Poucas empresas de turismo apostaram tanto no Brasil, nos últimos anos, de olho na infraestrutura necessária para abrigar a Copa do Mundo e a Olimpíada, quanto o grupo francês AccorHotels, anteriormente conhecido como Accor. Ele é dono das bandeiras Sofitel, Pullman, Mercure, Novotel e Ibis. Apenas no Rio de Janeiro, que recebeu milhares de turistas e atletas olímpicos no ano passado, a empresa abriu 25 hotéis em quatro anos, elevando para 33 seus endereços na Cidade Maravilhosa. Passada a euforia que terminou numa grande crise econômica, é momento de o Brasil buscar uma demanda mais consistente. Os gastos com turismo no mundo devem superar US$ 5 trilhões, em 2017, um crescimento de 4% em relação ao ano passado.

Para aproveitar uma parte mais significativa dessa oportunidade de receber recursos, o País precisa trabalhar para que os seus aspectos mais atraentes sejam bem percebidos no exterior, e que não sejam ofuscados por problemas de segurança, defende Patrick Mendes, que assumiu o cargo de CEO para a América do Sul no ano passado. “A Olimpíada foi bem melhor do que o previsto, com um efeito de imagem muito positivo. Mas, logo depois, veio uma queda bastante importante, que nós todos temos de combater”, diz. A Accor tem meta de administrar 500 endereços na América do Sul até 2020. Na quinta-feira 2, ela anunciou a compra, por R$ 200 milhões, da carteira de 26 hotéis da Brazil Hospitality Group (BHG). Com isso, a Accor passa a contar com 278 empreendimentos no Brasil.

DINHEIRO – Como vai o mercado brasileiro de hotelaria? Já se percebe alguma recuperação no interesse do brasileiro em gastar com turismo?

PATRICK MENDES – A queda do mercado parou, o que já é bom. Desde novembro do ano passado, sentimos que deixamos o fundo do poço. E, em certas cidades, já existe uma retomada, ainda frágil, mas que já começou, principalmente em São Paulo, que é o mercado mais dinâmico do País. Na cidade, há um aumento da atividade com eventos, no segmento corporativo, desde o início do ano.

DINHEIRO – No segmento de lazer, a recuperação pode levar mais tempo?

MENDES – O ano passado não foi de todo ruim, em razão do impacto da subida do dólar em relação ao real, o que fez com que mais latino-americanos aproveitassem para utilizar os nossos hotéis no País para lazer. Por isso, vimos mais brasileiros, argentinos e latinos, em geral, viajando mais. Os brasileiros tiveram mais dificuldade em passar férias em Miami, Nova York e Paris. E os latino-americanos evitaram a Europa devido ao euro caro. Mas uma melhora do mercado, de fato, só sentimos em janeiro.

DINHEIRO – Para este ano, qual é a expectativa?

MENDES – Com o dólar valendo cerca de R$ 3, fica uma relação mais razoável. Acho que o câmbio terá impacto neutro neste ano. A única dúvida que ainda paira é em relação ao Rio de Janeiro, o nosso segundo maior mercado na América Latina, que permanece em baixa. Temos 45 hotéis em São Paulo e 33 no Rio de Janeiro. Então, quando o Rio está em dificuldade, sofremos um impacto importante. Olhamos com muita cautela a demanda na cidade e quais são as próximas ações de estímulo ao turismo.

DINHEIRO – Que tipo de ações podem ser feitas com a cidade sendo impactada pelas dificuldades financeiras do governo estadual?

MENDES – Ações de turismo e de promoções da cidade, principalmente. Não vai ser só a Accor que vai conseguir incentivar o turismo. Vamos precisar nos juntar, representantes das iniciativas privada e pública, para ajudar a melhorar a situação do Rio. Sobretudo, precisamos promover a cidade depois da Olimpíada. O evento foi bem melhor do que o previsto, com um efeito de imagem muito positivo. Mas, logo depois, veio uma queda bastante importante, que nós todos temos de combater. Precisamos retomar a comunicação ativa em todos os mercados importantes para expor a cidade ao mundo.

