O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, destacou nesta terça-feira, 6, as revisões – segundo ele bastante grandes – para baixo das projeções para o crescimento global em 2019 e 2020, para dizer que esse não é um problema apenas do Brasil. O ambiente de “guerra comercial”, acrescentou, tem levado a mudanças de parques industriais, o que tornou mais lento e mais caro o processo de produção, por um período mais longo.

“A chamada ‘guerra comercial’ teve várias fases. Primeiro esperou-se um período com inflações mais altas em diversos países, o que não aconteceu. Na verdade, as inflações caíram e foram feitas revisões sobre o crescimento dessas economias”, afirmou, em debate sobre juros promovido pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e pelo jornal Correio Braziliense. “Há dúvidas se os países desenvolvidos têm ferramentas para lidar com inflação e crescimento baixos. O ângulo fiscal pode ser uma saída para esses países”, completou.

Campos Neto lembrou ainda que a Europa está passando por um processo de “japonização”, em referência ao envelhecimento da população. “Isso tem efeitos significativos no consumo e no investimento”, explicou.

Por isso, argumentou o presidente do BC, o Brasil não o único País a ter um crescimento abaixo do originalmente esperado para este ano e o próximo. “A América Latina teve uma revisão de crescimento como o Brasil, o efeito é global”, alegou.

Campos Neto chamou atenção ainda para o excesso de liquidez no cenário internacional, citando a existência de 14,5 milhões de títulos pagando juros negativos no mercado global. “Os juros globais devem ficar em patamar mais baixo por um tempo maior”, projetou.

Ainda assim, o presidente do BC ressaltou que as contas externas do Brasil são sólidas, amparadas pelo grande volume de reservas internacionais do País. “Navegamos na crise sem ter que subir juros, como outros países tiveram que fazer. Estamos seguros para navegar por tempo mais incerto à frente”, concluiu.

Emprego

Campos Neto apontou a melhora recente na ponta tanto nos indicadores de emprego como de crescimento da economia brasileira, e voltou a defender a continuidade das reformas para que a retomada da atividade seja sustentável. “Esperamos a continuidade do processo de reformas. A mãe de todas as reformas é a Previdência, mas esperamos que o processo de reformas continuem”, defendeu. “Há consenso sobre necessidade de reformas macroeconômicas, mas as reformas microeconômicas também são importantes”, completou.

O presidente do BC citou ainda dados da evolução do mercado de crédito nos últimos 12 meses e repetiu que a redução do crédito direcionado uma política do atual governo. “Trabalhamos com a substituição de dívida pública por dívida privada. O mercado de emissão debêntures está crescendo. O País precisa se reinventar com soluções privadas”, acrescentou.

Campos Neto repetiu as principais mensagens da ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgada mais cedo. Na semana passada, o colegiado reduziu em 0,5 ponto porcentual a taxa Selic, para 6,00% ao ano.

Home equity

O presidente do Banco Central disse também que o mercado de “home equity” no Brasil teria o potencial para injetar R$ 500 bilhões na economia, em uma estimativa conservadora.

O BC pretende regulamentar a chamada “hipoteca reversa” como um produto para retirar valor de imóveis já pagos. “Na Suíça e em outros países é comum as pessoas extraírem valor das casas após a aposentadoria. É um dinheiro enorme que podemos colocar na economia de forma barata. O home equity é uma forma de colocar na economia um estoque de capital sem uso”, afirmou.

Para Campos Neto, porém, os atuais custos de cartório e de avaliação de imóveis precisam ser simplificados para que o produto tenha competitividade.

O presidente do BC também defendeu a criação de linhas de crédito imobiliário remuneradas pelo IPCA, como deseja a Caixa Econômica Federal. Atualmente os financiamentos de imóveis têm juros corrigidos pela Taxa Referencial (TR) mais uma taxa prefixada. “Índices que não são ‘hedgeáveis’, como a TR, são pouco securitizados. Usar o IPCA como indexador no crédito imobiliário facilita a securitização”, afirmou. “A parte imobiliária é onde o Brasil precisa realmente crescer no crédito. O sistema imobiliário brasileiro é pouco alavancado, mesmo em relação a emergentes”, completou.

Cadastro positivo e open banking

Campos Neto disse que a implementação do cadastro positivo e a regulamentação do “open banking” no País contribuirão para a queda dos juros e spreads cobrados aos consumidores, porque são medidas que quebram – de maneira estrutural – a assimetria de informações nesse mercado.

O presidente do BC repetiu que a recuperação de crédito no Brasil é baixa e lenta, além de culminar em muita judicialização. “Parte do problema dos spreads é recuperação de crédito”, avaliou.

Campos Neto apontou ainda que crédito direcionado com juros subsidiados – chamados por ele de “meia entrada” – também leva à cobrança de juros mais altos aos tomadores nas modalidade de crédito livre.

O presidente do BC ressaltou que as modalidades de crédito com juros mais altos – o cheque especial e o rotativo do cartão de crédito – são produtos emergenciais e que apresentam grande regressividade, que precisa ser diminuída. “Os clientes que ganham até dois salários mínimos são os que mais usam (essas modalidades) e pagam mais juros. Os juros do cheque especial punem muito quem está embaixo na pirâmide. A educação financeira é chave para resolver isso”, completou.

Por outro lado, Campos Neto ressaltou a evolução do mercado de cartões de crédito nos últimos anos, com o aumento da competição decorrente do que chamou de “curva exponencial de tecnologia” do setor. “A concentração em cartões vai continuar se reduzindo”, projetou.