O cientista político Octavio Amorim Neto, da Fundação Getúlio Vargas, avalia que, com a decisão do presidente Jair Bolsonaro de envolver um grande número de militares no seu governo, estabeleceu-se “ambiguidade enorme em relação ao lugar das Forças Armadas” na política. O processo, analisa, enfraquece o controle civil sobre as corporações, torna menos transparente a política de um regime democrático e é prejudicial aos fardados.

O senhor manifestou preocupação com o papel dos militares na democracia no pós-Bolsonaro. Que preocupação é essa?

A preocupação diz respeito ao fato de a presença massiva de militares no governo não ser boa nem para a democracia nem para as Forças Armadas. Não é boa para a democracia porque erode o controle civil sobre os militares. É preciso que os militares tenham seu poder político circunscrito à sua área de atuação profissional, isto é, à defesa nacional. Quando o poder dos militares se expande para além dessa área, a capacidade que os civis têm de controlar os militares se reduz. E colocar os militares no centro da arena política significa colocar representantes de uma instituição opaca e radicalmente vertical no centro de um regime político que se fundamenta no oposto, isto é, na transparência e em relações horizontais, que são características essenciais do Legislativo e dos partidos políticos. Faz sentido que, num regime democrático, as opiniões do Alto Comando do Exército a respeito de decisões do Supremo e do Congresso sejam um fator-chave da dinâmica política do país? Não. Estabeleceu-se uma ambiguidade enorme em relação ao lugar das Forças Armadas na ordem política que enfraquece o controle civil sobre os militares e torna muito menos transparente a política de um regime democrático.

Mais de 35 anos após o fim do regime militar, ainda cabe discutir o papel das Forças Armadas?

Com a ascensão de Bolsonaro à Presidência e o retorno dos militares ao centro da vida política, é fundamental que se discuta intensamente o papel das Forças Armadas. Queremos Forças Armadas voltadas para seu métier profissional e que sejam um instrumento vital da defesa nacional ou queremos uma mistura de gendarmaria com guarda pretoriana?

Bolsonaro repolitizou as Forças ao nomear militares para postos civis e lotar o Ministério com militares?

Sim. Seu objetivo é associar as Forças ao seu governo, de modo a dissuadir o Congresso de destituí-lo, ter quadros leais à sua liderança e beneficiar-se da boa imagem que as Forças Armadas têm aos olhos da opinião pública. Do ponto de vista de um presidente radical em minoria no Congresso e que governa para minorias, esse esforço de Bolsonaro faz sentido. Porém, é péssimo para a democracia e para as Forças Armadas.

O que fazer com o Artigo 142 da Constituição, que permite leituras como a de que é legal militares darem golpe?

Subscrevo a proposta do historiador José Murilo de Carvalho: eliminar cinco palavras – “à garantia dos poderes constitucionais” – do Artigo 142 da Constituição. A remoção dessas palavras acabaria com divergências sobre a interpretação do papel constitucional das Forças Armadas.

Os militares vão retornar aos quartéis ou vão permanecer na política?

Depende de quem vier a suceder-lhe (Bolsonaro). É fundamental que, na próxima eleição presidencial, os candidatos mais competitivos discutam amplamente o papel das Forças Armadas. O retorno dos militares aos quartéis tem de ser uma promessa do candidato vitorioso, de modo que tenha capital político suficiente para a dura tarefa que será o restabelecimento do controle dos militares pelos civis.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.