Os desenhos e as frases motivadoras nas paredes da corretora de ações Necton remetem a uma fintech. Porém, apesar do ambiente sem divisórias e com aspecto de startup, a companhia surgiu a partir de nomes tradicionais de um negócio antigo. A Necton é resultado da fusão de duas corretoras de valores paulistanas, Spinelli e Concórdia, que estão entre as mais antigas na Bolsa. A companhia, que nasce com R$ 10 bilhões sob custódia, pretende oferece curadoria de investimentos aos 34 mil clientes e prestar serviços tecnologia e de análise de ações para outras empresas do setor. “Todos os acionistas originais foram para o conselho e tivemos carta branca para implementar uma nova a cultura de na companhia”, diz Marcos Maluf, executivo egresso do Bradesco e escolhido pelos sócios Nelson Spinelli e Luiz Fernando Furlan para presidir a empresa.

A fusão será oficializada na terça-feira 22 na B3. No entanto, a sinergia começou a ser costurada há cerca de um ano e meio. O que motivou o processo foi a dificuldade que as corretoras independentes enfrentarem com o aumento da concorrência das plataformas de investimento. A Spinelli, há 66 anos no mercado e especializada no atendimento à pessoa física, vem amargando prejuízos desde 2015. No ano passado as perdas foram de R$ 4 milhões. Já a Concórdia, que pertence à família que fundou a Sadia, tem 33 anos de atuação, com foco em investidores institucionais, e apresenta resultados negativos há três anos. Em 2018, as perdas foram de R$ 3 milhões. “São duas casas tradicionais, que buscam fazer frente às novas tecnologias para acompanhar as mudanças no mercado”, avalia Fernando Schneider, líder na área de fusões e aquisições do escritório Abe Advogados.

Para financiar a criação da Necton, os sócios das duas corretoras realizaram um aumento de capital de R$ 8 milhões em cada uma das empresas. A injeção de recursos permitiu criar uma plataforma digital aberta apta a incorporar produtos de fintechs, como robôs capazes de sugerir investimentos de acordo com o perfil do poupador e que auxiliam também na negociação de papéis. A perspectiva dos executivos é disponibilizar o serviço aos clientes ainda no primeiro semestre. “Isso só será possível com a base de estratégias produzidas pelo nosso departamento de pesquisa”, diz Rafael Giovani, diretor operacional da Necton. O departamento recebeu o reforço de seis profissionais e agora conta com uma equipe de oito pessoas, que priorizam nos relatórios e comunicados que produzem a tradução dos termos financeiros para uma linguagem acessível. “Os clientes sabem exatamente o que querem, só têm dificuldade de explicar com o vocabulário do mercado”, afirma Maluf.

EXPANSÃO Uma das frentes de crescimento do negócio, que hoje tem 70% da receita atrelada a taxas de corretagem de ações, é promover a diversificação na oferta de produtos, com o aumento da distribuição de fundos e títulos de renda fixa como Letra de Crédito Imobiliário (LCI) e Agrícola (LCA), além de títulos de dívida de empresas. “Queremos diminuir gradativamente a dependência da corretagem. Temos pouco mais de 800 mil investidores cadastrados na Bolsa, e milhões de brasileiros com poupança”, afirma Maluf. Diante do aumento do cardápio, a principal estratégia da Necton é lapidar a curadoria de investimentos, com os robôs conselheiros e mesas de atendimento para agregar 60 mil clientes até 2021.

Uma das apostas para este ano é estimular a compra de debêntures. “Os investidores estão se acostumando com esse produto. Como ainda há certa desconfiança em relação à saúde financeira das empresas, temos uma equipe dedicada à análise dos títulos”. Com a diminuição da concessão de crédito pelos bancos de fomento, as companhias seguem aumentando a busca por recursos no mercado, o que eleva o número de ofertas de títulos e gera mais opções para os investidores. No ano passado, a Anbima, entidade que controla o setor, contabilizou mais de 300 operações de debêntures, que somaram R$ 140 bilhões, um recorde histórico.

Outra frente de expansão é a oferta de serviços de tecnologia e análise para outras empresas, uma vez que a Necton tem licença da B3 para prestar serviços para as corretoras. “Isso pode ser relevante na nossa receita”, diz Maluf, que prevê também aquisições de empresas menores no curto prazo, com objetivo de aumentar a base de clientes e turbinar a estratégia. Ele acredita que essas frentes podem se traduzir em um resultado positivo já em 2019, quando R$ 5 milhões serão investidos no negócio. A geração de lucro, no entanto, não é uma prioridade imediata. “O resultado positivo será uma consequência desse processo”, diz Maluf, que visitará a China nos próximos meses em busca de mais ideias para o negócio. Na avaliação de Schneider, o cliente tende a buscar sempre o melhor serviço no setor financeiro. “Há muito espaço para as corretoras crescerem”, diz.