Os acordos firmados por um grupo de promotores paulistas com a Odebrecht sofreram mais um golpe dentro do próprio Ministério Público de São Paulo. Em manifestação na Justiça, a procuradora Maria Cristina Barreira de Oliveira, que integra a segunda instância do órgão, afirma que os chamados “termos de autocomposição” celebrados com a empreiteira são ilegais e pede a anulação de um acordo homologado em 2018.

A procuradora entrou com um recurso em novembro passado questionando uma decisão da 4.ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça na ação de improbidade administrativa movida por promotores do Patrimônio Público contra Elton Santa Fé Zacarias. Aliado do ex-prefeito e ex-ministro Gilberto Kassab (PSD), ele é acusado por delatores da Odebrecht de ter recebido R$ 200 mil de propina quando era secretário da capital para autorizar o início do contrato de R$ 503 milhões da empreiteira referente às obras do túnel da Avenida Roberto Marinho, em 2011.

Maria Cristina, que é da Procuradoria de Interesses Difusos e Coletivos, diz que a Lei de Improbidade, de 1992, veda a possibilidade de acordos em ações de improbidade administrativa. Ela usou jurisprudência do próprio TJ paulista e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para afirmar que o dispositivo de autocomposição de conflitos previsto em uma lei de 2015 e usado como base dos acordos com a Odebrecht não tem “prevalência” sobre a legislação anterior. Segundo ela, o mesmo vale para as leis que instituíram a delação premiada, em 2012, e o acordo de leniência, em 2013.

“A autocomposição celebrada entre a Promotoria de Justiça do Patrimônio Público da capital e a Odebrecht S/A viola a legislação federal especial que disciplina a improbidade administrativa”, afirma a procuradora, que pede a anulação do acordo e sinaliza que pode recorrer ao STJ caso seu pedido seja indeferido na Justiça estadual. Ela moveu o recurso depois que a 4.ª Câmara julgou um agravo da defesa de Zacarias sem remeter o processo para análise da segunda instância do MP.

Em nota, os promotores José Carlos Blat e Silvio Marques declararam que o acordo foi homologado em setembro de 2018 pelo juiz Fausto José Martins Seabra, da 3.ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, e que a lei que instituiu a autocomposição na administração pública em 2015 tem a “mesma hierarquia da Lei de Improbidade Administrativa”. “No conflito de interpretação vale a lei posterior”, sustentam os promotores.

Revés

Este foi o segundo revés interno sofrido pelos promotores favoráveis aos acordos com a Odebrecht – desde dezembro de 2017, cinco já foram assinados. Em outubro do ano passado, o Conselho Superior do MP paulista, responsável por revisar as ações das Promotorias, rejeitou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado pelo mesmo grupo que permitia que a empreiteira retomasse o contrato de R$ 503 milhões da Roberto Marinho mesmo após ter admitido em depoimento que a licitação foi fraudada por formação de cartel com outras empresas.

Pelo acordo, a Odebrecht se comprometia a devolver em 22 parcelas anuais R$ 7 milhões aos cofres públicos, valor equivalente a 25% dos R$ 28 milhões que recebeu em pagamentos da Prefeitura para iniciar a obra.

A empreiteira também ficou de apresentar provas contra outras empresas e agentes públicos acusados de envolvimento, como Kassab, acusado de ter recebido R$ 21,2 milhões por meio de caixa 2, e o ex-diretor da Dersa Paulo Vieira de Souza, acusado de ter “organizado” o cartel e pedido propina de 5% sobre o valor dos contratos. Ambos negam as acusações.

Em troca, a Odebrecht ficaria livre de uma ação de improbidade administrativa na Justiça, continuaria apta a contratar com o poder público e poderia retomar o contrato assinado há sete anos com a Prefeitura, com um desconto que seria calculado pelos órgãos envolvidos. Por maioria, o conselho rejeitou os termos do acordo e ordenou que o inquérito fosse redistribuído para outro promotor entrar com ação judicial contra a empreiteira.

CCR

Na semana passada, o conselho cobrou explicações do mesmo grupo de promotores sobre um acordo semelhante assinado em novembro de 2018 com o Grupo CCR. No termo, a concessionária se comprometeu a pagar R$ 81,5 milhões de multa para encerrar uma investigação sobre caixa 2 de campanha em troca de provas contra os políticos acusados. Segundo os promotores, a CCR admitiu ter pago R$ 30 milhões de forma ilícita. Os procuradores vão analisar os termos de acordo, que está sob sigilo.

Procurada na noite desta quarta-feira, dia 16, a Odebrecht não quis se manifestar. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.