O cenário desafiador em 2020, por causa do coronavírus, revelou boas surpresas no mercado de capitais. O Ibovespa, principal índice da B3 (Bolsa de Valores de São Paulo), atingiu o recorde nominal de 119.527 pontos no pregão de 23 de janeiro, caiu vertiginosamente no prazo de dois meses, chegando a 63,5 mil pontos no dia 23 de março, em razão da incerteza do segmento em relação ao futuro, mas voltou a apresentar níveis pré-Covid-19 no último bimestre. A reação demonstra uma expectativa positiva de retomada econômica. E, enquanto os investidores institucionais e estrangeiros saíram da bolsa durante a crise, o investidor pessoa física marcou presença. A B3 estima fechar o ano com 3,2 milhões de CPFs na base, aumento de 90% em relação a 2019 (1,68 milhão). “A pandemia acelerou o movimento de entrada. O que para nós aconteceria em dois, três anos, ocorreu em quatro meses”, afirmou à DINHEIRO Gilson Finkelsztain, presidente da B3.

O crescimento da base é atribuído a redução dos juros (taxa Selic), controle da inflação, queda da bolsa, diminuição – e até isenção – das taxas das corretoras, além da maior capacitação dos investidores físicos. “O investidor pessoa física deu um show em 2020”, disse Finkelsztain. Para ele, o que se viu a partir de março e abril, quando atingiu pico de volatilidade, “foi um comportamento de extrema maturidade desse público”. O presidente disse que o fato de o volume médio de recursos aplicados pelos novos investidores ser baixo também contribui para o crescimento do número de CPFs cadastrados. “O valor do primeiro investimento entre os investidores pessoa física tem caído. Nos últimos dois anos, reduziu 65%, saindo de R$ 1.916, em 2018, para R$ 660, em 2020”, afirmou Felipe Paiva, diretor de relacionamento com clientes (pessoa física) da B3. Entre os investidores mais jovens, os valores são ainda menores. “Em outubro, o valor médio do investimento inicial era de R$ 225 entre os investidores de 16 a 25 anos”, disse Paiva.

MIX DE ATIVOS O tíquete mais baixo não significa, no entanto, menor diversificação dos investimentos. A B3 observou uma grande variedade de carteiras logo no início da jornada na bolsa. Quase metade dos investidores (46%) passou a ter posição em mais de um produto de renda variável. Para Finkelsztain, é normal que o investidor comece a buscar diferente classe de ativos. “À medida que vai conhecendo (as opções que o mercado tem), ele vai utilizando instrumentos mais sofisticados, como derivativos, para proteger mais a sua carteira”, afirmou o presidente da B3. Já Paiva acrescenta que esse movimento do investidor pessoa física é “só o começo”. Segundo ele, há uma estimativa de cerca de 20 milhões de brasileiros com mais de R$ 5 mil na poupança. “Ou seja, há um potencial de migração gigantesco, que vai exigir do mercado esforço ainda maior na educação financeira e no lançamento de produtos.”

O diretor afirmou que o acesso dos brasileiros ao mercado de capitais foi facilitado pelos diversos conteúdos sobre educação financeira disponibilizados por corretoras, bancos, casas de análises, imprensa, redes sociais, influenciadores, além de outros agentes. De acordo com ele, um legado importante dessa pandemia para o investidor é que a volatilidade deixou de ser vista como algo que bota medo.

EMOCIONAL A opinião de Paiva é compartilhada pelo especialista Leandro Rassier, sócio da Alta Vista Investimentos, um dos 20 principais escritórios credenciados pela XP Investimentos, com uma custódia de cerca de R$ 6 bilhões em carteira. Professor de Economia e Administração da PUC, no Rio Grande do Sul, ele sugere aos investidores físicos que iniciem os investimentos pelos fundos multimercados (mesclam investimentos diversos, como CDBs, títulos públicos ou privados e câmbio, por exemplo) só para preparar a cabeça. “Porque vai ter uma volatilidade. Pequena. Mas o investidor vai começar a se acostumar que em um mês pode ganhar 1% ou 2% e, no outro, pode perder 0,5% ou 1%”, afirmou. “A pessoa não ganha muito e também não perde muito. Vai preparando o emocional, o comportamental para esse novo momento. Quanto estiver com isso na cabeça, aí, sim, parte para ações.”

Agente autônomo de investimentos, Rassier estima que 10% da população (cerca de 21 milhões de pessoas) terá recorrido ao mercado de capitais em até cinco anos. No entanto, afirmou que o número de poupadores entre os 210 milhões de brasileiros não é tão grande. “Por isso não conseguiremos chegar a patamares tão altos quanto os dos Estados Unidos (50% dos norte-americanos aplicam na bolsa). No Brasil não temos 50% da população nesse universo. Mas, é claro, a gente está vendo pessoas de baixa renda investindo em ações. É um caminho sem volta.”

Com a base de investidores físicos em crescimento, as companhias também passam a olhar com mais atenção e interesse para o mercado de capitais como fonte de financiamento de suas operações e expansão. Felipe Paiva, diretor da B3, exemplifica citando IPOs (Oferta Pública Inicial, na sigla em inglês) de startups, empresas de e-commerce, de economia compartilhada, de diversos setores e portes que, em um passado recente, talvez não considerassem a oferta pública como uma prioridade no processo de captação de recursos. “Até o momento, 25 companhias captaram recursos em 2020 via IPOs, representando um volume de quase R$ 33 bilhões”, disse Paiva. Comparativamente, em 2019 o volume foi de cerca de R$ 10 bilhões por meio de cinco IPOs.

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