Ao contrário do que incita o senso comum, um jogo de xadrez é, antes de um duelo, um diálogo. E quem diz isso é o campeão mundial de enxadrismo e filósofo Emanuel Lasker (1868-1941). Logo no início de jogo, com as peças posicionadas, é hora de observar o cenário e traçar uma estratégia. Lembrar do que deu certo na última partida e decidir se é melhor tomar um caminho mais ousado, ou um mais conservador. O mesmo vale para planos de investir. Se o xadrez nos ensina que a previsão é parte importante do andamento da partida, no universo dos investimentos a antecipação de problemas pode ser a diferença entre uma vitória grandiosa ou uma derrota avassaladora. E desvendar esse tabuleiro montado para 2023 não é fácil. Inflação, guerra, crises políticas e desaceleração econômica prometem deixar a partida ainda mais tensa. Mas calma. Antes de desesperar, vale o conselho de Lasker. “Não há partida perfeita ou sem erros de percurso, mas se sua visão de curto, médio e longo prazo estiver aguçada, sua chance de vitória se multiplica”.

Para calibrar esse termômetro é preciso pensar em dois fatores fundamentais: os cenários interno e externo. No Brasil, o desafio atual é entender a capacidade do recém-empossado governo Lula de equilibrar seu plano de reconstruir e pacificar o País diante de uma economia estagnada. E por isso a forma como o novo presidente caminhará nos seus primeiros 100 dias de governo serão determinantes para antecipar qual tipo de investimento será mais adequado. Segundo o ex-diretor do Banco Central Tony Volpon, os indícios iniciais não são tão arrojados justamente pela falta de clareza e surpresas não tão positivas da nova gestão. “Isso tem impedido, por exemplo, que o real se beneficie da queda global do dólar.”

Cautela também parece definir a largada do governo na avaliação de Armando Castelar Pinheiro e de Silvia Matos, economistas e pesquisadores associados da FGV-Ibre. De acordo com ele, muito além da discussão sobre novo arcabouço fiscal e redução da dívida pública, faltam respostas para os bancos públicos, sobre o modelo das parcerias público-privadas e sobre a condução da Petrobras. “Tudo isso é crucial para o desempenho econômico não apenas deste ano, mas também dos seguintes”, disse Pinheiro. Segundo Silvia, a estimativa não é boa. “Mantemos a previsão de crescimento de 0,2%.” Vale lembrar que a situação de Lula foi, em parte, motivada pela herança de seu antecessor e há ainda o peso de uma economia global enfraquecida para dificultar a reversão dessa tendência ruim. “Tudo isso dificulta que um cenário mais otimista se concretize”, disse Silvia. O resultado, então, será uma inflação persistente, um mercado de trabalho que reage lentamente (mas não eleva a renda do brasileiro), crédito caro e dólar alto.

Para o economista-chefe da Órama Investimentos, Alexandre Espírito Santo, os argumentos para esse ambiente de inflação alta e de taxas de juros elevadas no Brasil são conhecidos: as incertezas sobre a política fiscal do governo em relação às contas públicas e uma possível interferência nas decisões do Banco Central independente. A inflação permanece acima da meta de 3,25% para este ano, o que exigiria juros altos por mais tempo. “Os juros só vão cair após a criação de um novo arcabouço fiscal”, afirmou.

A ONU reduz de 3% para 1,9% o avançodo PIB global em 2023. FMI fala em inflação média de 6,5% no mundo

Na prática, o mercado só aponta queda da remuneração dos títulos movidos a juros pós-fixados se a inflação ficar comportada ao longo do exercício e se houver algum tipo de controle dos gastos do governo, como uma nova âncora fiscal factível e realizável que substitua o teto de gastos adotado em 2016 no governo Michel Temer. Mas, por outro ângulo, para o investidor, os títulos públicos de juros pós-fixados (Tesouro Selic) ou os atrelados à inflação (NTN-Bs ou Tesouro IPCA) prometem ganhos reais exuberantes para os horizontes de curto e longo prazo, respectivamente. “A renda fixa está muito atrativa”, disse Espírito Santo.

PELO MUNDO A verdade é que a realidade brasileira está alinhada com o resto do mundo. Os juros estão altos, a atividade econômica baixa, a inflação assustando e a demanda receosa. Um cenário comum em situações de tamanha incerteza. A guerra da Ucrânia que está perto de completar um ano mantém alto o preço do petróleo. Os juros nos Estados Unidos (o Federal Reserve, Banco Central americano, estima entre 5% e 5,5% até o fim do ano) tira o sono de todo país que queira atrair capital estrangeiro.

A alta no preço dos alimentos já se tornou uma bandeira de alerta para bancos, corretoras, partidos políticos e entidades como a Organização das Nações Unidas (ONU), que derrubou de 3% para 1,9% a projeção de crescimento mundial em 2023. Em seu relatório de perspectivas econômicas o cenário global é intimidador. Haverá pressão por redução de custos dos governos, ao mesmo tempo em que a população precisará mais do que nunca de suporte público.

Para o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, os países, sejam eles desenvolvidos, emergentes ou subdesenvolvidos, não podem pensar agora em austeridade fiscal bruta, exacerbada e que aprofunde a desigualdade. “São tempos sem precedentes, que demandam ações sem precedentes”. Segundo ele, “mais de 80 bancos centrais elevaram os juros para tentar conter a alta dos preços e ainda assim a previsão é de continuidade da pressão”.

A previsão do FMI é que a inflação média no mundo fique em 6,5%, taxa que pode subir bastante a depender do desenvolvimento do agronegócio e do abastecimento das cadeias globais por alimentos e minerais. Nesse cenário desafiador, o especialista líder de Investimentos e Alocação de Ativos do Itaú Unibanco, Martin Iglesias, lembra que os juros também estão atrativos na renda fixa internacional. Os juros básicos dos FED Funds, os títulos do tesouro norte-americano, estão pagando entre 4,25% e 4,5% ao ano. “Para o investidor de perfil mais agressivo, há uma rentabilidade interessante em dólar para diversificar uma parte do patrimônio”, afirmou.

Iglesias alerta para o risco de recessão global. “O mercado está esperando uma recessão nos EUA, boa parte disso está precificado nos ativos”, disse.O que gera opoprtunidades. As bolsas americanas caíram mais de 20% no ano passado por causa dessa expectativa. “A Bolsa brasileira, com todos os riscos, ficou muito barata em relação ao lucro. É uma oportunidade para o longo prazo”, afirmou.

Com tantos fatores para consolidar, vale pesar e amadurecer a decisão de onde investir. Além de ouvir conselho de alguém que ficou conhecido por ser campeão de xadrez e que fez fortuna como corretor na Bolsa de Manhattan, o escritor e economista Ralph Charell. “Aprenda a pensar e ponderar seus limites. Leia, reflita e tome sua decisão. Seja o jogador de xadrez, não a peça do jogo.”

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