Estamos diante de um risco global. A falta d’água é um problema que afeta todas as regiões do planeta e pode, inclusive, gerar conflitos entre nações. Mas, se nos planejarmos direitinho, tudo vai ficar bem. Essa é a opinião de Seth M. Siegel, ativista e escritor americano, autor do livro “Faça-se a Água”, lançado recentemente no Brasil pela editora Educ, que pertence à PUC de São Paulo. “Podemos, sim, encarar um apocalipse”, diz Siegel. “Mas, também é possível nos tornarmos mais espertos.” O maior exemplo, diz o escritor, é Israel. O país está localizado na região mais seca do mundo e, mesmo assim, não tem problemas com água e produz todos os vegetais que consome. Confira a entrevista:

O mau uso da água é um problema global e, há muito tempo, se fala que a falta dela pode levar ao apocalipse. Sua visão é um pouco mais otimista, sem, no entanto, diminuir o tamanho do problema. Por que?
Muitas pessoas que leem meu livro esperam deparar apenas com coisas ruins. Mas a realidade é que, se planejarmos corretamente, tudo vai ficar bem. Agora, quero deixar uma coisa muito clara, podemos, sim, encarar um apocalipse. Mas também é possível nos tornarmos mais espertos, como Israel, e evitarmos o fim do mundo.

Em seu livro, o sr. aborda, também, a questão geopolítica da água. Haverá conflitos, no futuro, relacionados a esse recurso?
É possível. Mas o oposto disso também é. Se a água for utilizada como uma forma de engajamento, ela pode ser, inclusive, um motivo para a resolução de conflitos. É o que Israel tem feito. Podemos ter guerras relacionadas à água? Claro que sim. Mas meu palpite é que não teremos.

Agora, e se os governos falharem, as empresas podem liderar esse movimento para utilizar melhor os recursos hídricos?
As empresas, sozinhas, não vão liderar. Existem muitos componentes na sociedade: governo, universidades, corporações, organizações não governamentais, etc. Cada um deles tem um papel para o futuro. Trata-se de um esforço coordenado.

Quais tecnologias podem ser utilizadas nesse processo de melhorar o uso dos recursos hídricos? Elas são acessíveis a países em desenvolvimento?
Primeiramente, a agricultura absorve a maior parte da água. Então, mude para um sistema de irrigação por gotejamento. Em segundo lugar, é preciso considerar que a população produz um grande volume de esgoto. Mas isso é previsível. Todo mundo faz praticamente a mesma quantidade de xixi e dá o mesmo número de descargas por dia. Então, é possível saber exatamente a quantidade de água que vai pelo ralo, que pode ser tratada em alto nível e reutilizada para agricultura. Em terceiro lugar, nas regiões costeiras, é viável dessalinizar a água. Por último, se você conserta seus vazamentos, economiza uma quantidade enorme de água. Israel, como a maioria dos países, perdia cerca de um terço da sua água dessa maneira. Hoje, a taxa de perda está em 9% e a meta é chegar a 5%.

O Brasil tem mais de 10% de toda a água potável do mundo. Mesmo assim, sofremos com a escassez e com o racionamento. O que o País está fazendo errado?
Sim, é verdade que o Brasil tem a maior reserva de água do mundo, na Amazônia. Mas, o problema é que a água, muitas vezes, não está localizada onde as pessoas estão. Usar as condições climáticas como desculpa, por outro lado, é inaceitável. O motivo pelo qual escrevi o livro é por estarmos diante de um risco global. Precisamos nos preparar para a falta d’água e não adianta rezar. É preciso mudar a agricultura, construir a infraestrutura para o reuso da água, desenvolver usinas de dessalinização e usar a tecnologia para evitar vazamentos nas tubulações. Se você fizer tudo isso, é impossível ficar sem água, a menos que aconteça uma catástrofe.

Rezar para chover é o que nossos ancestrais faziam. Não parece uma boa ideia nos dias de hoje…
Não tenho nada contra rezar. Mas se você fizer apenas isso, e nada mais, irá se decepcionar.

No Brasil, as perdas por vazamento giram em torno de 40% a 50%.
Exato. Pense a respeito. Se, há cinco anos, a decisão de consertar os encanamentos tivesse sido tomada, hoje o País teria mais água do que conseguiria usar. Nesse nível de eficiência, basicamente, você está usando dois anos de estoque para dar conta de um.

Uma petroleira que perde 40% da sua produção em vazamentos é uma empresa inviável. Por que se permite esse nível de ineficiência na distribuição de água?
A diferença é que pagamos pelo petróleo. Quando colocamos gasolina no carro, queremos pagar US$ 1 por litro, e não US$ 2. A água, por sua vez, é vista como algo que obtemos de graça, como o ar. Enquanto abrirmos a torneira e a água estiver saindo, estará tudo bem. É preciso que os líderes enxerguem o problema e que o público seja educado a respeito da importância da água. É possível fazer isso no Brasil. Eu sei disso porque Israel vem fazendo há anos. O país tem a população que mais cresce no mundo, uma economia pujante e está na região mais seca do planeta. Mesmo assim, provê água para a população 24 horas por dia e produz todos os vegetais que consome. Israel chega a exportar água, sendo responsável por 10% do abastecimento da Jordânia.

Durante a recente crise hídrica enfrentada pelo Sudeste brasileiro, muitas pessoas passaram a economizar e a reutilizar a água. Mas, com a volta das chuvas e os reservatórios cheios, a preocupação arrefeceu…
Sim e, por sinal, eu garanto uma coisa: vai faltar água de novo. Haverá outra seca e, se o Brasil não usar esse tempo para se preparar, será ainda pior.

Em relação a Israel, a água também se tornou um negócio que traz lucros?
É um mercado multibilionário. É um bom negócio por duas razões: primeiramente, Israel exporta suas tecnologias para vários países. Em segundo lugar, nenhum empresário israelense precisa se preocupar com a falta d’água, que é um risco para a maioria das empresas.