DINHEIRO – Houve um investimento importante no Rio por parte das empresas de hotelaria. Como garantir que ele traga retorno?

MENDES – Em quatro anos, passamos de oito para 33 hotéis na cidade. Abrimos 25 estabelecimentos, no período. Eram necessários mais hotéis, de mais qualidade. Agora, temos uma oferta hoteleira muito boa, uma infraestrutura incrível e o investimento em transporte público foi muito bem feito. Então, tem tudo para dar certo. Agora, falta comunicação, uma boa promoção, e garantir que a segurança esteja bem implementada.

DINHEIRO – O País ainda permite um grande potencial de crescimento, mesmo depois dos investimentos para a Copa e Olimpíada?

MENDES – Sim. Na Europa, há 13 quartos para cada 10 mil habitantes. Nos EUA, são 18. No Brasil, a média é de 2,1 quartos. A oferta é baixa, e ainda existe uma grande capacidade para atrairmos mais turismo ao País, que recebeu só 5,1 milhões de pessoas, em 2016, contra 75 milhões na França.

Exército patrulhando a Praia de Copacabana, durante greve da polícia
Exército patrulhando a Praia de Copacabana, durante greve da polícia (Crédito:Sergio Moraes)

DINHEIRO – A diminuição dos juros vai ajudar os negócios no setor?

MENDES – Ajuda em vários aspectos. Quanto mais caírem os juros, mais investimentos virão. Quando os juros estão na casa dos 14%, como era o caso até o ano passado, fica difícil justificar os investimentos. A escolha é rápida quando o investidor precisa decidir entre deixar o dinheiro no banco ou buscar um retorno no setor de hotéis, que fica na casa dos 13% ou 14%. Os ganhos são praticamente os mesmos, mas, deixando o dinheiro parado, os riscos são quase zero e, quando se faz um negócio, há sempre a chance de dar errado. O fato de os juros estarem baixando para menos de 10%, com a possibilidade de chegar a 8% em 2018, vai ajudar. Uma taxa baixa da Selic é um elemento fundamental, assim como a previsão de recuperação do PIB neste ano, para a retomada das atividades. Vários investidores vão recolocar dinheiro em todos os setores, o que traz mais negócios à hotelaria, com eventos e gastos em restaurantes.

DINHEIRO – Além da hospedagem para negócios, a Accor tem uma estratégia de crescer em lazer no Brasil?

MENDES – É uma estratégia global, não só brasileira. Para nós, que queremos ser um dos três maiores operadores de turismo e viagem do mundo (os dois maiores são os americanos Marriott e Hilton, e a terceira posição é disputada entre a Accor e a também americana Wyndham), é fundamental estarmos fortes em todas as verticais. Precisamos ter uma boa oferta para os mercados business, lifestyle e de lazer e resorts. Nas áreas de lifestyle e de luxo, começamos um movimento, um ano e meio atrás, comprando várias empresas. A maior foi a aquisição da Fairmont Raffles, dona de resorts em Cancún, Dubai e em Cingapura. Então, queremos nos expandir em resorts no Brasil e na América do Sul. Estamos avaliando opções de construção, conversões e parcerias, para aumentar a nossa oferta em lazer na região.

DINHEIRO – Mas, em lazer, vocês não enfrentam concorrência mais forte da “economia de compartilhamento”, como do site Airbnb?

MENDES – Não sei se é um concorrente. O Airbnb trouxe um novo segmento, um novo mercado, para o turismo. Há muitas pessoas que viajavam para visitar familiares e dormiam na casa da prima. Agora, essas pessoas alugam um apartamento. É barato e o turista pode escolher um local próximo da casa da prima. Criou-se um novo segmento. Nós fizemos vários estudos para entender qual é a zona de concorrência com esse tipo de estadia, e percebemos que é pequena. Existe uma competição que pode canibalizar um pouco o segmento hoteleiro, mas menos do que pensávamos. Por isso, queremos comunicar as diferenças o máximo possível.

