A cantora Taylor Swift era uma das atrações internacionais com apresentações programadas para o Brasil no ano passado. A estrela norte-americana americana levaria a São Paulo a turnê Lover Fest, em julho de 2020. Mas a pandemia calou a artista e os shows foram adiados para 2021. Ela informou que não viria mais ao Brasil e os dois espetáculos previstos para o Allianz Parque foram definitivamente cancelados. Até aí, compreensível. A história desafina quando as pessoas que desembolsaram entre R$ 150 e R$ 850 por um ingresso viram o direito ao reembolso em dinheiro ser suprimido por uma lei (14.046/20) sancionada pelo governo federal para proteger o setor de eventos. “Deixar como única alternativa o reembolso integral do valor de ingresso agravaria ainda mais a situação de todo o setor de entretenimento ao vivo”, afirmou em sua conta do Twitter a Tickets For Fun, que agendou os shows.

A lei diz que “o prestador de serviços ou a sociedade empresária não serão obrigados a reembolsar os valores pagos pelo consumidor, desde que assegurem a remarcação dos serviços, das reservas e dos eventos adiados; ou a disponibilização de crédito para uso ou abatimento na compra de outros serviços, reservas e eventos disponíveis nas respectivas empresas”. No caso de um evento cancelado, as alternativas podem desabar. E o cliente que não quiser uma das atrações do Lollapalooza Brasil em vez de Taylor Swift pode morrer com o mico na mão. “É uma lei extremamente desproporcional. O Estado está fazendo uma escolha que deveria ser do consumidor”, afirmou à DINHEIRO o chefe de gabinete do Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon) em São Paulo, Guilherme Farid. O Código de Defesa do Consumidor considera prática abusiva o fornecedor não disponibilizar ao cliente a opção de receber de volta o dinheiro pago por produto e serviço adquirido. “Nessa lei, o consumidor só perdeu”, disse Farid.

Aviso de novas datas: o festival Lollapalooza, previsto para dezembro de 2020, foi reagendado para setembro deste ano. O site da produção informa que os ingressos continuam valendo. Já a cantora Taylor Swift não virá para o Brasil — e quem pagou para vê-la pode ficar com um mico na mão

PRESSÃO POLÍTICA A situação se complica quando o show formalmente não aparece como cancelado ou adiado. Essa é a situação de quem comprou, em fevereiro do ano passado, ingressos para o show do músico norte-americano Ben Harper, agendado para setembro. “Logo veio a pandemia, e a perspectiva desse show acontecer caiu para zero”, afirmou uma consumidora que prefere não se identificar. “Pedi reembolso do valor dos ingressos (R$ 800) e a empresa desde então ignora meus e-mails enviando respostas automáticas vagas e sem qualquer solução. Hoje me mandaram uma resposta automática em alemão! Que tal?”. Na prática, a lei 14.046 provocou esse vácuo. Farid, do Procon, diz o conteúdo da lei é “extremamente questionável”, mas deve ser cumprido, por estar em vigor para garantir a estabilidade das relações jurídicas. O órgão tem sugerido aos consumidores que busquem as redes sociais dos protagonistas dos shows ou dos eventos e que façam pressão na empresa organizadora para que restitua por “livre e espontânea pressão” o valor pago. “Essa é uma medida mais política do que jurídica.”

Para o advogado Roberto Soares, da Schuring Fernandes Advogados, a lei de eventos mostra-se prejudicial ao cliente por deixar nas mãos do fornecedor a decisão de restituir ou de cumprir as obrigações. “Essa norma inviabiliza que o consumidor se valha de processos administrativos, por meio de órgãos públicos de proteção ao consumidor, e também que busque o Judiciário para obter uma indenização por danos que ele tenha sofrido, morais ou extrapatrimoniais”, disse Soares. Ele destacou que, por mais que exista a intenção de proteger o setor de eventos, deveria haver um equilíbrio melhor dos interesses. “Ficou extremamente desfavorável para o consumidor”.

A Associação Brasileira dos Promotores de Eventos acredita que deixaram de ser realizados no ano passado cerca de 350 mil eventos em decorrência da pandemia. Com isso, o prejuízo do setor atingiu ao menos R$ 90 bilhões. Farid, do Procon, critica a diferença no tratamento ao consumidor estabelecida pela lei 14.046/20 em relação à que dispõe sobre setor aéreo brasileiro — também fortemente afetado pela Covid-19, com perdas superiores a R$ 20 bilhões em 2020. Pela lei 14.034/20 (das aéreas) o reembolso ao consumidor deve ocorrer em até 12 meses após o período de pandemia. “Houve mais razoabilidade neste caso, preservando a empresa e o direito do consumidor.” A simetria, no entanto, não é perfeita. O voo está mais para um evento adiado do que um show cancelado, cuja probabilidade de ocorrer no curto ou médio prazo desaparece. Mais uma situação que parece a nova sina brasileira: não ter vacina que solucione o problema.