Primeiro brasileiro no comando da empresa italiana que recruta uma pessoa a cada 2,5 minutos revela como está o mercado de trabalho e para quais áreas aponta a geração de empregos.

Ao assumir a matriz brasileira da Gi Group, no início da pandemia, Carlos Martins enfrentou não apenas o desafio natural do posto, mas um agravante estrutural: o desemprego recorde no Brasil. Ainda assim, sua decisão foi manter a estratégia de expansão no País. A expectativa para este ano é de avançar 25% no faturamento e no número de contratações. Em 2020, foram 55 mil. O mercado brasileiro ocupa o quarto lugar nas operações da companhia, que aposta na crescente demanda por profissionais de tecnologia e logística.

DINHEIRO — No início da pandemia o governo brasileiro adotou a estratégia de ‘salvar a economia’ para ‘salvar vidas’. Hoje o Brasil tem quase 500 mil mortos e 14,8 milhões de desempregados. O que foi feito de errado?
Carlos Martins — Que pergunta complexa. Tinha algum país que sabia lidar com essa situação? Há quantos anos não passávamos por uma situação dessa? O que eu acredito é que os países precisam trocar mais experiências, mapear e entender quem está evoluindo rápido, quem está fazendo um bom trabalho e por quê. Acredito plenamente na troca de conhecimento entre os países. Uma troca de situações práticas, porque teoria nós temos diversas. Países da Europa e da Ásia entraram antes em alguns estágios da pandemia, então o Brasil tem essa possibilidade de aprendizado e isso é que nos ajudará a passar mais rápido por esse período.

Essa troca já não poderia ter sido feita? O governo está realmente aberto a ela?
Não consigo responder. O que posso dizer é que, quando penso no mercado de trabalho, por estar próximo das associações, sindicatos e federações, eu sei que essa troca é realizada. Existe essa busca por entender o que está sendo feito e o que funciona.

E com relação ao desejo declarado pelo governo de ‘salvar a economia’? Na sua opinião isso foi cumprido?
Você vai ter todos os tipos de opiniões. Nossa preocupação é sempre olhar qual é o balanço entre curto prazo e longo prazo. O grande dilema do dia a dia do governo é realizar esse equilíbrio. Não pode focar só no curto prazo senão terá um problema muito grande daqui três anos, mas focar somente lá na frente pode gerar um distanciamento muito grande do que se busca hoje. É essa tentativa que o governo está fazendo. Pelo menos é essa a leitura que eu faço.

Além do desemprego, o trabalho informal e as contratações temporárias cresceram muito. Qual o impacto no mercado de trabalho?
Ao mesmo tempo em que o governo criou a Medida Provisória 936, com foco em ajudar as empresas e os trabalhadores, as empresas não conseguiram fazer muitos investimentos e tiveram de buscar alternativas para um período de imprevisibilidade e incerteza com relação ao futuro. Não ficaria viável fazer contratações por tempo indeterminado. Uma alternativa encontrada foi o trabalho temporário. O trabalhador temporário foi essencial nessa conjuntura que nós passamos ao longo do último ano.

“Devemos perguntar o que foi acontecendo, onde perdemos essa confiança, onde deixamos de ser um País interessante para essa empresa?” (Crédito:Eduardo Knapp)

E o cenário se mantém?
Neste ano esse perfil de contratação continua crescente. As empresas iniciaram por uma necessidade, assim como o trabalho remoto, e agora estão usufruindo mais dessa nova alternativa de contratação de profissionais. Quando comparamos o Brasil com outros países da Europa, a taxa de penetração do trabalhador temporário é baixa. Por isso, existe uma tendência de ampliação desse mercado.

A MP 936 foi efetiva na manutenção de empregos?
Sem dúvida ela trouxe vários incentivos que apoiaram as empresas e os trabalhadores. Redução de jornada, antecipação de férias e mudança de banco de horas foram medidas importantíssimas para a manutenção de postos de trabalho. Para nós, sim, foi crucial. A empresa recebeu alguns benefícios, os profissionais, outros. Funcionou bem.

Como reverter a curva de desemprego?
Da nossa população de 213 milhões de habitantes, 100 milhões são economicamente ativos. Desses, 14 milhões estão desempregados e 6 milhões já desistiram de procurar emprego. Os dados do IBGE mostram que devemos estar atentos e procurar formas de gerar mais oportunidades. Sem dúvida todas as empresas têm que buscar a geração de mais empregos. É papel da Gi Group mapear cada vez mais quem são os profissionais desempregados, quais são as qualificações e tentar conectá-los aos postos de trabalho mais adequados. Muito da nossa missão é fazer essa conexão e assim gerar um mercado de trabalho mais sustentável, porque conseguimos entender o que a empresa está demandando e levar isso para o mercado.

