Dezenas de pessoas são jogadas em uma ilha e precisam matar para não morrer. O último sobrevivente é consagrado vencedor de uma disputa emocionante e sanguinária. O roteiro, que poderia ser confundido com um dos livros da série Jogos Vorazes, da escritora americana Suzanne Collins, é também a premissa de um dos maiores sucessos virtuais da atualidade, o jogo eletrônico Fortnite: Battle Royale. Mais do que divertir seus 125 milhões de jogadores, o game é uma máquina de ganhar dinheiro. Com menos de seis meses de vida, já rendeu US$ 1,2 bilhão aos cofres da desenvolvedora americana Epic Games. E, somente em junho, arrecadou US$ 318,3 milhões – recorde absoluto de uma indústria em franco crescimento.

Desenvolvido na Califórnia, o Fortnite ganhou destaque mundial – ao menos na comunidade que não está antenada ao mundo dos jogos – quando foi lembrado na Rússia, durante a Copa do Mundo de futebol. Em partida contra a Argentina, o atacante francês Antoine Griezmann comemorou um gol com um gesto característico que lembra o jogo. Disponível para videogame, computador e até para iPhone, Fortnite é um fenômeno virtual que supera de longe até mesmo a febre de Pokémon GO, game para celular lançado em junho de 2016 pela Niantic Labs. Em seu melhor mês, em agosto de 2016, o aplicativo que usava recursos de realidade aumentada para capturar monstrinhos usando o smartphone faturou US$ 203,5 milhões. “O segredo do Fortnite é combinar fatores como gratuidade para jogar, arte atraente, jogabilidade simples e uma plataforma online”, diz Mat Piscatella, analista da consultoria americana NPD. “É o jogo certo e que chega na hora exata para mudar todo o mercado.”

Guerra na ilha: com enredo simples, Fortnite se passa em uma ilha isolada em que dezenas de jogadores tentam sobreviver a qualquer custo

Mais do que conquistar o mundo, o título é o melhor exemplo do modelo de negócios que vem ganhando espaço no mercado. Apelidada de freemium, a prática consiste em disponibilizar um produto ou serviço de forma gratuita para o público, mas cobrar por vantagens exclusivas. De acordo com a consultoria americana SuperData, a indústria de videogames movimentou US$ 108,4 bilhões em 2017. Deste montante, US$ 82 bilhões, ou 75,6%, foram obtidos com o gasto pelos jogadores na compra de produtos que são comercializados dentro dos jogos e também com a publicidade exibida em suas plataformas. No caso de Fortnite, essa conta pode sair cara. Um pacote de 10 mil moedas V-Bucks, usadas para comprar itens de personalização dos personagens, como roupas e armas, custa R$ 199. “As empresas estão usando de formas cada vez mais criativas para maximizar os ganhos com os negócios que têm”, diz Piscatella.

A estratégia utilizada por Fortnite não é nova. Jogos como Candy Crush e Angry Birds, sucessos nos celulares, já faziam uso dessa modalidade. Nos consoles tradicionais, o simulador de futebol FIFA conta com um modo de jogo em que é possível montar times personalizados. Para conseguir estrelas como Cristiano Ronaldo e Messi, porém, a maneira mais fácil é comprá-los usando moedas virtuais que são adquiridas com dinheiro real. “Ficou claro que as transações realizadas dentro dos jogos se tornaram um mecanismo de monetização necessário para permitir que os usuários não precisassem pagar o preço total de um jogo”, diz Brian Blau, vice-presidente da consultoria americana Gartner. “É uma tendência que vai ganhar mais espaço no mercado.”

Até na Copa: o francês Antoine Griezmann comemorou um gol na Copa do Mundo com um gesto típico do jogo virtual (Crédito:Divulgação)

Mais do que os jogadores de Fortnite, quem está se divertindo com o game é a Tencent. A gigante chinesa que vale US$ 450 bilhões e ficou conhecida pelo aplicativo de mensagens WeChat, uma espécie de WhatsApp chinês, vem investindo com sucesso no mercado de jogos nos últimos anos. Em 2012, a empresa de Ma Huateng adquiriu 40% da Epic Games por US$ 330 milhões – quase o mesmo valor que o jogo Fortnite rendeu ao estúdio no mês de maio. Antes disso, em 2011, já havia gasto entre US$ 350 milhões e US$ 450 milhões na Riot Games, produtora do jogo de computador League of Legends, que já teve mais de 100 milhões de jogadores. Em 2016, subiu a barra e pagou US$ 8,6 bilhões pela fatia de 84,3% das ações da desenvolvedora sueca SuperCell, responsável pelos jogos de celular Clash of Clans e Clash Royale. Há também participação minoritária em empresas como Ubisoft e Activision Blizzard.

Todos esses investimentos vêm rendendo bons números para Tencent. Nos resultados financeiros do primeiro trimestre do ano, a companhia com sede em Shenzhen, no sul da China, teve receita de US$ 11,7 bilhões entre janeiro e março, alta de 48% em relação ao mesmo período do ano passado. Do montante, US$ 4,3 bilhões foram obtidos com o seu braço de jogos eletrônicos – 26% a mais do que o registrado em 2017. “Certamente é possível considerar a Tencent como a principal empresa de jogos do mercado”, afirma Piscatella. Ma Huateng, que é o homem mais rico da China com uma fortuna estimada em US$ 42,5 bilhões, certamente joga para ganhar.