Sob críticas de falta de transparência e com alguns problemas técnicos, a primeira Audiência Pública virtual sobre a concessão de parte dos serviços hoje prestados pela Companhia de Abastecimento de Águas e Esgoto do Rio de Janeiro (Cedae) evidenciou a insatisfação de representantes de sindicatos de trabalhadores do setor e estudiosos do tema com o modelo proposto pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Representantes do banco e autoridades do governo do Estado do Rio ouviram durante mais de seis horas críticas à forma como vem sendo conduzido o processo, principalmente pela velocidade como está ocorrendo e em meio à maior tragédia sanitária já vista no mundo.

O governo estadual pretende vender a outorga dos serviços de distribuição de água da Cedae, que vai permanecer com a captação e o tratamento da água. Inicialmente o objetivo era utilizar os recursos que serão recebidos pela outorga da concessão, valor ainda não calculado, para pagar um empréstimo feito com a União em 2017, hoje uma dívida em torno dos R$ 4,5 bilhões. Se o governo do Rio não pagar o empréstimo, a Cedae pode ser federalizada, mas o governo estadual já informou que poderá renegociar o contrato com o governo federal.

A previsão era de que a licitação da outorga ocorresse este ano, mas a tendência é de que ocorra no início de 2021.

Uma das maiores preocupações levantadas pelos participantes se refere à adesão dos municípios ao projeto do governo, que separou 64 municípios do Estado em quatro blocos, compensando cidades muito deficitárias com cidades lucrativas. Muitos, porém, não estão aderindo, o que poderá levar o BNDES a rever os blocos formatados na proposta levada à audiência pública, informou o representante do banco, Marcelo Albuquerque, que considera ainda ter tempo hábil para adesão.

Segundo Albuquerque, na concessão haverá punições para quem não cumprir as metas estabelecidas, inclusive com possibilidade da cassação da concessão. Até o momento, apenas 16 municípios aderiram e cinco “estão encaminhando”, segundo o secretário de Desenvolvimento Econômico do Estado, Marcelo Lopes da Silva.

“Os outros estão analisando e outros negaram. Isso vai ser amoldado ao contrato final”, informou Silva, sem informar quantos negaram adesão.

Outro ponto foi o valor da tarifa a ser cobrada, de R$ 1,40 o metro cúbico de água a ser distribuída pela iniciativa privada, que na avaliação do presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Empresa de Saneamento e Meio Ambiente do Rio de Janeiro (Sintsama-RJ), Humberto Lemos, deixou de fora passivos importantes existentes na empresa como o déficit de R$ 1,4 bilhão do plano de previdência da Cedae e 38 mi processos trabalhistas.

De acordo com Albuquerque, como a Cedae não será privatizada, os passivos serão resolvidos pela empresa, que já conversa com o governo do Estado sobre o assunto.

Outro argumento contra o processo é o fato da distribuição de água ser a maior parte da receita da Cedae, que perderá o serviço e terá gastos altos para captar e tratar a água a ser entregue aos concessionários, o que também foi rebatido pelo representante do banco. “A Cedae vai continuar faturando cerca de R$ 2 bilhões por ano, poderá ter um futuro virtuoso”, afirmou.

Para o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Serviços de Água e Esgoto do Leste Fluminense, Ary Girota, a conta não fecha. “Como a Cedae vai continuar faturando se ter o seu tamanho reduzido em 70% com a concessão da distribuição?”, questionou, sem receber resposta.

Durante a audiência foi proposta ainda a realização de um referendo popular para saber a opinião das pessoas que serão afetadas pela mudança, já que audiência pública virtual ficou restrita apenas a quem consegue acessar o evento. As próximas audiências públicas virtuais serão realizadas em 6 de julho e 4 de agosto.