimadas são ilegais.

“Como em julho se inicia o período proibitivo do uso do fogo, os donos de imóveis rurais aproveitam os meses de maio e junho, em que já há uma redução de chuvas, para a queima”, diz.

Segundo um decreto do estado de Mato Grosso, as queimadas são proibidas entre julho e fim de outubro. Nesse período, são permitidas apenas atividades de prevenção e combate a incêndios feitas pelas instituições públicas autorizadas. Em nível federal, um decreto semelhante passou a vigorar em 22 de junho.

“Nos próximos meses, espera-se que outros estados, como Rondônia e Amazonas, apareçam nesse ranking, já que são regiões com fronteira ativa de desmatamento”, comenta Cristiane Mazzetti, porta-voz de Amazônia do Greenpeace Brasil, sobre os dados de junho.

Fogo atrai mais fogo

Embora a maior parte do fogo detectado pelos satélites em toda a Amazônia esteja em áreas privadas, com 64,6% do total registrado em imóveis rurais de janeiro a junho, Silvestrini chama a atenção para a alta acentuada observada em unidades de conservação (UC) e terras indígenas (TI).

Em comparação com 2021, os pontos de calor em TIs aumentaram 36% nos primeiros seis meses do ano. Em UCs, essa taxa é de 54,5%.

“Isso é um indício de que o fogo está avançando mais para terras públicas. Isso é perigoso, porque TIs e UCs deveriam ser as áreas de preservação”, pontua Silvestrini.

Em entrevista recente à DW, o climatologista Carlos Nobre falou sobre essa frente de devastação na Amazônia, maior floresta tropical úmida do mundo.

“Cerca de 95% das queimadas – ou mais – têm causa humana, não são causadas por descargas elétricas [raios]”, explicou.

Ainda segundo Nobre, na maioria das vezes, o fogo é iniciado de forma criminosa, após o desmatamento.

“Ele é colocado nessa floresta degradada para ir queimando, acabando com a floresta. Outra parte são incêndios que partem do uso do fogo na agropecuária na Amazônia. Nas pastagens, é comum o pecuarista usar o fogo, e o fogo pula da pastagem para a floresta degradada que está ali do lado”, explicou.

Esse processo repetido enfraquece o bioma, argumenta Silvestrini: “Quando o fogo entra uma vez, a floresta perde cobertura, fica mais vulnerável, e a próxima vez que o fogo chegar, queimará com mais facilidade. Fogo atrai fogo”, diz.

Contexto político

Para Mazetti, do Greenpeace, o que acontece em Brasília tem reflexo direto nos patamares observados quanto aos focos de calor e alertas de desmatamento.

“É resultado de todo um contexto não só de tolerância como de incentivo ao crime ambiental que se estabeleceu no Brasil nos últimos anos”, afirma à DW, em referência ao governo Jair Bolsonaro.

Além do enfraquecimento dos órgãos ambientais, como o Ibama, e a falta de um plano robusto de combate e prevenção ao desmatamento, a tramitação de projetos antiambientais no Congresso Nacional também influencia o cenário, avalia Mazetti.

“Mesmo que essas alterações ainda não tenham sido aprovadas, só a expectativa de flexibilização da lei, seja fundiária ou ambiental, já age como estímulo à destruição”, pontua Mazetti, fazendo referência aos projetos que receberam a alcunha de “Pacote da Destruição”, que inclui mudanças de licenciamento ambiental, liberação de agrotóxicos e a permissão para exploração das terras indígenas.

Um outro elemento pode impulsionar o desmatamento e as queimadas nos próximos meses: as eleições.

“Esse pode ser um possível último ano de governo Bolsonaro, em que o crime foi muito incentivado. Então pode haver uma corrida desenfreada para desmatar porque 'não se sabe o dia de amanhã'”, analisa Mazetti.

Outro ponto preocupante são as queimadas criminosas de invasores que ameaçam indígenas e unidades de conservação: “Temos visto aumento do fogo e da violência contra indígenas e comunidades nos últimos anos, o que serve de alerta a toda a sociedade”, conclui.