A Tunísia acordou nesta segunda-feira (26) em uma grave crise política depois que o presidente Kais Saied decidiu, no domingo, suspender a atividade parlamentar e atribuir-se plenos poderes executivos, o que levou o partido Ennahdha a denunciar um “golpe de Estado”.

A jovem democracia tunisiana funciona desde 2014 com um sistema parlamentar misto, no qual o chefe de Estado tem prerrogativas apenas nas áreas diplomática e de segurança.

O presidente também anunciou a destituição do primeiro-ministro Hichem Mechichi.

Tunisianos, irritados com as disputas de poder e a criticada gestão da crise social e sanitária por parte do governo, saíram às ruas apesar do toque de recolher na capital Tunes e em outras cidades.

O presidente Kais Saied anunciou as medidas após uma reunião de emergência no palácio presidencial de Cartago, no momento em que a Tunísia enfrenta uma forte onda de covid-19 e uma profunda crise política que paralisa o país há vários meses.

“A Constituição não me permite dissolver o Parlamento, mas sim suspender a sua atividade”, declarou Saied, que tomou a decisão com base no artigo 80 da Carta Magna, que permite adotar este tipo de medida frente a um “perigo iminente”.

“Tomei as decisões que a situação exige para salvar a Tunísia, o Estado e o povo tunisiano”, afirmou o presidente após se reunir com autoridades das forças de segurança.

“Estamos em momentos muito delicados na história da Tunísia”, acrescentou.

Saied anunciou que assumirá o Poder Executivo com “a ajuda do governo” e designará um novo primeiro-ministro. Além disso, ele suspendeu a imunidade parlamentar dos deputados.

A medida foi condenada pelo partido governante Ennahda, de orientação islamita, que a qualificou de “golpe de Estado contra a revolução”.

– Manifestação diante do Parlamento –

“O que Kais Saied está fazendo é um golpe de Estado contra a revolução e a Constituição, e os membros do Ennahda e o povo da Tunísia defenderão a revolução”, afirmou o partido em um comunicado publicado em sua página no Facebook.

O líder do Ennahdha e presidente do Parlamento, Rashed Ghannouchi, tentou entrar com vários deputados na sede da Câmara, protegida por soldados, de acordo com um vídeo divulgado pelo partido na rede social.

“O exército deve proteger o país e a religião”, disse Ghannouchi aos soldados, para exigir a abertura do Parlamento.

“Somos militares, cumprimos ordens. Nos pediram para fechar o Parlamento”, respondeu um dos militares.

“Soldados, oficiais, pedimos que fiquem ao lado do povo”, declarou Ghannouchi, que decidiu organizar uma manifestação diante da sede do Legislativo.

– Frustração –

No domingo, milhares de tunisianos protestaram contra os políticos, especialmente contra o Ennahdha, força majoritária no Parlamento mas que enfrenta o presidente.

“Vamos mudar de regime” ou “O povo quer a dissolução do Parlamento” foram alguns dos slogans dos protestos, marcados por muitas críticas ao primeiro-ministro Mechichi.

Os tunisianos se mostram incomodados com os conflitos entre partidos que paralisaram os poderes públicos e também criticam a falta de resposta do governo à crise sanitária, que deixou o país sem abastecimento de oxigênio.

Com cerca de 18.000 mortos neste país de 12 milhões de habitantes, a Tunísia apresenta uma das piores taxas de mortalidade no mundo por covid-19.