O Ministério Público Federal ofereceu nova denúncia contra o ex-governador do Mato Grosso do Sul André Puccinelli, e outras 40 pessoas por desvios que atingem R$ 534 milhões nos cofres do Estado. Esta é a 8ª denúncia do Ministério Público Federal (MPF) no bojo da operação Lama Asfáltica, da Polícia Federal, Controladoria-Geral da União e Receita Federal.

Por ordem do juiz Bruno Cezar da Cunha Teixeira, da 3.ª Vara Federal de Campo Grande, o emedebista, seu filho André Puccinelli Júnior e um advogado foram presos no dia 20 de julho. A decisão dá conta de que o ex-governador tinha uma ‘poupança de propinas’.

Na denúncia, apresentada à Justiça Federal nesta quinta-feira, 23, são abordadas supostas fraudes e desvios de dinheiro público na execução de obras da rodovia MS-040 e do Aquário do Pantanal, além da aquisição de materiais paradidáticos da Gráfica e Editora Alvorada.

Somente em danos materiais, a denúncia considera um prejuízo de R$ 308,8 milhões. Segundo o MPF, ‘as provas reunidas pela operação Lama Asfáltica não deixam dúvidas sobre a liderança de André Puccinelli nas atividades do grupo criminoso’.

“Embora o ex-governador apareça no comando da organização ao lado de Edson Giroto e João Amorim, é nítida a ascendência dele nas decisões e vantagens indevidas acumuladas, até mesmo em função do cargo público então ocupado e da influência política dele decorrente”, afirma o MPF.

Em função do grande número de acusados e com o objetivo de conferir mais rapidez à tramitação, o MPF pediu o desmembramento da ação penal da Lama Asfáltica em quatro partes. De acordo com a Procuradoria, a ‘primeira trataria do pagamento de propina pela JBS a pedido de André Puccinelli e da evasão de divisas com o pagamento de propinas no exterior a Ivanildo da Cunha Miranda’. A segunda trataria das fraudes verificadas nas obras da MS-040 e do Aquário do Pantanal; a terceira trataria das fraudes verificadas na contratação da Gráfica Alvorada e a quarta trataria do crime de organização criminosa.

As primeiras audiências da operação Lama Asfáltica, referentes à primeira denúncia do MPF, estão agendadas para os dias 3, 6 e 10 de setembro, conforme designado pela 3ª Vara Federal de Campo Grande, onde tramita o processo.

Rodovia MS-040

Em 2013, o governo do estado de Mato Grosso do Sul firmou dois financiamentos com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no total de R$ 1 bilhão, para executar obras do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Regional do Estado de Mato Grosso do Sul (PADR – MS), incluindo implementação e pavimentação da rodovia MS-040. Dos 10 lotes em que as obras da rodovia estadual foram divididas, dois, no valor de R$ 45,4 milhões, são objetos da denúncia do MPF.

As supostas fraudes constatadas pela Controladoria-Geral da União (CGU) começam com o direcionamento dos dois processos licitatórios para contratação da empresa Proteco Engenharia, passam pelo pagamento de serviços pagos e não executados ou executados com qualidade inferior à contratada, e chegam à apresentação de documentos falsos quando da prestação de contas ao BNDES. Entre os serviços pagos e não executados está a construção de bueiros e de canteiro de obras.

Até a compra de cimento asfáltico teria sido feita de uma empresa localizada a uma distância menor do que a informada na prestação de contas, fator que reduziria o valor repassado para este fim, de acordo com o MPF.

“Entre os anos 2013 e 2014, a Agência Estadual de Gestão de Empreendimentos (Agesul) apresentou ao BNDES uma série de documentos ideologicamente falsos, para conseguir tanto a liberação das parcelas seguintes do financiamento para a realização das obras dos lotes 1 e 2 da MS-040 quanto a aprovação da prestação de contas. São boletins de medição com valores não correspondentes aos serviços efetivamente realizados. A Polícia Federal constatou superfaturamento total de R$ 10,2 milhões nas obras relativas aos lotes 1 e 2 da rodovia MS-040, tratando-se de valores pagos indevidamente à Proteco. Os peritos da PF concluíram que existem serviços pagos em quantidade ou qualidade inferior ao efetivamente executado nas obras examinadas”, afirma o MPF.

De acordo com a Procuradoria, ‘quanto à construção do Aquário do Pantanal, as ilegalidades começam na concorrência que culminou na contratação da empresa Egelte Engenharia, no valor de R$ 84,7 milhões’. “A CGU constatou graves restrições ao caráter competitivo da licitação, evidenciadas pela inclusão de diversas cláusulas abusivas no edital. O contrato foi firmado entre o governo do Estado, por meio da Agesul, e a Egelte em 17 de março de 2011, no valor de R$ 84,7 milhões. O prazo para execução era de 900 dias (11/10/2013). Foram feitos cinco termos aditivos ao contrato, quatro de prorrogação de prazo (estendendo o prazo de entrega da obra para 16/12/2015) e um objetivando o acréscimo de R$ 21 milhões (24,89%) em serviços (totalizando R$ 105,8 milhões). Além disso, o contrato também teve o valor reajustado pelo INCC seis vezes, alcançando o valor de R$ 123,4 milhões”.

O Ministério Público Federal dá conta de que ’em março de 2014, a Agesul atendeu solicitação da Egelte autorizando a subcontratação da Proteco para execução “parcial” das obras do Aquário, sob o argumento da necessidade de garantir o cumprimento do cronograma da obra’. “O contrato entre Egelte e Proteco foi firmado no valor de R$ 36,8 milhões. No entanto, embora o contrato firmado entre Egelte e Proteco, com apoio da Agesul, tenha sido travestido de uma subcontratação, ele representou de fato uma transferência (ilegal) de todos os direitos e deveres da Egelte para a Proteco”.

