“Apenas” 100 bilhões de dólares. Os subsídios prometidos pelos países ricos (os maiores poluidores) aos mais pobres (os que mais sofrem com a mudança climática) nunca se concretizaram. Uma questão de “confiança” que pode arruinar a COP26, prevista para começar dentro de três semanas.

– Contexto

Durante a Conferência do Clima de Copenhague em 2009, os países ricos se comprometeram a fornecer auxílios anuais no valor de 100 bilhões de dólares aos do Sul, para combater a mudança climática, ajudar na transição ecológica e na redução de emissões. Dez anos depois, essa quantia está longe da prometida: US$ 79,6 bilhões em 2019 (últimos dados disponíveis), segundo os números publicados em setembro pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Os Estados Unidos anunciaram que dobrariam sua contribuição, um gesto insuficiente, porém, para reduzir a diferença. Canadá e Alemanha estão realizando consultas para propor um plano de financiamento antes da abertura da COP26, em Glasgow.

Os países mais desenvolvidos são historicamente os principais emissores de gases de efeito estufa. Na Assembleia Geral da ONU, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, anfitrião da COP26, lembrou que seu país, pioneiro de uma revolução industrial à base de combustíveis fósseis, foi “o primeiro a enviar suficiente fumaça ácida à atmosfera para alterar a ordem natural”.

Por conta disso, entende que, “quando os países em desenvolvimento nos pedem ajuda, temos que assumir nossas responsabilidades”.

– Desafios para a COP26

O maior desafio é recuperar a confiança no processo da diplomacia climática.

A falta de financiamento “custa vidas e formas de existência”, destaca o presidente do grupo de Países Menos Avançados na COP de Glasgow, Sonam P. Wangdi.

“Este compromisso ser mantido dez anos depois é crucial para a confiança e para acelerar a resposta global à mudança climática”, acrescentou.

O sucesso da COP passaria por elaborar “um pacote que apresente um equilíbrio justo” que possa ser aceito por todas as partes, explicou à AFP a responsável pelo clima das Nações Unidas, Patricia Espinosa, durante a “pré-COP” de Milão, no início de outubro.

“Ter uma boa perspectiva (sobre essa quantia de dólares) estabeleceria a confiança e nos permitiria avançar em outros temas”, acrescentou.

“Podemos esperar uma sensação de emergência e, talvez, uma posição mais firme dos países” do Sul, considera Alden Meyer, do “think tank” E3G. Ele afirma que um “pacote de solidariedade confiável” seria “um fator-chave” para avançar nas negociações.

A mesma análise foi feita por Andreas Sieber, do Climate Action Network, que reúne mais de 1.500 ONGs pelo clima.

“Se a COP26 deseja começar bem”, deve “provar que os países desenvolvidos vão respeitar e até mesmo ultrapassar suas promessas”, afirmou.

– ‘Apenas’ US$ 100 bilhões?

Vários atores e especialistas estimam que a quantia de US$ 100 bilhões é insuficiente e ficou obsoleta, já que os efeitos do aquecimento global se aceleraram, provocando fenômenos catastróficos como secas, incêndios florestais gigantescos, furacões, inundações, entre outros.

Caso seja comparado com os trilhões de dólares destinados a relançar a economia após a pandemia de covid-19, esta quantia parece minúscula. Além disso, esses programas de recuperação econômica também são criticados por sua falta de ambição ecológica.

“Cabe refletir se, depois de uma pandemia para a qual houve uma reação tão gigantesca e rápida, o mundo pode ter a mesma vontade e decisão contra a crise climática”, criticou em dezembro de 2020 um grupo de especialistas independentes da ONU.

Para eles, não há dúvida de que “os 100 bilhões devem ser a base, não o topo”.

O ex-presidente das Ilhas Maldivas Mohamed Nasheed, “embaixador da ambição” do Climate Vulnerable Forum (CVF), que representa 48 países, propõe vincular a questão do financiamento à dívida soberana.

“Vivemos sob a pressão de que, talvez, não tenhamos mais um país. E, se não estivermos mais aqui, será difícil pagar nossas dívidas. Então, é razoável que os países vulneráveis peçam aos seus credores que reestruturem sua dívida (…), trocando os pagamentos por projetos de resiliência climática”, explicou, durante uma reunião informativa.

– Símbolo e (in)justiça

Os US$ 100 bilhões ilustram um debate mais amplo sobre a “justiça climática”, que coincide, em alguns pontos, com os problemas de desigualdade e a globalização.

Também há outras controvérsias, como a questão dos “danos e prejuízos” e as eventuais responsabilidades financeiras, assim como a distribuição das emissões no futuro. Países como China e Índia (atualmente grandes emissores), por exemplo, alegam ter um atraso em seu desenvolvimento que precisam recuperar. Sem contar com o movimento dos jovens, que criticam a inação das gerações no poder.

A jovem ativista ugandesa Vanessa Nakate, de 24 anos, resume os desafios: “As populações que têm menos culpa no aumento das emissões já estão enfrentando, agora mesmo, o pior da crise climática”.