Identificar os perfis, essa é a solução?
E conectá-los. Essa é a grande dificuldade. Eu estou procurando emprego, mas não sei onde encontrar. Antigamente captávamos por filiais e agências de rua. Hoje o mercado virtual ajuda muito, principalmente as mídias sociais.

O impacto da tecnologia será decisivo?
Sem dúvida. É muito mais fácil para as pessoas se conectarem. Não é porque estou na cidade de São Paulo que preciso procurar oportunidades apenas nela. No passado nós tivemos uma migração muito forte em busca de oportunidades e hoje a tecnologia possibilita que a pessoa que quiser retornar para sua cidade, para o seu estado, o faça. A conectividade ajuda e dá uma visão maior de oportunidades. Por outro lado, existem estudos no mercado mencionando que, no Brasil, 70% dos empregos ainda não têm tanta tecnologia envolvida, então ainda temos uma força de trabalho operacional muito forte. Nesses casos, o conhecimento ou o uso da tecnologia não é o crítico, o essencial para a contratação. Mas sabemos que isso está aumentando.

A tecnologia também exige uma demanda especializada e um acesso mais específico, o que pode ampliar a desigualdade.
Quando falamos em minimizar a desigualdade falamos em diferentes aspectos. O primeiro é o educacional. Vemos muitas escolas mudando a dinâmica do dia a dia, mudando as disciplinas. Já existe uma transformação grande para atender essas novas necessidades. Quando pensamos nas empresas, o que se fala muito é a requalificação. As grandes empresas têm uma preocupação muito grande em qualificar seus profissionais para atender a novas demandas, e não simplesmente trocar de profissional. Eu não vejo isso como oportunidade, mas como obrigação. Nós, como empresa, devemos investir nisso. O sistema educacional tem que investir nisso. E o governo também tem que investir nisso. É um papel de todos.

Qual o impacto de empresas tradicionais, com larga história no Brasil, encerrarem as atividades no País, como fizeram Ford e LG?
Sempre que uma empresa se instala em uma região, ela não gera só empregos, mas uma comunidade. São casas, famílias, sonhos. Quando uma empresa toma a decisão de deixar nosso País, aquela comunidade é impactada, vai sofrer muito. Isso é o que acontece no curto prazo. Outra questão é o tempo de decisão. O que foi acontecendo ao longo do tempo, onde perdemos essa confiança, onde deixamos de ser um País interessante para essa empresa? É uma análise mais complexa, que vai de potencial de mercado, passa por aspectos legais, tributários e incentivos até a qualificação dos profissionais. Mas também temos que olhar como uma oportunidade no longo prazo.

De que maneira?
Quando a empresa decide sair do País tem que ser pensado em uma forma de substituição. Como fazer para usar todo o potencial da região para desenvolver uma nova atividade, trazer uma nova empresa.

“Existem demandas reprimidas que a vacina deve ajudar a reduzir, como o varejo. Muitas lojas ampliaram presença no digital, mas as pessoas querem sair” (Crédito:Adeleke Anthony Fote)

Quais setores devem se destacar e até atrair novas empresas?
Vou enumerar alguns. A tendência, segundo dados deste ano e conversas sobre investimentos que nossos clientes querem realizar, deve ser a continuidade do crescimento da indústria de alimentos e bebidas. Também o setor de saúde e grande foco de investimentos no setor de serviços, de logística. Existem algumas demandas reprimidas, como no varejo, que devem ser reduzidas com a vacinação acontecendo. Muitas lojas ampliaram a presença no digital, mas as pessoas querem ir para a rua. Outro setor será a indústria automotiva, que deve apresentar melhora quando as pessoas voltarem a circular. E no Brasil não podemos descartar o agronegócio que, com a tecnologia, está construindo grandes coisas.

Como o senhor avalia o cenário econômico com o avanço da vacinação?
Quando você conversa com pessoas que estão em países com menos restrições, em que existe maior convívio social, as pessoas voltam a interagir mais, a consumir de forma diferente. Eu observo que a vida começa a ter outro panorama.

Com menos incerteza?
Viveremos, no próximo ano, uma dinâmica de incerteza, mas positiva. Não com relação à economia, mas na forma em que vamos nos socializar, em como vamos retomar a percepção de valor de algo que é importante para mim. Vejo uma nova dinâmica acontecendo, novas oportunidades surgindo, mudanças das nossas necessidades e as empresas tendo que gerar novas soluções.

Seu otimismo permanece em meio à lentidão da vacinação no Brasil?
Lógico que, devido à demografia, o porcentual que está sendo vacinado é menor porque houve a decisão de imunizar com base na idade e em comorbidades. De acordo com os cronogramas que tenho visto, a ideia é que a gente chegue na grande maioria ao fim deste ano. Isso acontecendo, teremos um novo momento. Não acontecendo, vejo que as empresas e as pessoas estão aprendendo a viver ou a se adaptar, e passaremos por esse momento. Meu otimismo permanece porque os projetos do segundo semestre seguem tomando forma.