DINHEIRO – Como lidar com essa tendência?

MENDES – Não é a mesma coisa uma estadia num hotel ou resort, ou ficar num apartamento do Airbnb. No hotel, você tem serviços de check-in, check-out, roupa trocada, oferta de alimentação e de bebidas. São vários elementos que tornam a experiência bem diferente. O Airbnb criou um novo segmento, e nos obrigou a ser mais inovadores e mais criativos na nossa oferta, para que as pessoas possam perceber a diferença e saibam as vantagens de optar por uma estadia tradicional. Por isso, investimos em design, lifestyle, alimentos e bebidas, para oferecermos mais benefícios do que era comum antes. A diferença precisa ser enorme entre um Airbnb a R$ 200 e um quarto de hotel a R$ 400.

O presidente do BC, Ilan Goldfajn (da esq. à dir.), o presidente, Michel Temer, e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles
O presidente do BC, Ilan Goldfajn (da esq. à dir.), o presidente, Michel Temer, e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles (Crédito:Evaristo Sa / AFP)

DINHEIRO – Então, o impacto maior da internet vem das agências online?

MENDES – Sim, o impacto é muito maior com a intermediação por meio de sites como o Booking, Decolar, Expedia e Hoteis.com. Todos esses operadores se colocaram no meio entre o hotel e o consumidor. Isso nos obrigou a investir em desenvolvimento e aquisições na área digital. Dedicamos, nos últimos três anos, quase US$ 250 milhões a plataformas digitais, no desenvolvimento de aplicativos e clube de fidelidade, em que oferecemos aos clientes a totalidade dos nossos inventários de hotéis, com descontos. O segundo movimento foi adicionar hotéis independentes em nosso sistema. Vamos numa cidade em que não temos oferta suficiente e verificamos a qualidade das opções que possam fazer parte da plataforma. Os hotéis precisam ter, pelo menos, quatro estrelas no TripAdvisor e se complementarem à nossa oferta. Assim, aproveitamos oportunidades que vão além da nossa rede. A diferença para as grandes plataformas online é que não quereremos 1 milhão de hotéis cadastrados. Apenas 10 mil é o suficiente.

DINHEIRO – E como vê o mercado de estadia de luxo no Brasil?

MENDES – Ele ainda está engatinhando. Dá para explorar muita coisa em cidades com mais de 1 milhão de habitantes ou até um pouco menores, que deveriam ter melhor oferta. Aqui no Brasil, mesmo as maiores cidades possuem poucas opções de hospedagem de luxo. Em Buenos Aires, por exemplo, existem diversos hotéis de altíssimo padrão. Em São Paulo, e mesmo no Rio de Janeiro, a oferta ainda é muito limitada.

DINHEIRO – O mercado de aluguéis de prédios corporativos sofreu bastante no Brasil, nos últimos tempos. Isso pode ser uma oportunidade para vocês, de converterem espaços de escritórios vazios em hotéis?

MENDES – Queremos sair do clássico, que é o hotel construído a partir do zero. Hoje, existe um novo mercado ligado ao luxo e a lifestyle que permite muito mais flexibilidade nos conceitos hoteleiros. Você pode projetar hotéis menores, quartos com tamanhos diferentes ou espaços em que os restaurantes são até mais importantes do que o hotel. Essa tendência mundial nos permite procurar por outro tipo de ativo. Por exemplo, galpões, ou um escritório vazio, em regiões como a Avenida Faria Lima, em São Paulo, que não conseguem ser alugados porque o mercado está completamente saturado. Então, estamos analisando conversões de edifícios existentes em hotéis de algumas das nossas marcas mais conhecidas e descoladas, que permitem mais flexibilidade no conceito.