O todo-poderoso e aparentemente infalível Jeff Bezos deu uma declaração surpreendente em uma reunião com seus colaboradores. “Um dia a Amazon irá à falência. Se você analisar grandes empresas, verá que o ciclo de vida é de 30 anos e não de 100 anos. Se começarmos a focar em nós mesmos ao invés de nos nossos clientes este será o início do fim. Temos que postergar isso o máximo possível”, alertou.

Vindo da boca de um empresário da estatura de Bezos são palavras que parecem insanas, especialmente sendo ele o CEO da segunda empresa a atingir o valor de US$ 1 trilhão e com um exército de acionistas apostando todas as suas fichas no seu futuro. Mas, sob a ótica da economia da inovação, o depoimento faz todo sentido.

Da noite para o dia, uma empresa que foi disruptiva e transformou todo um mercado pode ser deixada para trás por um novo negócio ainda mais inovador. Basta acompanhar os próximos capítulos da novela Uber, que, analistas dizem, se continuar queimando caixa no ritmo acelerado dos últimos anos poderá ter pouco tempo de sobrevida após a abertura de capital.

Uma das grandes, mas indispensável, inimigas da inovação mencionada por Bezos como uma ameaça é a regulamentação. O desafio reside no fato de que as leis não conseguem acompanhar a velocidade com que novas tecnologias e modelos de negócios surgem e transformam completamente um segmento, como aconteceu com o varejo, o transporte urbano e tantos outros setores, alguns ainda à espera do tsunami da inovação. É preciso um sistema legislativo muito ágil para definir as regras de um mercado inventado e reinventado com uma rapidez que torna o modelo anterior obsoleto num piscar de olhos.

O País que quiser liderar a gestação de empresas inovadoras precisará criar um ambiente de negócios favorável, o que inclui a elaboração de leis adequadas para, ao mesmo tempo, proteger os consumidores e não travar a evolução de negócios disruptivos.

O gráfico abaixo da Federação Japonesa de Negócios mostra como a economia da inovação está transformando a humanidade ao longo dos séculos. A História começou com a Sociedade da Caça, quando o homem garantia sua subsistência na natureza. Em seguida, com o desenvolvimento de ferramentas e técnicas de irrigação, nasceu a Sociedade Agrária, que foi substituída pela Sociedade Industrial com a invenção da locomotiva à vapor e o início da produção em massa. No final do século XX surgiu, com o avanço da informática, a Sociedade da Informação. E agora, com a chegada das novas tecnologias, como a robótica, a Inteligência Artificial, a Internet das Coisas, os carros autônomos, as cidades inteligentes e tantas outras que ainda serão criadas, estamos ingressando na Sociedade 5.0, a sociedade superinteligente.

Todas estas novas ferramentas tecnológicas irão promover mudanças radicais em toda sociedade; não apenas nas empresas. A inovação irá afetar (já está afetando) a própria dinâmica de nossas vidas, seja no trabalho, no relacionamento social, no comércio, no transporte, na educação, enfim, em tudo que está em nossa volta, o que exigirá a formulação de novas leis que atendam este novo mundo 5.0 e nos preparem para incorporar de forma benéfica as disrupções que impactarão ainda mais profundamente nossas rotinas. Todas as esferas – Governo, Sistema Judiciário, Indústria Digital e os Cidadãos – terão que atuar em sinergia para estarmos prontos para nova sociedade.

Além do aspecto legal, os investimentos em pesquisa e desenvolvimento são obviamente determinantes e já configuraram uma concentração de grandes potências, como mostra levantamento feito pela HowMuch.net a partir de dados de 2018 do Instituto UNESCO. Juntos, Estados Unidos (US$ 476,5 bilhões) e China (US$ 370,6 bilhões) respondem por 47% do total do capital aplicado. Se incluirmos Japão e Alemanha, a soma é de 62,5% em apenas quatro países.

