No período de campanha eleitoral, programas de governo costumam ser carregados de exageros. Para ganhar votos, os candidatos prometem realizar feitos sem saber ao certo se há tempo hábil em um mandato ou se haverá recursos para a formulação de políticas públicas. Na corrida presidencial de 2018, o que se esperaria dos pretendentes ao Palácio do Planalto era um cuidado maior para sinalizar a criação de medidas em qualquer área da administração, já que não há praticamente margem no orçamento federal. O País caminha para o quinto ano de déficit nas contas públicas, situação que não será revertida sem um profundo programa de reformas.

Se, por um lado, parece estar claro entre a maioria dos presidenciáveis que o planejamento de Estado nos próximos quatro anos passará necessariamente pela reconstrução do quadro fiscal, por outro, há sinalizações extremadas de que isso possa ser feito de forma mais rápida e simples do que o esperado. Ao menos quatro campanhas indicaram um prazo para conseguir reverter o rombo das contas públicas e zerar o déficit primário. Os candidatos prometem voltar ao azul em até dois anos (conheça os detalhes ao final da reportagem). Os demais presidenciáveis, como a Marina Silva (Rede), tratam do tema, mas não estipulam datas.

Nos cálculos mais conservadores dos analistas, porém, seriam necessários ao menos três anos para acabar com o rombo. Ou seja, seria considerada uma vitória o simples fato de o próximo presidente terminar o mandato com o orçamento equilibrado.
A inversão de sinais é simbólica porque indica o início de uma trajetória que pode amainar o avanço do endividamento e afastar as incertezas de um risco de calote. Para o governo, as promessas dos presidenciáveis também são improváveis. A equipe econômica estima que o superávit só será retomado em 2022. “Não vi até agora uma conta que mostre a redução do déficit em um ou dois anos”, afirmou à DINHEIRO o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia. “Acho positivo estarem falando que vão reduzir o déficit em um ou dois anos porque demonstra um compromisso com o problema central.”

Eduardo Guardia, Ministro da Fazenda, sobre as promessas de 2018: “Não vi até agora uma conta que mostra a redução do déficit em um ou dois anos” (Crédito:José Cruz/Agência Brasil)

Os especialistas estimam ser necessário um superávit de pouco mais de 2% do PIB para garantir um nível estável da dívida. Neste ano, a previsão é de um rombo de R$ 159 bilhões (-2,3% do PIB). Um estudo da Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Legislativo Federal, mostrou que o orçamento só voltaria ao terreno positivo em 2022 no cenário mais otimista, com um superávit de 0,6% do PIB. A estimativa está em linha com as previsões do Boletim Focus, do Banco Central, que reúne cerca de 100 casas de análise, e que aponta para um déficit até 2021, ao menos. sPara que a análise da IFI se concretize, porém, é preciso que o próximo mandatário aprove a reforma da Previdência, revisões no volume de desonerações atuais, uma mudança na regra do salário mínimo, sem aumento real, que o teto de gastos seja cumprido e que o País cresça a uma média superior a 3% no próximo mandato. No cenário mais conservador, com um PIB de pouco mais de 1% ao ano, seriam necessários mais dois anos para as contas voltarem ao azul, em 2024.

É preciso lembrar o tamanho do esforço político para conseguir aprovar medidas impopulares. O governo do presidente Michel Temer gastou quase dois anos tentando aprovar uma reforma da Previdência no Congresso, sem obter êxito. A revisão das aposentadorias é considerada a mãe de todo o ajuste fiscal. Mesmo em matérias menores, como a reversão da desoneração da folha de pagamentos foram necessários mais de seis meses para aprovação no Legislativo, que só saiu como contrapartida de novos gastos decorrentes da greve dos caminhoneiros. Pelo lado da receita, há prazos importantes que retardam a implementação das medidas. Se a opção for por elevar um imposto, sua aplicação só entra em vigor no ano seguinte. Para as contribuições e taxas, esse prazo cai para três meses. “Acho as propostas de zerar o déficit em um ou dois anos inexequível”, afirma o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves. “Me sentiria menos ofendido se eles propusessem com mais detalhes os temas. A agenda é genérica.”

A mãe das reformas: revisão das aposentadorias é a principal medida para reduzir o déficit. Planos de candidatos não revelam os detalhes (Crédito:Gabriel Cabral/Folhapress)

Ao propor o fim do déficit primário no primeiro ano de governo, Jair Bolsonaro (PSL) cita corte de despesas e o fim de renúncias fiscais, sem detalhar itens ou valores. Ele prevê uma redução no número de ministérios, um programa de privatizações e uma revisão nas regras da Previdência. A dificuldade, portanto, é saber quais seriam os impactos de cada medida. Para a redução de despesa, o maior problema é que o gasto do governo federal é muito rígido atualmente, com mais de 80% sendo consumido por folha de pagamentos, Previdência e outros gastos obrigatórios. Além disso, a tendência predominante é de aumento dos custos, com o avanço das aposentadorias e a pressão por reajustes. O presidente Temer desistiu de adiar o aumento para os servidores federais e autorizou a elevação de 16,38% no salário de juízes. As medidas elevam em cerca de R$ 8 bilhões as contas do orçamento de 2019.

O programa de governo do tucano Geraldo Alckmin também cita a redução de despesas e do número de ministérios, sem entrar em detalhes. O economista do candidato, Persio Arida, também já sinalizou que deve reverter parte das desonerações. A meta é zerar o déficit em dois anos. A mesma promessa é feita pela campanha de Ciro Gomes (PDT). O candidato estima uma redução de 15% nas isenções fiscais e inclui aumento de impostos, como em heranças e doações, além da tributação sobre dividendos. A campanha de Alvaro Dias (Podemos) é mais ousada. Além de prever o fim do déficit primário em 2019, estima a eliminação do rombo nominal (que inclui a conta de juros) em 2023. “Dá para zerar o déficit fiscal sem aumento de imposto? Dá, mas não em um ou dois anos”, afirma o economista-chefe do Banco ABC, Luiz Otávio de Souza Leal. “A despeito de ser um pouco voluntarioso demais propor isso e não indicar como, é super importante o fato de constar um ajuste fiscal no plano de governo. Fará a diferença na hora de resolver o problema.” Falta deixar mais claro o tamanho do esforço e adequá-lo a um cenário mais realista.