A primeira denúncia do Ministério Público do Rio com base nas “rachadinhas” da Assembleia Legislativa ajuda a entender o que deve ser apresentado contra o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e seus assessores no futuro próximo. Ex-líder do governo Wilson Witzel, o deputado Márcio Pacheco (PSC) e seu suposto operador, o chefe de gabinete André Santolia, são acusados de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

No caso de Flávio Bolsonaro, o MP aguarda o desfecho da novela jurídica sobre o foro do senador, que subiu para a segunda instância. A Promotoria recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que ele volte a ser julgado na primeira, pelo juiz Flávio Itabaiana Nicolau. O pedido deve ser analisado em agosto pela Corte.

Ao longo das 74 páginas de denúncia, o MP detalha o suposto esquema de desvios no gabinete de Pacheco entre 2016 e 2019. Em vários pontos, os indícios da “rachadinha” e do modo como o dinheiro teria sido lavado são semelhantes ao que já foi dito até aqui, em etapas pré-denúncia, no processo contra Flávio. Além do deputado e do chefe de gabinete, outros dez assessores vão responder por peculato e organização criminosa.

Santolia, o operador, seria uma espécie de Fabrício Queiroz. As práticas em comum com o ex-assessor de Flávio Bolsonaro são numerosas. Além de operacionalizar o esquema – por meio do qual receberia de volta o dinheiro dos funcionários “fantasmas” -, o aliado do deputado do PSC também teria pago uma série de pendências de Pacheco como forma de lavar o dinheiro.

Assim como no caso de Queiroz com Flávio, Santolia pagou mensalidades da escola dos filhos do deputado, por exemplo, somando R$ 22 mil. Ele também quitou parcelas do aluguel do apartamento em que o parlamentar mora e um seguro automotivo. Na mesma agência da Alerj em que Queiroz realizava seus famosos saques fracionados, Santolia teria pago ainda um boleto de R$ 10,4 mil referente a um imóvel comprado pelo chefe.

Ao todo, os desvios ultrapassariam o valor de R$ 1 milhão. Foram feitas, segundo a investigação, 208 transferências dos demais assessores para Santolia ao longo dos três anos analisados. Em alguns casos, assim como no dos funcionários de Flávio Bolsonaro, os repasses mensais chegavam a 95% do salário do assessor, o que é um grande sinal de “rachadinha”.

Também a exemplo do que já foi mostrado na investigação contra o filho do presidente Jair Bolsonaro, assessores de Pacheco mantinham trabalhos na iniciativa privada ao mesmo tempo em que eram empregados no gabinete.

Esses dez assessores denunciados dão pistas do que pode acontecer com os subordinados de Flávio e Queiroz. Mesmo sendo mais passivos do que o então deputado e seu operador, eles devem responder por peculato e organização criminosa, já que teriam assentido na proposta de repassar parte do salário para viabilizar o esquema.

Flávio Bolsonaro e Queiroz, por sua vez, correm um risco maior de também ter a lavagem de dinheiro incluída na denúncia. Ao pedir a prisão preventiva do ex-assessor por obstrução de Justiça, no mês passado, o MP mostrou que ele pagava prestações da escola dos filhos do hoje senador e despesas com plano de saúde, por exemplo.

Além disso, diversos imóveis de Flávio foram citados ao longo da investigação como possível forma de lavar dinheiro. Em dezembro do ano passado, o MP mostrou que o ex-deputado adquiriu apartamentos em Copacabana que tiveram “lucratividade excessiva”, com até 292% de diferença entre os valores de compra e venda. Ali, R$ 638 mil teriam sido lavados.

Há, também, os chocolates. Entre o fim de 2014 e o início de 2015, Flávio comprou uma loja da franquia Kopenhagen pelo valor de R$ 800 mil. O sócio Alexandre Santini, no entanto, não aportou nenhum recurso significativo ao negócio. Quem o fez foi Fernanda, sua mulher – o que, segundo o MP, é um indício de que Santini seria um “laranja”. A investigação levantou diversas incongruências entre receitas e despesas, mostrando que o casal não tinha o dinheiro necessário para a aquisição e a operação da franquia.

Ou seja, os casos de Pacheco e Flávio são parecidos na forma, apesar de o processo contra o senador já ter apresentado valores financeiros mais superlativos e outros aspectos que ajudam a complicá-lo, como as provas de relação com o miliciano morto Adriano Magalhães da Nóbrega e as tentativas de obstrução de Justiça por parte de Queiroz, sua mulher e aliados. Ambos os parlamentares estavam entre os 22 citados no famoso relatório do antigo Coaf que identificou movimentação atípica nas contas de assessores da Alerj, revelado pelo Estadão em dezembro de 2018.

A denúncia contra o filho de Bolsonaro estava prestes a ser apresentada no mês passado, mas os desembargadores da 3ª Câmara Criminal do Rio deram-lhe foro privilegiado, o que voltou a empacar um processo já marcado por paralisações. A tendência é que o STF reverta a decisão, o que pavimenta o caminho para a apresentação da denúncia.

O crime de peculato pode dar de dois a 12 anos de prisão; a lavagem de dinheiro, de três a dez anos; organização criminosa, de três a oito anos.

Defesas

Em nota, o deputado Márcio Pacheco afirmou que recebeu com “perplexidade e indignação” as informações sobre a denúncia. “O deputado reitera que compareceu voluntariamente ao MPRJ, oportunidade em que colocou seus sigilos fiscal, bancário e de dados à inteira disposição daquela Instituição, por estar absolutamente confiante de que não há nada a esconder”, disse a assessoria do parlamentar

Além disso, segundo ele, foram dadas “minuciosas respostas a cada uma das descabidas alegações do MPRJ” ao longo do inquérito. “A denúncia distorce fatos e cria uma verdadeira ficção, ao desconsiderar completamente esclarecimentos objetivos sobre a sua evolução patrimonial, em tudo compatíveis com seus rendimentos (não apenas como parlamentar, mas também como autor e intérprete gospel).”

Pacheco disse ainda que a denúncia tem caráter político e que aguarda com tranquilidade a citação judicial para provar sua inocência.