A capacidade da Petrobrás na exploração no mar, somada à crise da petroleira, colocou em segundo plano a produção de petróleo em terra firme. Recentemente, a empresa oficializou seu objetivo de atuar em águas profundas e colocou à venda centenas de áreas de produção. O efeito, entretanto, já havia sido sentido: a produção de petróleo em terra do Brasil, o chamado onshore, caiu pela metade entre 2000 e 2019.

A exploração em terra é concentrada sobretudo no Nordeste, que abriga mais de 80% das reservas provadas do Brasil e 70% da produção. Dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP) mostram que a produção desse segmento caiu da média de 209,1 mil barris de petróleo por dia, no ano 2000, para 107,4 mil barris diários, em 2019 (média de 12 meses até maio). Na direção oposta, alavancada pelo pré-sal, a produção total brasileira mais do que dobrou no mesmo período, de 1,2 milhão de barris para 2,6 milhões de barris por dia.

“O Rio Grande do Norte chegou a produzir 60 mil barris por dia”, diz Gutemberg Dias, presidente da Redepetro RN, entidade com sede em Mossoró que reúne empresas da cadeia produtiva do petróleo no Estado. “Hoje, são 38 mil barris. Infelizmente, várias empresas fecharam as portas.”

Segundo a Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Petróleo e Gás (Abpip), se a estatal tivesse o mesmo ritmo de crescimento dos concorrentes privados nas bacias de Recôncavo, Sergipe/Alagoas, Potiguar e Espírito Santo, ela teria produzido 311,8 milhões de barris em terra a mais, em quase duas décadas.

Carência

Para a entidade, ter colocado a exploração em terra firme em segundo plano tirou R$ 11,8 bilhões em investimentos na região, o que poderia ter gerado até R$ 1,2 bilhão em royalties a municípios do interior nordestino. A estimativa indica que 386 mil postos de trabalho poderiam ter sido criados.

Segundo Anabal Santos Júnior, secretário executivo da Abpip, a posição praticamente monopolista da Petrobrás é a razão para a derrocada do petróleo em terra firme. Para ele, o Brasil tem um grande potencial a ser explorado, já que o País concentra uma das maiores áreas em bacias sedimentares do mundo.

A escolha da Petrobrás pelo mar, porém, pode ser explicada em números. Em média, um poço em terra produz 15 barris por dia no Brasil. No pré-sal, o volume diário alcança 40 mil. Ou seja: um único poço em águas profundas produz mais que toda a extração onshore da Bahia ou do Rio Grande do Norte.

Competição

A menor produtividade, porém, não inviabiliza a produção em solo firme – e a atividade se mostra particularmente atraente a empresas menores. Enquanto o petróleo é encontrado a poucas centenas de metros em terra, no mar os poços podem superar seis quilômetros de profundidade.

Mais barata, a extração onshore é um negócio que atrai pequenas e médias empresas. Seu potencial de gerar receita cresce com a escala. Enquanto o Brasil tem cerca de 23 mil poços perfurados em terra, nos Estados Unidos o número está na casa dos 2 milhões. Diante de medidas de incentivo ao setor, há poços viáveis e lucrativos com produção de apenas um barril por dia nos EUA, algo difícil no Brasil por causa da legislação, segundo especialistas.

A demanda para que campos terrestres da Petrobrás sejam oferecidos a operadores privados é uma briga antiga da Abpip.

Em 2016, a estatal divulgou a inclusão de bacias terrestres maduras dentro do seu programa de vendas. Três anos e diversas prorrogações depois, a meta ganhou velocidade apenas após setembro, quando a ANP selecionou 254 campos para que a Petrobrás decidisse se voltaria a investir ou se devolveria para serem vendidos à iniciativa privada. A Petrobrás decidiu ficar com 71 e vender 183.

Procurada, a Petrobrás apenas confirmou o processo de venda de 183 concessões e disse que “essa operação está alinhada à otimização do portfólio e à melhoria de alocação do capital da companhia, visando à geração de valor para os nossos acionistas”.

Onshore no País estava ‘hibernado’, diz secretário

Diante do declínio da produção de petróleo em terra no Brasil, o secretário de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Ministério das Minas e Energia, Márcio Félix, afirma que o onshore brasileiro estava “hibernado”.

“Agora temos a diminuição de royalties para incentivar campos maduros, possibilidade de as empresas usarem reservas como garantias e a oferta permanente.” Hoje, 600 áreas estão na oferta permanente, mas o potencial é chegar a 2 mil áreas.

Segundo Félix, com as mudanças, a produção em terra deve atingir 500 mil barris de petróleo por dia até 2030, mais de quatro vezes acima dos 111,4 mil barris de 2018.

Em agosto, o governo deve lançar o Programa de Revitalização das Atividades de Exploração e Produção de Petróleo e Gás Natural em Áreas Terrestres (Reate 2020), nova versão do divulgado em 2017.

Há dois anos, a promessa era de que a produção em terra triplicaria até 2030, para 500 mil barris por dia. Desde então, entretanto, os números mostraram tendência contrária.

José Fernando de Freitas, chefe da coordenadoria de Áreas Terrestres da Agência Nacional do Petróleo (ANP), reforça que ANP tem buscado modernizar regras e atrair novas empresas para o setor.

Cidade sofre com crise da atividade da petroleira

Era o fim da década de 1930 quando moradores perceberam que parte da mata do bairro Lobato, em Salvador, estava suja com um líquido preto e espesso. Foi a primeira descoberta de petróleo no Brasil. Nesse início da indústria petroleira nacional, a Bahia em lugar de destaque, dando origem à primeira refinaria brasileira.

Localizada a pouco mais 60 km da capital baiana, Catu é uma cidade que tem menção ao petróleo na bandeira e no brasão. Os tempos dourados, porém, ficaram para trás. “Os investimentos da Petrobrás diminuíram, empresas fecharam e, com menor produção, houve desemprego e um aumento muito grande por serviços públicos de educação e saúde”, diz Geranilson Dantas Requião, prefeito de Catu (PT), que tem 54 mil habitantes.

As empresas do setor que permaneceram ativas, diz Requião, reduziram as atividades em mais de 50%. Na prefeitura, a arrecadação de royalties, que chegou a ser 20% da receita, caiu para 8%. Por outro lado, os gastos com saúde aumentaram 20% entre 2014 e 2018. Na educação, o aumento chegou a 10%.

Na contramão

A cerca de 30 km de Catu, o município de Mata de São João tomou um caminho diferente. A principal operadora do setor de petróleo da cidade, de 46 mil habitantes, é a PetroRecôncavo, uma terceirizada da Petrobrás. Na contramão das operações da estatal, a produção na cidade cresce ano a ano, afirmou o prefeito Marcelo Oliveira (PSDB).

A terceirizada recebe por produtividade e, por isso, acelerou investimentos. Segundo Oliveira, o efeito positivo da cadeia petrolífera tem como principal benefício não o royalty, mas o Imposto Sobre Serviço (ISS). “Como é prestação de serviço (à Petrobrás), a empresa paga ISS”, disse. “Ela não vende o barril, mas fatura pela prestação de serviço: entrega o petróleo à Petrobrás e recebe pelo trabalho.”

A diferença entre as cidades fica evidente diante do desempenho do Produto Interno Bruto (PIB). Segundo o IBGE, a economia dos dois municípios cresceu cerca de 150% entre 2002 e 2013. Desse ano em diante, entretanto, a atividade em Catu caiu cerca de 30% em três anos, até 2016. Mata de São João, ao contrário, manteve a tendência e viu crescer o PIB em 5,6% no mesmo período. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.