O Brasil aparece na 9a posição com US$ 42,1 bilhões, isto é, menos de 10% do valor investido no mercado americano, um quadro com chances de ser revertido na medida em que mais empresas investirem em inovação utilizando-se das leis de incentivo vigentes no País – a Lei do Bem, a Lei de Informática e a Lei de Doação.

Mas, mesmo estando entre os 10 maiores em investimento em P&D, o Brasil precisa dar um salto especialmente em cultura organizacional para criar um ecossistema fértil à inovação. Apesar da nossa reconhecida paixão por tecnologia, de maneira geral ainda temos resistência a grandes revoluções na gestão dos negócios.

Nossos administradores são extremamente criativos e, como é notório, sabem como poucos lidar com economias voláteis e suscetíveis a sucessivas crises, mas, em sua maioria, ainda entendem que a concorrência virá de lugares previsíveis e não de uma garagem qualquer. Temos vários polos de excelência em tecnologia, como Recife, Campinas e Porto Alegre. Se as organizações brasileiras abrirem as portas à inovação, certamente poderão crescer de forma mais acelerada e exercer a liderança ao invés de seguir os líderes.

Neste ponto vale uma sugestão: como a inovação está cada vez mais rápida em uma ascendência vertical e as empresas, por conta disso, precisam estar preparadas para responder na mesma velocidade a chegada de novos modelos, os Conselhos de Administração deveriam considerar oferecer uma cadeira para profissionais com larga experiência na indústria digital e que tenham passagens como líderes em empresas disruptivas. Ao trazer uma visão de fora de executivos que respiraram a cultura da inovação, certamente terão muito a ganhar. Antes de mais nada, é preciso assumir que fazer a tal da Transformação Digital não é tarefa para amadores.

Uma pesquisa conduzida pela Harvard Business School com mais de 5 mil executivos de todo mundo indicou que, apesar de reconhecerem a importância de implementar inovação em seus negócios, ela não é vista como o principal desafio estratégico para grande maioria.

Apenas 30% dos consultados enxergam a inovação entre os três principais desafios das organizações para atingir seus objetivos estratégicos e somente 21% consideram que as tendências tecnológicas são o principal desafio estratégico. A inovação ocupa o quinto lugar no ranking das prioridades, ficando atrás de preocupações mais convencionais, entre eles atrair e reter talentos e o ambiente regulatório.

A inovação não deve estar restrita a uma área específica da empresa. Criar uma célula isolada que seja o único espaço onde se possa inovar é o primeiro e fatal erro. A cultura de inovação tem que permear toda a organização, apesar de que sua implementação pode ocorrer em paralelo, sem romper radicalmente o modelo tradicional instalado. Porém, é essencial que atinja e perpetue nos corações e mentes de todos.

Mas ao implementar uma cultura de inovação fique atento. A transformação não se restringe a adotar uma metodologia Agile de testar, errar, corrigir a qualquer custo ou em todas as áreas da empresa. Isso pode funcionar muito bem se sua empresa atua no mercado de software. Contudo a metodologia Agile nem sempre funciona em todos os contextos.

Cada negócio exige desenvolver uma cultura própria de inovação que não comprometa sua própria subsistência e um único mantra deve ser sempre entoado: o cliente em primeiro lugar. De nada adianta pensar em inovação se seu cliente não for sua prioridade, como bem pontuou Bezos.

O Boston Consulting Group divulgou recentemente o ranking das empresas mais inovadoras de 2019. Não foi nenhuma surpresa que as 10 primeiras (Alphabet/Google, Amazon, Apple, Microsoft, Samsung, Netflix, IBM, Facebook, Tesla e Adidas) possuem uma cultura organizacional que incentiva a inovação e a criatividade.

Já parou para pensar por que, salvo raríssimas exceções, como no caso do Nubank e outros, ainda não vemos empresas inovadoras de alto impacto global nascendo no Brasil?

