Conhecido por salvar a Nissan da falência e por liderar, desde 1999, a aliança da montadora com a Renault, Carlos Ghosn desperta opiniões bem diferentes entre japoneses e franceses. Esse bastidor, até então desconhecido do mercado, começou a ser exposto no dia 19 de novembro, quando o brasileiro foi detido em Tóquio. A prisão aconteceu após investigações internas da fabricante de carros asiática. Elas trouxeram à tona supostas práticas ilícitas do executivo, entre elas, a sonegação de 8 bilhões de ienes (cerca de R$ 270 milhões). As reações de cada uma das partes nos dez dias seguintes à prisão sinalizaram que nem tudo são flores na parceria. A Renault solicitou mais informações sobre o caso e, até segunda ordem, mantém o executivo como presidente de seu Conselho de Administração. Em contrapartida, a Nissan e a também japonesa Mitsubishi, que passou a integrar a aliança em 2016, decidiram afastá-lo, por unanimidade, do comando dos seus respectivos colegiados.

Uma mensagem enviada por Hiroto Saikawa, CEO da Nissan, aos funcionários da montadora, deixou claro o seu descontentamento com o papel de Ghosn na operação, apesar dos bons resultados obtidos. Juntas, em 2017, as três empresas venderam mais de 10,6 milhões de veículos, desbancando a alemã Volkswagen e alcançando o posto de maior grupo mundial do setor. Saikawa criticou a extrema centralização do poder nas mãos do brasileiro, que chegou à Nissan depois de se destacar, ainda na década de 1990, na montadora francesa. O executivo japonês ressaltou ainda que os termos da parceria precisam ser revistos, já que nos moldes atuais, a Nissan teria menos peso na definição dos rumos.

Segundo um executivo próximo à Nissan ouvido pela DINHEIRO, Ghosn é visto como um francês pelos japoneses, e não como um brasileiro. E há discordâncias quanto às estratégias implementadas sob o seu comando. Entre elas, a decisão de investir na popularização das marcas da montadora, com carros mais simples e baratos, na contramão do que é feito por outras companhias do país, caso de Honda e Toyota. “Eles acham que para vencer a concorrência com as montadoras chinesas, a saída é melhorar a qualidade dos carros, mesmo que para isso seja necessário cobrar mais caro”, afirma. Outro ponto questionado é a política agressiva de cortes de custos implementada por Ghosn. Meses antes, ele promoveu demissões nas fábricas da empresa no Japão e no México. “Todos dentro da Renault admitem que houve deslizes do Ghosn”, diz a fonte. “Mas a forma como o caso foi investigado e apresentado à opinião pública expõe o interesse dos japoneses em acabar com a sua carreira.”