O mercado de gases industriais está em ebulição. Maior concorrente desse setor que movimenta por ano no Brasil quase US$ 1 bilhão, a White Martins virou alvo de denúncias de abuso do poder econômico e enfrenta a ira do governo e até da Justiça. Na última quarta-feira, chegou ao fim processo aberto no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) a pedido da empresa paranaense Campos Verdes, que acusa a companhia de prática de discriminação de preços e venda casada e de dificultar o funcionamento dos distribuidores independentes. O caso acabou em acordo, batizado de compromisso de cessação de prática. Isso significa que a White Martins foi condenada a comunicar regularmente ao Cade, por três anos, seus preços máximos e condições de comercialização, além de sofrer restrições em suas operações. No âmbito judicial, a situação também não é simples. A juíza da 29a Vara Federal, Simone Schreiber, pediu à Procuradoria da República a realização de perícia na contabilidade da empresa. Acusações: prática de preço abusivo e formação de cartel.

A empresa foi parar no banco de réus depois que o ministro da Saúde, José Serra, recebeu, há um ano, o resultado de investigação sobre os contratos firmados pelo setor com hospitais do Rio de Janeiro para fornecimento de gases medicinais. A Saúde e a Fazenda constataram variações de até 495% nos preços do oxigênio líquido e gasoso vendido pela White Martins e pela concorrente Aga a estabelecimentos hospitalares públicos e privados. Os indícios de superfaturamento levaram a Procuradoria da República no Rio a pedir a abertura de processo judicial. Em nota encaminhada à DINHEIRO, a White Martins alega que ?devido à considerável quantidade de variáveis que compõem o fornecimento de gases medicinais, é incorreto e inadequado analisar a transação comercial tomando como parâmetro o preço unitário?. Os problemas da companhia bateram também na Comissão de Valores Mobiliários, onde inquérito instaurado investiga se houve vazamento de informações antecipadas durante o processo de fechamento de capital da empresa, realizado a pedido de sua controladora, a norte-americana Praxair. A White Martins afirma que a acusação é improcedente: ?Os executivos não dispunham de qualquer informação privilegiada?.

As operações da companhia exibem um estilo predatório, segundo análise do mercado. A companhia, dona de 75% do mercado nacional, derrubou, de alguns anos para cá, as poucas distribuidoras de gases industriais da marca em operação no País. A concorrência a acusa de usar artimanhas como oferecer preços abaixo do custo (em alguns casos, até doar), impor cláusulas de exclusividade no fornecimento, determinar prazos longos para os contratos e até mesmo tentar controlar as fontes de gás carbônico. Dessa forma, teria provocado a quebra de empresas como a carioca Brasigás Oxigênio. ?Contra a concorrência predatória foi impossível lutar?, afirma o ex-proprietário, João Batista Pereira Vinhosa. Da Campos Verdes, sobrou apenas o escritório. ?Desisti, troquei de ramo e quero esquecer tudo o que aconteceu?, desabafa o ex-dono, Eugênio Rosetti Filho. Sua empresa está sendo adquirida pela White Martins. A companhia defende a prática relativa a preços. Em sua nota, diz: ?Desde que não predatória, a prática de preços competitivos é incentivada pela legislação e pelas autoridades antitruste, além de ser bem recepcionada pelos consumidores?.

A alemã Messer, do grupo Hoechst, que chegou ao Brasil em 1995, também sofreu. Tinha planos de aplicar mais de US$ 300 milhões, mas o volume não chegou a US$ 120 milhões. ?O domínio da White Martins dificultou a expansão?, conta um ex-executivo do setor. A Messer questionou no Cade a compra da Liquid Carbonic pela White Martins. Ganhou a causa: o órgão fez várias exigências para autorizar a transação. Impediu que a empresa assine contrato de exclusividade com clientes, definiu contratos mais curtos e a excluiu de participar, até 2006, de concorrências para descobrir novas fontes de gás carbônico no Sudeste. Apesar da fome de briga, a empresa germânica acabou capitulando.