Em 2019, ano em que o salário mínimo deve romper a barreira dos R$ 1.000, o Brasil enfrentará um complexo debate sobre a fórmula que ajudou o piso da remuneração do trabalho no País a acumular um ganho real de 166% em pouco mais de 20 anos. O modelo vigente foi adotado em 2008, virou lei em 2011 e vence no próximo ano. Os reajustes aplicados de 1995 até hoje figuraram como um dos mais relevantes instrumentos de redução da desigualdade no período. Porém, devem perder força diante de um quadro atual de fragilidade da economia e de um patamar mais elevado do mínimo. Os economistas sugerem que a política atual está próxima do limite e gerará distorções futuras se não for revisada. A mudança depende da vontade política do próximo presidente, o que coloca o tema como um item do debate eleitoral.

A fórmula atual considera o crescimento do PIB de dois anos antes e a inflação dos 12 meses anteriores. Por esse cálculo, a alta estimada em 2019 é de 5%, para R$ 1.002, ou dez vezes o valor nominal alcançado em meados de 1995. O problema daqui para frente é que, depois de seguidos aumentos acima do avanço da produtividade do trabalho, a metodologia esbarra na limitação das contas públicas. Cerca de 30% das despesas federais estão ligadas ao salário mínimo, desde o piso do INSS, que abrange pouco mais de 20 milhões de aposentados, até o seguro-desemprego e os benefícios assistenciais. Os efeitos no mercado de trabalho também são observados numa ótica mais ampla.

O risco é de que a continuação do ritmo atual aumente demais o custo do trabalho e seja revertido aos preços, um fator de pressão inflacionária e de perda de competitividade dos produtos nacionais em relação ao mundo. De forma simplificada, seria como se a política de reajuste do salário mínimo estivesse valorizando a renda de quem está empregado numa ponta ao mesmo tempo em que gera desemprego na outra. Os avanços no passado foram possíveis graças à condição mais favorável das contas públicas e à defasagem de reajustes da década de 1980. “Tinha espaço fiscal e uma necessidade do mercado de trabalho de combater a pobreza e elevar a remuneração dos mais pobres”, diz Manoel Pires, da FGV/Ibre e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. “O contexto mudou. O salário mínimo é mais valorizado e tem a questão fiscal, que impõe uma restrição.”

Resistência: mudança na fórmula do reajuste do salário mínimo é considerada um tema de desgaste nas campanhas eleitorais (Crédito:Fabio Rodrigues-Pozzebom/Abr)

Pires, que vem pesquisando o tema nos últimos anos, sugere alternativas para garantir a continuidade dos ganhos reais e reduzir os efeitos sobre os cofres públicos. A sugestão é adotar uma fórmula que considere o PIB per capita, uma medida mais próxima da produtividade do trabalho, e um cálculo pela média de quatro anos, para reduzir a volatilidade dos números. Se adotado pelo próximo presidente, o modelo geraria uma economia de R$ 103 bilhões entre 2020 e 2023, em relação ao impacto da fórmula atual nas contas do governo (leia quadro ao final da reportagem). Pelas suas contas, cada 1% de reajuste do salário mínimo gera um impacto de quase R$ 4 bilhões nos cofres públicos.

A economista do Instituto de Pesquisa Economica Aplicada (Ipea), Maria Andreia Parente Lameiras, sugere ainda incluir no cálculo a expectativa de inflação do ano vigente, para reduzir o efeito indexador atual, que considera somente o índice de preços do ano anterior. “A valorização do mínimo foi muito importante, mas deveria ter sido acompanhada de outras reformas”, afirma Lameiras. “Essa parte que não foi feita agora coloca em risco a que foi feita.” Em estudo recente, o Fundo Monetário Internacional (FMI) sugeriu que, sem a revisão da fórmula, há risco de aumento da informalidade e de desemprego entre os jovens. Segundo o FMI, o piso mínimo nacional representa 70% do salário mediano, enquanto nos membros do Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) gira em torno de 50%.

Toda lógica econômica esconde o desafio de explicar à sociedade a necessidade de mudanças em algo tão essencial. Defender as revisões não significa dizer que o valor de hoje é suficiente para as despesas de um trabalhador. Cálculos do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócioeconômicos (Dieese) com base nos preços da cesta básica sugerem que o valor ideal do salário mínimo seria de R$ 3.706,44, quase quatro vezes o número oficial. A diferença entre esses dois valores chegava a dez vezes em 1995 e vem caindo ano a ano. Na avaliação dos economistas, a melhor forma de alcançar patamares mais elevados de salários de forma sustentada é através do avanço da produtividade e da geração de riqueza. Um discurso duro de sustentar em debates eleitorais.