Um dos principais entraves é uma legislação ludita ainda retrógrada que não contempla os novos tempos e acaba por travar a inovação, como no projeto de lei de 1994 apresentado pelo deputado Aldo Rebelo (PC do B), que atuou como ministro de Ciência e Tecnologia do segundo mandato do governo Dilma Rousseff, no qual propôs a proibição da adoção de qualquer inovação tecnológica poupadora de mão-de-obra nos órgãos públicos municipais, estaduais e federais. O tema consumiu tempo e recursos da Câmara por 11 anos e 1 mês, quando recebeu parecer contrário do relator da Comissão de Ciência e Tecnologia, o deputado Ariosto Holanda.

Por que inovar é o melhor Conselho?

Ouvir quem já vivenciou uma cultura de inovação, especialmente trazendo uma contribuição não contaminada pela cultura já arraigada na organização, é um grande e definitivo primeiro passo. Vença o medo e a resistência pelo novo. Ou será inevitável que fique velho e obsoleto. Que fique claro: Inovação não é tecnologia. Inovação é um sistema com metodologias e processos sustentados por uma CULTURA organizacional.

Muitas organizações estruturam seus modelos de inovação empacotados em seus modelos e processos operacionais, o que dificulta significativamente a execução da agenda de inovação. Um dos bons modelos é o proposto pelo Boston Consulting Group, organizado em um formato sistêmico que engloba uma agenda de inovação (curto, médio e longo prazo), a estrutura de P&D e as ferramentas, processos e talentos necessários.

O BCG reforça que a inovação deve estar incorporada na agenda estratégica das organizações como um sistema permanente. O ciclo de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos deve ser contínuo e, para isso, a empresa precisa contar com todas as ferramentas necessárias para alimentar este processo – recursos tecnológicos, recursos humanos, políticas de investimento e incentivo, permitindo assim estruturar um laboratório que dê sustentação à toda estratégia de inovação.

Empresas como Amazon e Netflix possuem cultura de inovação e não apenas “times de inovação”, como bem escreveu David Nichols, consultor da Ernst & Young. A cultura é algo muito mais profundo e requer um trabalho de longo prazo em empresas já estabelecidas, pois é necessário reformatar a cultura existente e sistematizar a inovação.

A formação profissional é outro grande entrave à inovação. Afinal, como criar inovações usando tecnologias avançadas e modernas como Blockchain se o sistema educacional não consegue formar pessoas com este conhecimento? Por este motivo, as empresas com culturas de inovação mais aprimoradas, como Apple, Google e Netflix, já admitem que não é necessária a formação acadêmica para determinadas funções.

Em artigo, o consultor Micah Solomon enumera 4 atitudes para favorecer o nascimento e fortalecimento de uma cultura de inovação. Anote aí:

1) Encoraje a inovação em áreas que não são óbvias, seja no desenvolvimento de produtos, na criação de novos processos ou modelos de negócios;
2) Estimule a pesquisa por inovação acidental, mantendo o radar sempre ligado para aprendizados que venham de experiências malsucedidas;
3) Motive uma atitude de insatisfação, permitindo que sempre exteriorizem quais são as lacunas que enxergam na companhia para fazer diferente;
4) Construa uma cultura de não punir, ou seja, de incentivar que testem e errem sem que sejam julgados por seus tropeços.

Com certeza Bezos não quer assistir a morte da Amazon e justamente por isso chama a atenção do seu time para o risco sempre iminente de que uma nova startup, ainda mais disruptiva, faça seu negócio virar coisa de museu. Portanto, escute Bezos e anote bem a dica de Richard Branson, outro inovador nativo: “a inovação acontece quando as pessoas ganham a liberdade de fazer perguntas e têm recursos e poder para encontrar as respostas”.

É isto ou aceitar baixar as portas depois de ser atropelado por um novato que você nem mesmo teve tempo para ver de onde veio. E, vamos combinar, ninguém nunca está realmente pronto para falir, não é mesmo?

(*) Omarson Costa atua como Conselheiro de Administração, com formação em Análise de Sistemas e Marketing, tem MBA e especialização em Direito em Telecomunicações. Em sua carreira, registra passagens em empresas de telecom, meios de pagamento e Internet

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