Desde que passou a ser proibida a colocação no mercado de alguns produtos de plástico de utilização única, como canudos, muitas empresas começaram a vender ou a disponibilizar artigos semelhantes feitos de papel, apresentando-os como uma “alternativa ecológica”.

No entanto, a questão tem várias zonas cinzentas, e a substituição de copos, sacos e canudos de plástico por opções em papel não é sempre a mais benéfica para o ambiente.

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A professora da Universidade de Aveiro, em Portugal, Ana Barros, defende que “o papel não é necessariamente uma alternativa em várias situações” e destaca que, em alguns casos, “os próprios sacos plásticos podem se ambientalmente mais viáveis do que os sacos de papel”. E porquê? Porque “um saco de plástico que não é muito leve pode ser utilizado mais vezes até do que um saco de papel normal”.

A título de exemplo, a pesquisadora ressalta que “o saco de plástico permite transportar frutas ou legumes húmidos, o que não é viável no saco de papel”. Nesse sentido, diz Ana Barros, alguns estudos, como este feito no Canadá, mostraram que seria necessário um número muito elevado de sacos de papel para compensar o impacto ambiental provocado pelos sacos de plástico”.

Já no caso dos copos, a professora da Universidade de Aveiro destaca que “a utilização do papel é pior do que a do plástico”, uma vez que, por muitos deles conterem uma camada de plástico, a reciclagem “de alguns destes copos se torna muito mais difícil e ambientalmente mais complexa e agressiva do que a utilização de um copo de plástico”.

Quanto aos canudos de papel, Ana Barros admite que, apesar de a sua reutilização ser também “limitada”, estas podem ser uma alternativa “mais interessante”, porque “não têm a proteção de plástico que um copo precisa de ter, visto que a sua utilização é curta”.

No mesmo plano, afirma que “são vários os fatores que tornam um produto mais ecológico”, sendo um deles “a possibilidade de ser reciclado no final do seu ciclo de vida”. Por isso, ressalva, “os materiais devem obedecer a determinadas características para que possam ser recolhidos e triados através de um fluxo de gestão específico e posteriormente encaminhados para um reciclador que proceda à sua reciclagem”.

Nesse sentido, a Sociedade Ponto Verde vinca que é importante que o papel e o cartão que colocamos no contentor azul do ecoponto “não estejam sujos com líquidos ou restos de comida”, pois isso “pode comprometer o processo de reciclagem dessa embalagem e de outras, contaminadas por esta”.

Assim sendo, sublinha a entidade de gestão de resíduos de embalagem, “dentro dos materiais referidos – copos, sacos e palhinhas – um saco de papel tem maior probabilidade de obedecer às características necessárias para ser reciclado”. Em causa está o facto de não conter “outros materiais, como o plástico, na sua composição e não ser utilizado para conter líquidos ou estar em contacto directo com estes, ao contrário do que acontece com “os copos ou as palhinhas de papel”.

Sobre as vantagens e as desvantagens do plástico e do papel, a Sociedade Ponto Verde explica que “o papel é mais rapidamente decomposto e tem uma menor durabilidade”, embora a sua reciclagem possa ser “comprometida se estiver sujo, contaminado com líquidos ou for revestido”. Por outro lado, “o plástico leva mais tempo para decompor-se, resulta na maioria dos casos do processamento de recursos fósseis e tem maior durabilidade”, mas tem “a possibilidade de ser reciclado mesmo depois da sua utilização”.

Noutro plano, Susana Fonseca, da associação ambientalista Zero, lembra mais uma zona cinzenta desta questão: “Se nós quiséssemos substituir, no prazo de dois anos, todos os sacos de plástico por sacos de papel, isso teria um impacto brutal nas florestas, porque nós não temos matéria-prima suficiente para substituir todo o atual consumo excessivo de plástico pelo consumo de sacos de papel”.

Apesar das nuances apontadas, todas as fontes contactadas pelo Polígrafo concordam que mais do que substituir o plástico pelo papel, o mais importante é reutilizar os materiais o maior número de vezes possível e repensar a sua necessidade.

Na perspetiva de Susana Fonseca, “não podemos esperar ter o mesmo estilo de vida, usando outros materiais, e esperar que os indicadores ambientais se alterem de forma significativa”. Por isso, sublinha, há que “reduzir o consumo”. A representante da Zero acrescenta que “devíamos tentar perceber enquanto sociedade que há usos de materiais que são supérfluos”. Caso disso, sublinha, são as palhinhas que, na visão de Susana Fonseca – e também de Ana Barros -, devem ser usadas apenas em casos específicos, nomeadamente por pessoas com deficiência ou por quem delas necessite por outras razões médicas.

A representante da Zero lembra que já existem alternativas reutilizáveis às palhinhas de plástico e escovilhões próprios para as higienizar, permitindo um uso mais prolongado destes objetos. Por outro lado, a investigadora Ana Barros lembra que esta limpeza também tem um impacto ambiental e que, sempre que possível, o melhor é beber diretamente do copo.

Por fim, a Sociedade Ponto Verde aconselha a população a “recorrer à regra dos 3 R’s (Reduzir, Reutilizar e Reciclar), evitando “o consumo de embalagens cujo tempo de vida útil é muito reduzido”. Para mais, esta entidade recorda que “muitos pontos de consumo já se promovem políticas de copos reutilizáveis e existem já diversos estímulos para que utilizemos os nossos próprios sacos”.

Em suma, nem sempre o papel é a alternativa mais ecológica ao plástico, visto que, em alguns casos, a sua reutilização e reciclagem é limitada. A opção mais sustentável será reduzir o consumo de certos produtos e reutilizar os objetos o maior número de vezes possível.