Um adiamento no pagamento de precatórios federais (valores devidos após sentença definitiva pela Justiça) pode afetar desde cidadãos ou empresas que tiveram imóvel desapropriado pela União até aposentados e pensionistas do INSS que reclamam parte de seu benefício. Além disso, quase um terço dos valores previstos no Orçamento de 2021 está reservados para as chamadas requisições de pequeno valor (RPVs), que resultam em pagamentos de até 60 salários mínimos (R$ 62,7 mil).

Cálculos do consultor Leonardo Ribeiro, assessor econômico do senador José Serra (PSDB-SP), mostram que R$ 17,2 bilhões estão programados para essas requisições de pequeno valor, a maior parte (R$ 13,2 bilhões) relacionados a ações envolvendo Previdência e assistência social. Do total de precatórios, cerca de R$ 55 bilhões, R$ 22,2 bilhões estão relacionados a benefícios previdenciários. “O governo está gerando uma dívida para financiar o programa. O mercado já captou esse risco fiscal”, disse Leonardo Ribeiro.

O advogado Vitor Boari, presidente do Movimento dos Advogados em Defesa dos Credores Alimentares do Poder Público (Madeca) e integrante da comissão da OAB-SP sobre precatórios, explica que os precatórios envolvem diferenças não pagas de aposentadorias e pensões de segurados do INSS, dívidas do governo por mudanças passadas em planos econômicos, reajustes não dados a servidores e indenizações por desapropriações.

A medida está sendo classificada pelos críticos como “pedalada fiscal” porque, na prática, adia o pagamento de uma despesa obrigatória que deveria ser honrada pelo governo.

Em defesa do adiamento de parte dos precatórios para abrir caminho ao Renda Cidadã, novo programa que o presidente Jair Bolsonaro quer tirar do papel para substituir o Bolsa Família e lançar sua própria marca social, lideranças políticas argumentam que não se pode ter R$ 55 bilhões do Orçamento de 2021 destinados a essas sentenças judiciais e deixar milhões de “invisíveis” desassistidos após o fim do auxílio emergencial criado durante a pandemia da covid-19.

Necessidade

Boari criticou a proposta e alertou que os credores dos precatórios também contam com o recebimento do recurso. “Não é que as pessoas que estão esperando o precatório não precisam, é justamente o contrário”, disse.

Em julho deste ano, o próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu uma recomendação aos setores administrativos responsáveis pela gestão dos precatórios no Judiciário que envidassem esforços para otimizar os pagamentos “tendo em vista a importância econômica e social que tais medidas podem acarretar ao regular funcionamento da economia brasileira e na sobrevivência das famílias, notadamente em momento de pandemia de covid-19”.

A perspectiva de maior demora nos pagamentos desses precatórios também pode prejudicar o “mercado secundário” desses créditos. Uma pessoa que tenha valores a receber, mas precisa do dinheiro imediatamente, pode vender seu direito ao recebimento com um desconto (chamado deságio). Segundo Boari, hoje os descontos aplicados sobre precatórios da União são menores justamente e podem ficar na casa de 20%, porque há melhor perspectiva de pagamento. Em Estados e municípios, casos em que a demora é bem maior, o deságio pode chegar a 85% – ou seja, a pessoa só fica com 15% do valor que receberia originalmente.

Despesa crescente

Centro da polêmica sobre o financiamento do novo programa social do governo, o Renda Cidadã, as despesas com o pagamento de precatórios aumentou R$ 40,4 bilhões entre 2010 e o projetado no Orçamento de 2021.

No período, esses gastos decorrentes de sentenças judiciais pularam de R$ 14,28 bilhões para R$ 54,77 bilhões, segundo dados obtidos pelo Estadão que estão sendo apresentados pelas lideranças do governo no Congresso para buscar apoio à proposta.

Além da evolução dos precatórios do INSS, chama atenção nos números o aumento dos precatórios vinculados as outras despesas de custeio e capital, chamadas de OCC. Em 2010, os precatórios de OCC somavam R$ 2,08 bilhões. Em 2021, serão R$ 20,64 bilhões, o dobro já das sentenças judiciais relacionadas a gastos com pessoal (R$ 10,456 bilhões).

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.