“Precisamos acabar com o sistema de saúde ‘low cost'” na Espanha, exclama a Dra. Patricia Calvo, mais uma entre os muitos profissionais da saúde mobilizados durante a pandemia e que agora exigem o fim de sua precária situação de emprego.

“Terminei minha especialização em 2010 e continuo com contratos temporários”, protesta essa mulher de 40 anos que trabalha em Granada.

A maioria dos 14 médicos em seu centro de saúde tem contratos temporários, diz.

“No meu centro, houve um grande surto, com muitos falecidos. E no início, protegíamos-nos com equipamentos de proteção individual feitos de sacos de lixo”, recorda.

Segundo uma pesquisa realizada com 20.000 médicos em novembro, 36,3% dos que trabalham na saúde pública não têm um posto permanente, ressalta Vicente Matas, coordenador do estudo para a Organização Médica Colegiada da Espanha.

Em um dos países mais afetados pela doença, com mais de 28.400 mortos oficialmente, Patricia Calvo e seu marido, também médico, passaram meses sem beijar suas filhas.

Tinham medo de serem contaminados com coronavírus, assim como dezenas de milhares de profissionais da saúde. Segundo um estudo de soroprevalência, 10% dos profissionais da saúde contraíram o vírus no país, o dobro da população em geral.

“Se houver uma nova onda no outono (boreal), poderemos encontrar um problema muito sério de falta de pessoal”, avisa Pilar Grande, uma enfermeira de 48 anos de um hospital de Madri.

Ela explica que “a equipe está exausta, há muitas baixas, muita ansiedade, muitos sintomas depressivos”.

Desde maio, os protestos em favor de um sistema de “saúde público de qualidade” se multiplicaram.

Entre os participantes estava Elena Barci, auxiliar de enfermagem em Madri, que há 12 anos sobrevive com “contratos lixo”, ou seja, “contratos de cinco dias, de segunda a sexta-feira”, para não pagar o fim de semana e recontratá-la na segunda-feira.

Em março, a chamaram para reforçar a equipe de um hospital de Madri, uma experiência muito difícil: “As pessoas morriam e não tínhamos nem tempo para saber como se chamavam”.

Demitida no final de maio, foi novamente contratada no início de julho. Agora, sonha com um “contrato decente”.

Por sua vez, os residentes dos hospitais de Madri entraram em greve recentemente.

Após a crise econômica de uma década atrás, “não recuperaram seus salários de 2009 e há uma grande precariedade. Isso gera um descontentamento geral, ainda maior quando enfrentam o vírus sem proteção adequada”, explica o Dr. Vicente Matas, que viu muitos jovens colegas partirem para a França, Alemanha ou Finlândia.

– Fortes críticas em Madri –

O presidente do Executivo, Pedro Sánchez, prometeu 9 bilhões de euros para reforçar a saúde pública, que na Espanha é descentralizada.

“Não podemos sair [desta crise] com um sistema de saúde pública mais enfraquecido do que já tínhamos, como consequência das políticas de austeridade” aplicadas pelos governos regionais, conservadores e socialistas, após a crise financeira de 2008, disse o líder.

A especialista em economia da saúde Beatriz González López-Valcárcel confirma que “o total de gastos em saúde pública na Espanha atingiu seu máximo em 2009 e foi sendo reduzido a cada ano entre 2010 e 2013, totalizando cerca de 8,2 bilhões de euros”.

“A partir de 2014, começou a aumentar ano a ano”, acrescenta, e em 2018 atingiu “praticamente” o nível de 2009.

A contestação a esse modelo de precariedade é especialmente forte na região de Madri, onde a assistência médica se tornou para muitas empresas privadas um negócio.

Segundo outro especialista em economia da saúde, Guillem López Casasnovas, em Madri grandes empreiteiras depois de levantar os hospitais “ficaram com uma concessão de serviço por um longo período de tempo, 15 ou 20 anos”.

Na capital, a região mais afetada do país pelo coronavírus, o serviço público de saúde “foi reforçado com mais de 10.100 contratações adicionais, que continuarão até 31 de dezembro”, asseguraram as autoridades regionais de saúde à AFP.