Depois de nove horas de debates na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), na Câmara dos Deputados, nada mais natural do que ver parlamentares governistas comemorando a aprovação da reforma da Previdência. A imagem da votação, na terça-feira 23, simboliza, na verdade, uma espera bem maior do que as horas de um dia. Empresários e economistas aguardam há mais de dois anos a mudança que afasta o fantasma de insolvência dos cofres do País e abre o caminho dos investimentos. Administrações estaduais estão ansiosas pelo passaporte para um futuro menos apertado. E, graças à pressão do Ministério da Economia, passaram a depender cada vez mais do avanço do texto para sobreviver ao estado de penúria das contas regionais. Para os governadores, cada dia de atraso na tramitação do projeto pode significar a falência de mais serviços públicos.

O ministro Paulo Guedes sinalizou desde o início de sua gestão que contaria com a ajuda dos chefes dos executivos estaduais para pressionar as bancadas no Congresso. Descobriu no grupo uma força desesperada por socorro e passou a oferecer o lançamento de uma boia emergencial, mas atrelou a ela a necessidade do reforço pela Previdência. Uma das promessas mais recentes envolve a antecipação de recursos da chamada cessão onerosa, um leilão do pré-sal com potencial de injetar mais de R$ 100 bilhões nos cofres públicos federais neste ano. Guedes garantiu a antecipação de até R$ 6 bilhões desses recursos aos estados. A condição para a abrir as torneiras: a aprovação da reforma.

Governadores de estados quebrados têm pressa para o lançamento do chamado Plano de Equilíbrio Financeiro (PEF), do Tesouro Nacional. As negociações dos detalhes técnicos já estão encaminhadas e a promessa era de que o socorro federal seria anunciado no início de abril. Segundo DINHEIRO apurou, o atraso está ligado à estratégia da equipe econômica para tentar mapear a influência e o engajamento dos potenciais beneficiários sobre as bancadas regionais no tema da Previdência. “O governo está errado quando não leva o PEF ao plenário da Câmara”, diz um governador. “Alguns técnicos acham que precisam ver como vão votar a Previdência.” O programa permitirá aos estados que fizerem ajuste fiscal a tomar crédito. No começo de abril, Guedes sugeriu que os recursos seriam liberados até o fim do mês. Em referência ao governador goiano Ronaldo Caiado, o ministro reconheceu que o estado está em situação crítica e anunciou que “a cavalaria está chegando”.

Caiado tem liderado as negociações com o governo federal em torno do plano. A expectativa é alcançar 18 estados. “Não dá mais para esperar o socorro. Há um colapso generalizado da estrutura de saúde do estado”, afirma o governador. Ao assumir o posto, ele encontrou uma folha de salários atrasados e um caixa insuficiente para honrar os compromissos. O estado já cortou incentivos, a folha de pagamentos e revisou contratos. Mesmo assim, ainda deve fechar o ano com um rombo nas contas superior a R$ 6 bilhões. “Vivemos uma dificuldade cada vez maior para a governabilidade e somos obrigados a ter de mendigar uma negociação com o governo federal.”

Prós e contras: governadores do Sul e do Sudeste (à esq.) declararam apoio à reforma da Previdência do governo Bolsonaro. À direita, o grupo
do Nordeste assinou manifesto contra mudanças previstas no sistema de aposentadorias (Crédito:Divulgação)

A CONTA SUBIU Além do balão de oxigênio de curto prazo, as alterações da Previdência aliviam o peso dos gastos estaduais com pessoal. Em Goiás, por exemplo, os inativos já consomem metade da folha de pagamentos. Em seis estados, a despesa com aposentados e pensionistas superou a dos servidores que ainda estão na ativa, com um evidente impacto sobre a prestação de serviços. “Cerca de 50% da receita líquida de ICMS é destinada ao déficit previdenciário”, afirma o governador do Rio Grande do Sul, Rodrigo Leite. “Temos de concentrar capital político nas reformas estruturantes.” Leite se juntou aos outros governadores do Sul e do Sudeste para declarar publicamente o apoio à reforma da Previdência do governo Bolsonaro. Já os representantes dos estados do Nordeste divulgaram um manifesto contrário ao texto.

O projeto original do governo prevê uma economia de pouco mais de R$ 1 trilhão nos gastos previdenciários federais em dez anos. Para o conjunto dos estados, a redução dos custos seria de R$ 350 bilhões no mesmo período. “O governo está usando das pressões legítimas para tentar passar a reforma”, afirma Rodrigo Garcia, vice-governador do estado de São Paulo. “Os governadores que podem apoiar devem fazê-lo mostrando o impacto nas suas contas.” Segundo ele, um dos problemas em São Paulo é a baixa discricionariedade sobre o orçamento, composto por 97% de despesas obrigatórias, entre as quais a Previdência é uma das principais.

No Congresso, os governadores sofrem um novo ataque. Parlamentares se queixam que os Executivos estaduais terão o benefício da reforma sem o ônus de ter de aprová-la. Por isso, estudam retirá-los do texto enviado pelo governo. O projeto de Guedes prevê a aplicação imediata das novas regras para estados e municípios, além de exigir que os regimes de previdência regionais em déficit criem um modelo de aposentadorias complementar e aumentem a alíquota de contribuição dos servidores para um mínimo de 14%. Em São Paulo, hoje, é de 11%.

A votação da CCJ deixou para trás quatro pontos sem impacto fiscal, entre os quais o fim da multa de 40% na demissão de trabalhador aposentado. Embora o placar tenha sido mais folgado do que na tramitação no governo Temer — 48 a favor agora, ante 31 na gestão passada — a oposição demonstrou maior disposição para atrapalhar. O risco é que a dificuldade de articulação se traduza em desfiguração do texto na Comissão Especial, próxima etapa da tramitação. Os deputados fazem pressão para derrubar pontos como a mudança na aposentadoria rural. Para o Itaú Unibanco, a diluição deve ficar entre 25% a 50% do previsto. Enquanto isso, as incertezas pesam sobre a atividade. O banco já reduziu de 2% para 1,3% a previsão do PIB em 2019. “A economia está em compasso de espera”, afirma o economista-chefe do Itaú Unibanco, Mário Mesquita. Ninguém sabe disso melhor que os governadores.