“Restou comprovado, por meio de interceptações telefônicas feitas pela Polícia Federal, que Proteco e Agesul pressionaram a Egelte a “passar” as obras do Aquário para a Proteco. João Amorim, dono da Proteco, e Egídio Vilani Comin, dono da Egelte, chegaram a uma espécie de “acordo” para que a Egelte saísse das obras do Aquário “numa boa”. A “subcontratação” da Proteco se deu 10 dias depois da publicação do segundo termo aditivo do contrato do Aquário, no valor de R$ 21 milhões”, diz a Procuradoria.

Segundo o MPF, do ‘início da execução do contrato até a paralisação das obras ocorreram 11 reprogramações de serviços, que negativaram itens constantes da planilha orçamentária contratada e incluíram serviços extracontratuais não licitados’.

Levantamento da CGU apontou que, do valor de R$ 105,8 milhões previsto no contrato, somente R$ 39 milhões corresponde a itens ou serviços contratados originalmente na licitação.

“A maior parte, R$ 66,7 milhões (63,08%), corresponde a itens ou serviços incluídos por meio de reprogramações aprovadas pela Agesul, sem licitação (compra direta). Ao negativar itens licitados e incluir itens não licitados nessas proporções, a Agesul acabou por descaracterizar sobremaneira as especificações inicialmente contratadas. Nesse cenário, é impossível saber se o licitante vencedor seria o mesmo para as condições apresentadas após as reprogramações autorizadas pela Agesul. Além do fato de as compras diretas, sem licitação, não terem propostas com os descontos próprios de uma competição entre licitantes”, narra a Procuradoria.

Segundo o MPF, as ’10 primeiras reprogramações de serviços foram incluídas durante o período em que a Egelte era a contratada; e a 11ª reprogramação foi incluída no período em que a Proteco já havia assumido as obras do Aquário do Pantanal’.

De acordo com a CGU, a Agesul teria pago indevidamente à Proteco, por serviços não executados, o montante de R$ 1,4 milhão.

O Ministério Público Federal ainda afirma que ’em 2014, especialmente nos meses de novembro e dezembro, o governo do Estado formalizou cinco processos com o objetivo de adquirir obras literárias para apoio didático aos alunos da rede estadual de ensino’. “Em todos os procedimentos, que tramitaram de maneira incomumente célere, houve a contratação direta (sem licitação) da Gráfica e Editora Alvorada, totalizando o pagamento de R$ 16,1 milhões à empresa”.

A CGU promoveu uma análise técnica dos valores pagos pelo governo do Estado à Gráfica Alvorada no período compreendido entre maio de 2010 e dezembro de 2014, e apontou supostos favorecimentos indevidos e fraudulentos, com o consequente desvio de recursos públicos.

Os procuradores ainda dizem que ‘meio do Portal da Transparência, é possível verificar uma absoluta desproporcionalidade dos gastos com a Gráfica Alvorada em relação a outros fornecedores do mesmo ramo’.

“A participação da Gráfica Alvorada no fornecimento de materiais gráficos ao governo do Estado saiu de 0 em 2010 para 90,85% em 2014. Os gastos do governo estadual com aquisições de materiais impressos de distribuição gratuita entre os anos de 2010 e 2014 totalizaram R$ 55 milhões sendo que, somente em dezembro de 2014, último mês do mandato do ex-governador André Puccinelli, foram pagos R$ 11 milhões (20% do total) à empresa. Os gastos se mostram incompatíveis com a série histórica dos anos anteriores, principalmente se comparados com os gastos do mês de dezembro dos demais exercícios”, afirma a Procuradoria.

Sobre a inexigibilidade de licitação nos cinco processos de 2014, segundo o MPF, ‘o governo do Estado, por meio da Secretaria de Educação (SED), argumentou à época dos fatos que somente a Gráfica Alvorada dispunha das obras escolhidas previamente para aquisição. Mas a própria CGU identificou, em site mantido pelo Ministério da Educação, pelo menos sete livros recomendados que versam sobre os mesmos temas abordados nos livros adquiridos pela SED (bullying e drogas)’.

O órgão de acusação, no entanto, afirma que ‘os processos listavam especificamente obras do acervo exclusivo da Gráfica Alvorada’. “Não há qualquer análise comparativa de um conjunto de obras semelhantes relacionadas às temáticas desejadas”.

“Em fevereiro de 2016, a CGU fez uma visita ao almoxarifado central da SED. Na oportunidade, constatou a existência de 47.378 unidades dos livros adquiridos da Gráfica Alvorada em 2014, comprovando a aquisição de um quantitativo desnecessário de materiais paradidáticos. No mês seguinte, a CGU visitou cinco escolas estaduais do município de Campo Grande e constatou que boa parte dos livros entregues não foram usados e distribuídos aos alunos. Estes elementos, segundo o MPF, reforçam ainda mais o caráter fraudulento das contratações diretas da Gráfica Alvorada realizadas em 2014”, diz o MPF.

A Procuradoria ainda afirma que interceptações da PF ‘demonstram que as contratações fraudulentas da Gráfica Alvorada tiveram como contrapartida o pagamento de propina ao então governador André Puccinelli’. “Os pagamentos eram intermediados por André Luiz Cance, ex-secretário adjunto de Fazenda do governo estadual e homem de confiança do ex-governador”.

A reportagem está tentando contato com os acusados.