Solidariedade, dever, indignação, patriotismo, sofrimento, força, esperança, convicção: a DW entrevistou duas moças e dois rapazes cujas vidas tomaram caminhos inesperados desde que a Rússia invadiu seu país.A invasão da Ucrânia pelas tropas russas transformou radicalmente as vidas de muitos jovens, redefinindo destinos, cancelando planos, destruindo sonhos. A DW conversou com quatro ucranianos que têm atravessado processos dramáticos desde o início de 2022. Aqui, suas histórias.

“Vai ser uma longa guerra de desgaste”

Marharyta, 25 anos, natural de Kharkiv, alistou-se na Força de Defesa Territorial de Kiev.

“Na vida civil, eu trabalhava como gerente de relações públicas e autora. Também era ativista pela preservação dos sítios históricos de Kiev. Minha vida consistia de esporte, estudar espanhol, encontrar amigos e o meu amor pelas viagens.

Então, de repente, tudo se foi. A Rússia invadir a Ucrânia de novo, em 24 de fevereiro, foi decisivo para mim. A minha família estava em Kharkiv, eu estava só em Kiev, fugir não era opção. Por isso entrei para a Força de Defesa Territorial.

Agora minha realidade consiste em adormecer e despertar ao som das sirenes, e aprender novas aptidões. Como tinha completado um curso de primeiros socorros, pude entrar para a Força e oferecer assistência médica. Minha função é providenciar remédios e ajudar com os pacientes. No momento, estou treinando para poder tratar dos feridos.

Mais de um mês se passou, e há pouca esperança de que a guerra vá acabar tão cedo. Estamos nos preparando para uma longa, monótona guerra de desgaste. Recentemente eu passei de carro por Kiev, e parecia que a vida estava recomeçando. Vi uma família com uma criança na calçada, eles estavam rindo como antes. Se pudermos conter os russos em torno de Kiev, então em breve a vida na capital vai poder voltar ao normal.”

“Acho que vai terminar numa espécie de vitória”

Sofia, 17 anos, nasceu em Kiev e estuda psicologia na Universidade Católica Ucraniana de Lviv.

“Eu sempre soube mais sobre a guerra do que os meus amigos, porque meu irmão lutou no leste do país. Em 24 de fevereiro, meus amigos e eu queríamos ir comprar plantas para a casa. Mas o dia começou com o bombardeio de Kiev, onde vivem os meus pais e a minha irmã mais nova.

Liguei imediatamente e, em vez da minha mãe, o meu pai atendeu. Ele disse que tudo estava bem. Mesmo assim, no dia seguinte eles saíram de Kiev e foram de carro para Kaniv. Eles dizem que lá as coisas estavam mais calmas. Não tenho tido nenhum contato com o meu irmão há um bom tempo. Ele não atende o telefone, e eu não tenho a menor ideia de onde ele está.

Eu logo percebi como podia contribuir para os esforços de guerra. Lá em novembro, eu tinha coordenado um grupo do nosso dormitório que tece redes de camuflagem para o exército. Mas aí achei que agora devíamos trabalhar 24 horas, direto, não só algumas horas, duas vezes por semana. Só que vi como estava difícil para mim estar parada num lugar só, por nove horas.

Por isso, decidi ir para a fronteira com a Polônia, para ajudar a fazer sanduíches e chá para os refugiados. Lá a gente dá as informações fundamentais e diz aonde eles devem ir. Nesse meio tempo, o fluxo de refugiados diminuiu um pouco. Mesmo assim, emocionalmente é tudo muito difícil, porque as pessoas estão assustadas, preocupadas, cansadas e desesperadas. Por outro lado, o reconhecimento delas dá muita força.

Eu estou absolutamente convencida de que isso tudo vai acabar numa espécie de vitória, que terá um efeito positivo, especialmente em relação à 'conduta cívica' dos ucranianos.”

“Entregaremos corpo e alma pela nossa liberdade”

Russlan, 25 anos, integra o exército ucraniano e participou de combates em torno de Kiev.

“A guerra começou em 2014, mas foi em 24 de fevereiro de 2022 que ela tomou conta da minha vida. Eu fui convocado e imediatamente me apresentei. Me enviaram diretamente para uma brigada de combate. Nos primeiros dias, nós nos dedicamos ao reconhecimento do inimigo.

Depois que o inimigo tinha reunido artilharia pesada, ele simplesmente começou a destruir assentamentos pacíficos, esmagando tudo o que encontrava no caminho. Ninguém está sendo poupado, nem crianças, nem idosos. Civis inocentes estão sendo mortos. Absolutamente tudo está sendo alvejado e bombardeado com lança-mísseis, artilharia e caças-bombardeiros. É simplesmente um inferno.

Mas nós estamos no nosso próprio país. Vamos sobreviver, mesmo com muitas vítimas inocentes. O inimigo pensou que podia dividir a Ucrânia com a guerra dele, mas o contrário aconteceu, é uma fusão que nos torna um só. Mesmo civis estão atacando o inimigo, incendiando equipamento militar. A população está mostrando ao inimigo que ele não é bem-vindo.

O mundo todo está vendo que a Ucrânia não é um país que simplesmente se entrega. Nosso hino nacional diz isso de uma maneira muito bonita: “Alma e corpo entregaremos por nossa liberdade”: São palavras poderosas, que todo ucraniano compreende. E essas palavras são realmente verdadeiras.”

“A guerra é uma coisa pavorosa”

Denys, 27 anos, é voluntário e foi ferido num combate próximo de Hostomel.

“Quando os bombardeios começaram, em 24 de fevereiro, ficou claro que eu tinha que fazer alguma coisa, de algum jeito, para defender o país. Entrei em contato com os meus amigos da Força de Defesa Territorial para me unir a eles. Fui designado para um batalhão de voluntários.

Nós partimos em direção a Hostomel, a noroeste de Kiev, para a nossa mobilização. Nossa unidade chegou em 1º de março, mas tivemos que partir em 4 de março. O Aeroporto de Hostomel tnha sido bombardeado na véspera, e o inimigo estava executando bombardeios em massa, com tudo o que tinha: artilharia, tanques, aviões.

Foi mobilizado como motorista de ônibus, para evacuar os moradores da área. Levei um grupo em segurança e voltei para pegar outro. Uma granada veio voando na nossa direção quando eu estava esperando, e fui ferido. Agora estou sendo tratado e me recuperando. Os médicos dizem que em algum momento vou andar de novo.

A guerra é uma coisa horrorosa. Ela sempre traz miséria, morte, lágrimas e medo. Acho que as guerras não têm sentido. No fim, toda guerra acaba com negociações e um acordo de paz. Mas agora tem gente morrendo, até crianças, e isso é algo que jamais vai poder ser reparado.”