Dia 29 de setembro de 2006. Na sede da Gol Transportes Aéreos, no bairro da Vila Olímpia, em São Paulo, o relógio marcava 18h30. O dono da empresa, Constantino de Oliveira Jr, participava de mais uma reunião de rotina com sua diretoria quando recebeu um sinal de alerta: o vôo 1907 que saiu de Manaus naquela tarde não havia pousado em Brasília no horário previsto, às 18h12. Imediatamente, Constantino e toda a equipe subiram até o 13º andar do edifício, onde fica a sala de crise da empresa. Todos ali sabiam que a aeronave só tinha combustível para ficar no ar até as 20h30. Constantino ficou na sala de crise até às 4h30 da madrugada de sábado. Foi para casa e duas horas depois retornava ao local. Às 14h recebeu o comunicado mais temido: o Comando da Aeronáutica ligou para avisar que havia localizado os destroços do avião, que havia se chocado com um jato Legacy. A causa do acidente pôde ser logo conhecida porque todas as sete pessoas que viajavam no Legacy, com capacidade para apenas 13 passageiros, se salvaram, após um pouso de emergênciaamericana ExcelAire, dona do Legacy que se chocou com o avião da companhia brasileira.

Monalisa Lins/AE

Constantino assumiu a gestão da crise, mas ainda não calculou os prejuízos

Num primeiro momento, e sempre quando ocorrem acidentes deste tipo, a companhia aérea é a primeira a ver sua imagem estilhaçada. “O avião é Gol, caiu e pronto”. Este é o sentimento da maioria dos brasileiros e de quem vê de fora a tragédia. Mas convém olhar mais atentamente para o vôo 1907. As investigações iniciais em cima do Legacy apontam para uma mudança de rota sem autorização e para o desligamento do transponder – a antena que transmite dados do avião e faz seu sistema anticolisão “conversar” com o de outras aeronaves. Na quinta-feira 5, Ralph Michielli, vice-presidente de manutenção da ExcelAire, classificou de absurdas as versões de que os pilotos Joseph Lepore e Jean Palladino não responderam às tentativas de contato do centro de controle aéreo porque estavam fora da cabine de comando ou que tenham desligado equipamentos de segurança para fazer manobras no ar. Michielli alega que a comunicação simplesmente não funcionou. E por esse motivo, o avião não reduziu a altitude, fator decisivo para o choque (já que os dois aviões etavam 37 mil pés em sentidos opostos). Segundo o vice-presidente da ExcelAire, os pilotos não se consideraram aptos a mudar, sem autorização, o nível do vôo. Se Michielli estiver correto, a Embraer, fabricante do Legacy, terá de quebrar o silêncio. A empresa não se manifestou até agora, a não ser para fazer uma teleconferência na Sexta-feira 6, às nove horas, em que iria discutir a entrega de aeronaves do terceiro trimestre de 2006. Sobre o acidente, nada. Procurada pela DINHEIRO, a Embraer não quis se manifestar. Mas terá de fazer isso em algum momento. Se for comprovada falha mecânica do Legacy. A fabricante brasileira pode ir preparando os cofres. “A Embraer poderá ser processada pela Gol, pela Boeing, pela Excel e pelas vítimas”, afirma o advogado de um grande escritório brasileiro especializado em direito empresarial. “Se não houver nenhum problema com o Legacy e as investigações apontarem para falha humana ou negligência dos pilotos então a Excel por ir se preparando para fechar as portas. Não agüentaria pagar milhões em indenizações”.

FAB

Legacy avião da Embraer resistiu ao choque com o Boeing 737-800

A questão que fica no ar, portanto, é se houve problema de comunicação devido a falhas técnicas ou por opção dos dois pilotos americanos que conduziam o Legacy. Seja como for, isso impediu o comando aéreo de fazer contato com o jato executivo da Embraer. A pergunta que se faz é por que o comando da Aeronáutica, responsável pelos sistema de navegação áerea, não avisou a aeronave da Gol da presença do Legacy? Parte do esclarecimento dessas dúvidas pode estar em uma das duas caixas pretas do avião da Gol que já está sendo avaliada no Canadá, onde fica a sede da Organização da Aviação Civil internacional (OACI). A outra ainda não foi encontrada. A caixa preta do Legacy está sob os cuidados da Agência Nacional de Aviação Civil, órgão que regula o setor no Brasil. É o conteúdo dessas caixas que vai apontar realmente o que houve no vôo 1907. Há a hipótese até de encontrar eventuais falhas no Boeing da Gol. Como o pequeno Legacy conseguiu ainda voar meia hora e aterrissar após o choque e o Boeing caiu? O Boeing não seria capaz de detectar a presença de outro avião? Se houve falha nesse sentido, os arranhões na imagem da fabricante de Seattle serão gigantescos. Como se vê, ha ainda muitas perguntas sem respostas. E dependendo do que vier da caixa preta, a Gol pode ser, a médio prazo, a menos atingida.

