Falar sobre orientação sexual e identidade de gênero em um ambiente de trabalho pode parecer mais natural em 2021, mas essa ainda não é a regra em todas as empresas. Em uma pesquisa da consultoria Mais Diversidade, com o apoio institucional do Estadão, apenas 15% dos profissionais LGBTI+ disseram falar explicitamente sobre o tema com sua liderança. Embora 55% digam falar com “todas as pessoas” no trabalho sobre o tema, esse índice cai muito quando a figura específica do chefe entra em cena.

Diferentemente do que ocorria há alguns anos, os profissionais LGBT falam sobre o tema mais abertamente – apenas 20% deles não falam com ninguém no trabalho sobre o assunto. Os dados fazem parte da pesquisa “O Cenário Brasileiro LGBTI+”, que mostra que o ambiente do trabalho ajuda as pessoas a se abrirem. Enquanto 80% dos entrevistados conversam sobre o tema com alguém na empresa (líder, colegas ou amigos), 83% falam com a família.

Quando questionados sobre o que é mais importante para o profissional LGBT no trabalho, em primeiro lugar vem o ambiente inclusivo (74%); em segundo, referências LGBT em cargos executivos (54%); e oportunidades de desenvolvimento de carreira (45%). Para a comunidade transgênero, em segundo lugar aparece o desenvolvimento de carreira (58%) e, depois, as referências entre executivos (37%).

“Os dados confirmam questões que vemos na nossa prática profissional. É atribuída uma importância grande ao clima organizacional, à segurança psicológica, a um espaço em que eu possa ser quem eu sou, onde eu sinta que possa me levar por inteiro”, diz Ricardo Sales, consultor e sócio-fundador da Mais Diversidade.

A pesquisa também mostra que quem não fala sobre sua orientação sexual ou identidade de gênero com ninguém no trabalho costuma ter intenção maior de mudar de emprego. Entre os que pretendem mudar de emprego, 72% não falam abertamente sobre o assunto.

A pesquisa ouviu 2.168 profissionais do País de organizações de grande porte (56%), pequenas e médias empresas (26%), outros setores (15%) e desempregados (3%). Na pesquisa de formulário online, 73% dos participantes se declararam homossexuais (gays ou lésbicas), seguidos por bissexuais (16%), pansexuais (5%), heterossexuais (5%); 1% marcou a opção outros.

Ao todo, 5% da pesquisa foi respondida por pessoas transgênero – segundo relatório da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), as pessoas trans correspondem a 1,9% da população brasileira. Apesar de haver um apagão de dados em relação ao público LGBT – nenhuma pesquisa oficial, como o Censo, faz esse tipo de pergunta -, a estimativa é de que haja 18 milhões de brasileiros LGBT, segundo a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT).

Voz. Adriana Ferreira, de 50 anos, mulher cisgênero e lésbica que até a última semana ocupava o cargo de líder de diversidade da IBM na América Latina, diz que se sentiu confortável em falar sobre sua orientação sexual desde os primeiros dias na IBM. “Tenho certeza de que minha carreira alavancou porque eu não tinha de esconder quem era a minha esposa. Quando me casei, eu tive apoio irrestrito para a preparação do casamento, com as dificuldades que eu tive com a minha família. Imagina eu tendo que passar por tudo isso sem falar que eu ia me casar ou mentindo que eu ia me casar com um homem?”, lembra Adriana, que hoje atua na consultoria Mais Diversidade.

Já Argentino Oliveira, diretor de gente e gestão da Suzano, demorou sete anos para falar do tema no trabalho. “Para sair do armário, tive de, primeiro, ter a minha aceitação pessoal e da família. No meio disso tudo tinha o mundo corporativo. Em algum momento, sabia que isso ia precisar ser aberto, porque o fato de não abrir te faz despender uma energia muito grande.”

Para Danielle Torres, sócia-diretora de práticas profissionais na KPMG e mulher transgênero (que não se identifica com o gênero que lhe foi atribuído ao nascimento), de 38 anos, conseguir falar sobre a sua identidade de gênero foi um divisor de águas. “Por muitos anos eu criei uma identidade masculina porque me parecia, não só na organização, mas no social, que era a única possível. Era um tabu para mim. Até que, há sete anos, falei com a organização. Imaginava que era o fim da minha carreira, mas ficou mais fácil trabalhar. O ‘antes’ eu mal me lembro, porque era uma batalha, como se todo dia eu acordasse e me esforçasse de uma maneira inacreditável para conseguir sobreviver. Depois começou a vida.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.