A Procuradoria da República da Primeira Região apresentou uma denúncia contra Joesley Batista, sócio do Grupo J&F, e Francisco de Assis e Silva, ex-diretor jurídico da empresa, sob acusação de terem participado de um esquema de compra da atuação do procurador da República Ângelo Goulart Villela a favor de beneficiar Joesley e a empresa Eldorado Celulose em meio às investigações da Operação Greenfield, da Procuradoria da República do Distrito Federal, que investiga fundos de pensão.

A denúncia, apresentada em 27 de abril ao Tribunal Regional Federal da Primeira Região, vem cerca de um ano após executivos da JBS firmarem acordos de colaboração premiada, e em meio a um impasse quanto ao pedido de rescisão desses acordos – já apresentado pela Procuradoria-Geral da República ao Supremo Tribunal Federal, mas ainda não homologado pelo relator, ministro Edson Fachin.

Também foram denunciados Villela, os advogados Juliano Costa Couto, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal (OAB-DF), e Willer Tomaz, bem como o publicitário André Gustavo Vieira. Os crimes que constam na denúncia são corrupção ativa, corrupção passiva, lavagem de dinheiro, violação de sigilo funcional e embaraço de investigação.

O esquema que deu origem à denúncia foi revelado pelos delatores da JBS, quando firmaram as delações no ano passado. Villela e Tomaz chegaram a ser presos na Operação Patmos, em maio de 2017, por decisão de Fachin, mas vieram posteriormente a ser libertados. A denúncia inclui dois nomes que não foram alvo da operação – Couto e Vieira, acusados dos crimes de corrupção ativa e lavagem de dinheiro.

A primeira reação da defesa de Joesley Batista, que afirmou tomar conhecimento da denúncia ao ler reportagem do jornal Folha de S. Paulo, foi afirmar que o empresário não poderia ter sido denunciado porque ainda não houve a homologação da rescisão do acordo de colaboração premiada dele.

“Se confirmado o oferecimento de acusação usando fato denunciado pelo colaborador contra o próprio colaborador, verifica-se grave desrespeito à lei e às cláusulas do acordo de colaboração, firmado entre a PGR e Joesley Batista, que preveem a não denúncia. Há menção expressa pela Procuradora-Geral da República de que, enquanto o STF não se manifestar sobre a rescisão do acordo, a denúncia não pode ser recebida contra o colaborador. Então é um contrassenso os procuradores da República oferecerem essa denúncia neste momento”, disse André Callegari, manifestando “estranheza” com a situação. “Só há uma explicação: ou desconhecem que o acordo não está rescindido ou desconhecem a manifestação da PGR”, completou.

Procurada pela reportagem, a PGR não retornou até a publicação deste texto. A Procuradoria da República da Primeira Região disse que não poderia falar sobre a denúncia porque ela está sob sigilo.

As vantagens oferecidas a Villela teriam sido o pagamento de R$ 3,754 milhões pela Eldorado Brasil Celulose ao escritório Willer Tomaz Advogados Associados, “sob o pretexto de prestação de serviços de advocacia”; o pagamento de R$ 50 mil mensais, “a título de ‘ajuda de custo'”; e o porcentual de êxito na redução dos valores de avaliação das ações da Eldorado no âmbito da Operação Greenfield. Tomaz teria levado a promessa de vantagens indevidas ao então procurador da República no DF – uma das contrapartidas seria a atuação do procurador para buscar o arquivamento da investigação.

Villela teria revelado fatos e informações aos quais teve ciência em razão do cargo e que deveriam permanecer em segredo, como o conteúdo de duas reuniões sigilosas, tendo até apresentado documentos com “resumos de informações e estratégias confidenciais e sensíveis da Força-Tarefa da Greenfield” a Tomaz, para que fossem encaminhados a Joesley.

A lavagem de dinheiro apontada pela denúncia teria ocorrido entre 21 de fevereiro e 2 de março de 2017 em relação ao primeiro pagamento ao procurador. Segundo a denúncia, a contratação do escritório Willer Tomaz Advogados Associados, pela Eldorado, em 23 de fevereiro, “serviu como meio e instrumento de execução de dois propósitos escusos”, que seriam a prática de corrupção e a lavagem de dinheiro. Também teria havido lavagem no pagamento de honorários ao escritório de advocacia, com a finalidade de remunerar o procurador.

A denúncia aponta que o presidente da OAB-DF, Juliano Costa Couto, foi um dos articuladores do acerto com Joesley, Francisco de Assis e Eldorado Brasil Celulose S/A. De acordo com a peça, na execução da medida de busca e apreensão determinada por Fachin foi encontrada minuta com os mesmos termos do contrato firmado entre a empresa e o escritório Willer Tomaz Advogados Associados, tendo Couto figurado como contratado no mesmo valor de R$ 15 milhões.

“Não restam dúvidas, dessarte, que Juliano Costa Couto, embora não tenha figurado formalmente no contrato de prestação de serviços de advocacia, já que evidenciaria o conflito de interesses por advogar contra a Seara Alimentos S.A., uma das empresas do grupo J&F, em outro feito, ainda assim atuou intensamente nos bastidores para a viabilização do acerto, que lhe resultou proveito econômico equivalente a um terço do valor pago na ocasião pela Eldorado Brasil Celulose”, diz a denúncia.

Da mesma forma, prosseguem os procuradores, o publicitário “André Gustavo também obteve o mesmo proveito econômico que Juliano Costa Couto por apresentá-lo a Joesley Batista e insistir na contratação, exercendo, portanto, a função de agenciador e viabilizador do acerto criminoso”.

“Portanto, os fatos até aqui narrados tornam evidente e cristalina a presença do dolo das condutas de Joesley Batista e Francisco de Assis, em total, absoluta e convergente unidade de desígnios com Willer Tomaz, Juliano Costa Couto, André Gustavo Vieira da Silva e o procurador da república Ângelo Goulart Villela na prática dos delitos de corrupção ativa e passiva.”

Em nota, Tomaz diz que não há “qualquer prova de algum ato ilícito que eu tenha cometido”, que não há credibilidade dos delatores e que houve mentiras e omissões. “Trata-se de um verdadeiro buffet, com perdão pelo estilo, no qual o MPF escolhe ao bel prazer o que lhe interessa, tomando alguns trechos dos depoimentos como verdade absoluta, dogma solar que tudo toca, e outros como a mais absurda das mentiras”. “Provarei o equívoco e a parcialidade, por razões institucionais, do Ministério Público. Confio plenamente no judiciário brasileiro”, afirmou.

A defesa de Villela afirma que seu cliente é inocente e nega “veementemente” a prática de todos os delitos pelos quais é acusado. O advogado Gustavo Badaró, que integra a defesa do procurador, classifica a denúncia como infundada e incoerente. “A defesa confia que, após a apresentação da resposta de Ângelo Goulart Villela, o Tribunal Regional Federal fará justiça e rejeitará essa acusação requentada, infundada e incoerente.”

Por meio de nota, Couto afirma estar surpreso diante da notícia de que seu nome consta em aditamento à denúncia. “Não cometi nenhuma ilegalidade. Tenho a consciência tranquila e me defenderei com a autoridade e direitos de inocente.”

A reportagem não conseguiu contato com Assis e Silva e Vieira.