Em outubro de 2017, a seleção masculina de futebol dos Estados Unidos, então na 28ª posição no ranking da Fifa, perdeu por 2 a 1 para o time de Trinidad Tobago, 98ª colocação. A derrota, combinada com os outros resultados da chave classificatória, eliminou a seleção norte-americana do Mundial da Rússia, a primeira Copa não disputada desde 1986.

A eliminação do Mundial foi a síntese do mau momento vivido pelo soccer nos Estados Unidos. Depois de anos de crescimento, o esporte estava no seu pior momento em uma década.

O projeto 26 x 26 visa reverter este quadro. Liderada pela organização beneficente global Lionsraw e pela Corporação de Apoio às Iniciativas Locais sem fins lucrativos de Nova York, o 26 x 26 soma US$ 30 milhões (R$ 111 milhões) em investimentos nas bases do esporte. O fundo prevê a criação de 26 campos de futebol até 2026, quando os EUA, ao lado do México e Canadá, hospedarão o Mundial da Fifa. O 26 x 26 pretende atingir mais de um milhão de crianças até lá.

“Queremos usar o futebol e o engajamento da comunidade para criar esperança de mudança por meio de educação formal, informal e atividades saudáveis ​​- qualquer coisa que possa trazer autoconfiança e habilidades sociais para um indivíduo que lhes dê uma oportunidade de mudar”, disse Jon Burns, CEO da Lionsraw, à Fast Company . “É por isso que todos nós existimos, é o que fazemos.

Ainda não há muitos detalhes sobre o lançamento, mas o diretor do programa 26 × 26, Ben Astin, diz que todos os 26 locais serão definidos até 2022. Os ponto contarão com uma programação em anexo para ajudar a aumentar a popularidade do futebol. Os atuais planos da iniciativa, diz Astin, projetam 20 campos nos EUA e três no Canadá e no México.

“Queremos trazer uma programação sustentável ao longo de pelo menos 10 anos”, diz Astin. “Queremos trazer as organizações certas para essas comunidades, ou pelo menos nos envolvermos com um líder local já estabelecido que usará o campo da maneira correta. Isso é o que contribuirá, não apenas para a popularidade do esporte, mas também para o desenvolvimento do talento do futebol que está por aí.”

Segregação esportiva

A organização espera reverter o fato de que muitos jogadores jovens, especialmente aqueles de comunidades de baixa renda, estão sendo afastados do esporte. De acordo com um estudo do Sports & Fitness Industry Association (SFIA), publicado este ano, a maioria dos praticantes de futebol têm renda familiar superior a US$ 75 mil (R$ 278 mil).

“Os executivos do futebol simplesmente não se importam com o talento hispânico, o que é pior do que se fossem incompetentes”, escreveu o editor de futebol do SB Nation , Kim McCauley, em janeiro .

Esse é um sentimento ecoado por Brad Rothenberg, co-fundador da Alianza de Futbol, ​​uma organização que administra campos de futebol gratuitos e outros eventos destinados à juventude hispânica. Mas não são apenas os jogadores hispânicos que estão ficando para trás ou esquecidos.

“Embora o futebol tenha crescido nos EUA, tornando-se um elemento básico da vida suburbana, ele quase não causou agitação nas comunidades afro-americanas”, escreve o repórter do Washington Post , Les Carpenter, no The  Guardian. “Um dos jogos mais democráticos do mundo, jogado em ruas e becos ao redor do mundo, parece um ajuste natural para as cidades predominantemente negras dos Estados Unidos, onde o basquete prospera em quadras de playground. Em vez disso, é quase inexistente”, complementa.

De fato, de acordo com a SFIA, apenas 7,5% dos jovens jogadores de futebol são negros – uma taxa menor do que a do basquete (quase 25%), do futebol americano (quase 14%) ou do beisebol (pouco menos de 10%).

Privilégio para poucos

Hoje, o acesso ao espaço de campo é um privilégio, mesmo em cidades progressistas, como Seattle. A área metropolitana é um foco de soccer nos Estados Unidos, mas os campos são rapidamente “roubados por clubes ricos, quase todos brancos, que têm dinheiro e experiência para bancar o processo de locação da cidade”, escreve Les Carpenter, em outra história para o The Guardian.

Sem acesso local ao campo, as famílias, principalmente as das comunidades mais carentes de investimentos, são forçadas a passar horas dirigindo para um centro de treinamento de qualidade. O resultado, de acordo com o professor de sociologia de Villanova, Rick Eckstein, “é um sistema mais sintonizado para identificar os melhores pagadores do que os melhores jogadores.”

Aqueles que não podem pagar, abandonam o jogo: cerca de quatro em 10 jovens jogadores de futebol deixam o esporte aos 13 anos de idade. E agora há relatos de que promissores talentos dos EUA estão indo para o México em busca de oportunidades.

Ponta do iceberg

Mesmo com todo o planejamento, os responsáveis sabem que a fundação de 26 campos não vai mudar todo o sistema. É por isso que a iniciativa contará com um pedido de processo de propostas, basicamente uma competição para selecionar as melhores ideias.

Vale a pena notar que a Major League Soccer tem 20 equipes nos Estados Unidos e mais três em Vancouver, Toronto e Montreal. É fácil imaginar, digamos, que o DC United (que acaba de abrir uma nova arena de 20 mil lugares no Sudoeste de Washington) ou o Atlanta United FC se juntarem à causa e ajudar uma corporação de desenvolvimento local a obter um campo construído, mantê-lo e patrocinar a programação de forma contínua.

Essa seria uma saída bem-vinda do tradicional modelo de desenvolvimento esportivo nas cidades americanas, no qual centenas de milhões de dólares são gastos em novos estádios e centros de convenções em nome de “renascimento” urbano, projetos que geralmente deixam moradores de baixa renda e não-brancos para trás.

“O desafio nos EUA é garantir que todos os nossos talentos, em todas as nossas comunidades, tenham os tipos de investimentos necessários para se preparar para competir no mais alto nível”, diz Maurice Jones.