Em 1999, a indústria fonográfica mundial faturava US$ 35 bilhões. Desde então, o setor entrou num lento declínio por conta do aumento de pirataria de músicas por programas como o Napster, que permitiam o download gratuito de canções. O paradoxo é que a tecnologia digital, que parecia arruinar o segmento, foi quem, ironicamente, começou a salvá-lo. Em 2016, as músicas digitais representaram 50% da receita global do setor, que atingiu US$ 15,7 bilhões, segundo dados da Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI, da sigla em inglês). A grande estrela dessa área é a companhia sueca Spotify, que vai abrir o capital em 3 de abril na Bolsa de Nova York (Nyse), com a expectativa de captar US$ 1 bilhão.

Por todos os ângulos que se analise, a Spotify tem números superlativos. Em todo o mundo, são 159 milhões de usuários, sendo que 71 milhões pagam uma assinatura mensal – no Brasil, ela custa R$ 16,90. Já o Apple Music, da Apple, conta 36 milhões de assinantes pagos. O aplicativo francês Deezer, que corre por fora, fica com 8 milhões de assinaturas. O faturamento da empresa sueca passou de € 2,95 bilhões, em 2016, para € 4,1 bilhões, no ano passado. Mas, mesmo assim, desde que foi fundada pelos empreendedores Daniel Ek e Martin Lorentzon, em 2008, o Spotify nunca deu lucro. Pior: o seu balanço está ficando cada vez mais vermelho. As perdas atingiram € 1,24 bilhão em 2017, mais do que o dobro dos € 539 milhões do ano anterior, segundo o prospecto de abertura de capital, apresentado à SEC, órgão regulador do mercado de capitais americano. “Vocês não verão a gente tocando sinos ou fazendo festas para comemorar o lançamento das ações”, disse Ek, quando anunciou o IPO da empresa, em um evento em fevereiro.

Sobe o som: a Apple, de Tim Cook, é um rival de peso para o Spotify. Seu serviço de música está associado ao iPhone (Crédito:Divulgação)

O desafio do Spotify, que tem uma avaliação privada de US$ 23,4 bilhões, será provar aos investidores que manterá suas taxas de expansão, conseguirá enfrentar os ataques da todo-poderosa Apple, comandada por Tim Cook, e atingirá o lucro ao longo do tempo. Pintar de vermelho os números de relatórios financeiros, porém, não é algo incomum no mercado da tecnologia. Com 12 anos de vida, o Twitter só obteve seu primeiro balanço positivo no fim de 2017, quando registrou lucro de US$ 91 milhões e receita de US$ 732 milhões. A Amazon é outro exemplo. A varejista online só colocou dinheiro em seus cofres em 2001, sete anos após ser fundada em Seattle, nos EUA, e quatro anos após estrear na bolsa americana Nasdaq, quando foi avaliada em US$ 438 milhões. A espera valeu a pena. Atualmente a companhia de Jeff Bezos tem valor de mercado de US$ 724,73 bilhões, menor apenas que o da Apple, estimado em US$ 854,15 bilhões.

O modelo de negócios do Spotify é bem mais simples que o da Amazon. Sua renda é obtida de duas maneiras: por publicidade ou por assinaturas – esta última representa 92% do faturamento da companhia sueca. Não bastasse isso, o serviço de streaming repassa aproximadamente 80% de seu faturamento para as gravadoras em forma de pagamento de direitos autorais. Desde que foi criada, a empresa já desembolsou € 8 bilhões em taxas de direitos autorais das 35 milhões de músicas presentes na plataforma.

Pior: os selos musicais reclamam que é pouco. Por cada canção, estima-se que o Spotify pague pífios US$ 0,00397. Por esse motivo, alguns artistas preferem ficar de fora do catálogo, como a cantora americana Tailor Swift, uma das mais populares da atualidade. “Não há como um serviço de streaming musical existir sem o catálogo de uma grande gravadora”, diz Zach Fuller, analista da consultoria britânica Mídia Research, focada em conteúdo digital. “Se eles assinassem artistas por conta própria, em um modelo semelhante ao da Netflix, se arriscariam a irritar essas empresas e perderiam todo o catálogo de parceiros.”

De acordo com o prospecto enviado para a SEC, a expectativa para 2018 é de que o número de assinantes do serviço cresça até 36%, chegando a 96 milhões. A receita também deve saltar e fechar o ano entre € 4,9 bilhões e € 5,3 bilhões. “Os investidores podem apostar na companhia porque têm acesso a documentos que discutem o modelo de negócios e os riscos”, diz Lise Buyer, sócia da Class V Group, consultoria do Vale do Silício que presta assessoria em IPOs. “A grande questão é se o Spotify vai conseguir convencê-los de que pode realmente caminhar em direção ao lucro.” Seria uma música suave para o ouvido dos investidores.