Quatro Casamentos e um Funeral é daquelas comédias românticas que existiam pré-Netflix. Foi dirigida pelo inglês Mike Newell. Tem quase três décadas e envelheceu mais do que isso. O melhor do filme é mesmo o título. O resto é previsível. Bobo. Ganha um abraço virtual quem souber outro filme dirigido por Newell. O Brasil de hoje é uma farsa seme-lhante. E como o filme, o sítio que chamamos de país nasceu em 1994. Com o Plano Real. Não vale esquecer disso. Mas ao contrário do longa-metragem inglês, o real foi nossa maior revolução. Ou pelo menos a mais democrática delas. Todas as demais nasceram do jeito latino-americano de ser disruptivo: acabo-com-tudo-quando–quem-está-do-lado-de-cima-corre-riscos. O Plano Real, no opos-to, nasceu mudando de baixo para cima.

O que estará em jogo em 2022 não será apenas a escolha do novo presidente. Insisto: num país tão desigual (no acesso à justiça, acesso à mobilidade, à moradia, à educação, a alimentos…) votar é secundário. Um sorteio faria melhor. Mas vá lá. Seremos obrigados a votar. Como sempre. Para mim, três regras manteriam este País de pé. A) obrigar a família direta de todo ocupante de cargo eletivo ou no topo do funcionalismo a usar apenas recursos públicos de educação, mobilidade e saúde (exemplo: o filho de um qualquer do STF estudar o ensino fundamental numa escola do Estado ou só usar o SUS). B) voto não obrigatório e condicionado a ocupação de vagas (se metade da população votar, apenas metade dos cargos eletivos seria preenchida). C) Controlar a inflação.
A inflação é o mais nocivo imposto sobre pobres e multiplicador de desigualdades. Não é à toa que uma parte do Brasil está hoje muito feliz com os juros a caminho dos dois dígitos, tanto que os rentistas gargalham. Nunca souberam atuar na bolsa dos 100 mil pontos, por isso agradecem de joelhos aos juros atuais. Me dá um CDI acima de 100% aí é o lema. Liberalismo? Hahahahahaha…

Nesse contexto, Paulo Guedes jogou sua biografia no lixo de um jeito nojento. Em nome de se manter na cadeira, mudou de time. Era Barcelona, virou Real Madrid. Ou o contrário. Não importa. Ninguém sério, ou sem interesses safados, o respeita. Já seu apa-rente desafeto Roberto Campos Neto ficou melhor na foto. Tudo bem que ninguém também diz que ele falhou tanto — e falhou muito. O cara deveria entregar uma inflação de 3,75%, e em novembro estava entregando uma bomba de 10,74%. Na minha casa isso dava tapa. Teve a sorte de competir com colegas idiotas, o que o fez parecer genial.

O fato é que o Brasil se entregou para gente que falava demais e fez nada.

Na economia, na saúde, na questão ambiental, na diplomacia. O Parabéns a Você desse mundo macabro fará sete anos no come-ço de março — quando os vazamentos da NSA alimentaram o to-gado de Maringá (tema que fica para outro momento). Ou fará quatro anos no comecinho de abril, quando o fardado maior da vez, o gaúcho Eduardo Dias da Costa Villas Bôas, deu a tuitada que calou o STF. Ali o Brasil escolheu Bolsonaro. Essa milicaiada vai deixar o poder de boas? A cúpula dos jetons de reuniões nos Conselhos das estatais vai abrir mão do dindim? Largar tranquilamente os cargos que fazem os salários saltar para seis dígitos?

Por essas é que, ao contrário dos petistas e lulistas, não consi-dero esse jogo jogado. Muita água vai rolar nestes dez meses, e contaminar a economia. Bolsonaro vai aprontar tudo o que puder pois, como ele mesmo disse, só sairá dessa “vitorioso, preso ou morto”. Fará barulho até que Arthur Lira costure uma blindagem pós-mandato, ou invente um cargo de senador vitalício para tirá-lo de encrencas judiciais — que o Aras não fará andar agora — depois de janeiro de 2023. O Brasil de sempre sendo o Brasil de sempre.

Nesse enredo tosco é que navegaremos por dez meses. O mer-cado precificando de forma condescendente cada estupidez da equipe econômica, e de Jair Bolsonaro, o dinheiro grosso à espera de um Lula calmo, os militares da cúpula cuidando dos seus, como sempre… Nosso filme não se trata de quatro casamentos, muito menos de um funeral — só de Covid são mais de 620 mil funerais. Nosso filme está mais para o burlesco de E La Nave Va, deFellini. Na cena final, ao desnudar o “filme por trás do filme”, aparece um homem sozinho num bote. Ele olha para a câmera e diz: “Você sabia que rinoceronte dá um ótimo leite?” Essa pergunta faz tanto sen-tido quanto esperar deste governo um final digno. Viveremos dez meses no fio da navalha. Em nome de um futuro de Brasil.

Edson Rossi é redator-chefe da DINHEIRO.