Mas enquanto isso a companhia tenta encontrar o jeito mais adequado de gerir a crise e amenizar o prejuízo a sua imagem e ao caixa da companhia. Afinal, não é fácil avaliar o quanto custa uma vida humana. De acordo com a legislação aérea, toda empresa do setor é obrigada a fazer um seguro de responsabilidade civil que custa em torno de US$ 1 milhão por ano. Além disso, segundo a Convenção de Varsóvia, a companhia aérea é obrigada a pagar uma indenização de R$ 25 mil por vítima, em caso de morte, independente da culpa pelo acidente. Se houver culpa grave ou dolo, não há limites para a indenização. Pessoas próximas a Constantino dizem que ele não calculou ainda os prejuízos financeiros. ?Ele só pensa em confortar os familiares das vítimas?, diz um funcionário da empresa. De fato a Gol disponibilizou locomoção, hospedagem, alimentação, médicos e psicólogos para que os parentes da vítimas pudessem acompanhar de perto os trabalhos de resgate dos corpos. Na quinta-feira, Constantino compareceu a um velório coletivo e a um culto ecumênico em Brasília. A TAM passou pelo mesmo desafio há 10 anos, quando um trágico acidente com um Fokker-100, que caiu segundos após a decolagem do aeroporto de Congonhas, em São Paulo, matou 99 pessoas. Também deu apoio aos familiares das vítimas, mas foi muito criticada quanto ao valor da indenização paga aos parentes. Em média, cada família recebeu cerca de R$ 150 mil. Uma década depois, porém, 10% dos casos ainda estão pendentes na Justiça. ?Nessa hora não dá para fazer economia de palito?, diz Ozires Silva, ex-presidente da Varig. ?A TAM não administrou muito bem essa parte, por isso ainda tem tanto processo nas costas?, acrescenta Silva.

O total do prejuízo financeiro da Gol com o acidente vai depender do resultado do laudo das investigações que estão em curso. Os analistas do mercado financeiro não estimam grandes perdas para a Gol. Por enquanto, eles estão acertando. As ações da Gol no primeiro dia de negócios após o acidente recuaram apenas 1,25% na Bolsa de Valores de São Paulo e grandes bancos continuam recomendando a compra de seus papéis. É uma perda pequena perto da que a TAM sofreu. Suas ações chegaram a cair 22% em um único dia logo após o acidente de 1996. Mas o melhor que pode acontecer à Gol mesmo é ser absolvida de qualquer culpa na tragédia do vôo 1907, assim continuará exibindo o título de empresa aérea campeã em manutenção de aeronaves. Em tempo: na sexta-feira 6 um avião da GOL derrapou na pista de Congonhas.

OS NÓS DE CADA UM

GOL
É, por enquanto, a maior prejudicada. Pode ser ?absolvida? da culpa se ficar realmente comprovado que não houve falha de manutenção no Boeing. De qualquer forma, terá de indenizar as vítimas e gastar alguns milhões para recuperar a imagem.

BOEING
Enviou executivos ao Brasil para acompanhar as investigações. Pode sofrer processos milionários se for constatada falha mecânica na sua aeronave. Mas também pode levar aos tribunais a ExcelAire e a Embraer, no caso de falha técnica.

EMBRAER
Está em silêncio. Mas as suspeitas de que possa ter havido problemas no ?transponder? a colocam no jogo. Se as suspeitas tornarem-se fato, a fabricante brasileira terá de responder judicialmente a todos os envolvidos.

EXCELAIRE
É, até agora, a grande vilã da história. Os pilotos da empresa teriam sido negligentes e seriam os grandes responsáveis pelo acidente. Só vai escapar de punições se for comprovada falha no equipamento recém-adquirido da Embraer.

AERONÁUTICA
O quinto elemento entrou na história com uma nova suspeita: a de que houve incompetência por parte do órgão responsável pelo sistema de navegação aérea. Nesse caso, a União terá que indenizar todos os envolvidos.