A pandemia deixará lições de vida e de gestão para os brasileiros. Ao mesmo tempo que gerou desafios para a economia, acelerou vários processos de digitalização nas empresas.

À frente da rede Dasa, o maior grupo de saúde do País, Pedro Bueno enfrentou durante a pandemia o mais desafiador ciclo de sua vida profissional. Como herdeiro e CEO de uma companhia com R$ 7 bilhões em receita, montou uma estrutura de guerra para atender à demanda por tratamentos de saúde. “Foram quase dois anos muito intensos, difíceis e, ao mesmo tempo, de muita transformação em nosso plano estratégico”, afirmou em entrevista à DINHEIRO o executivo, filho de Edson Godoy Bueno (1943-2017), fundador da Amil. Algumas de suas principais marcas, entre elas Alta, Delboni Auriemo, Lavoisier e Salomão Zoppi, foram fundamentais no esforço de testar e diagnosticar o avanço da Covid-19 pelo País. “Todos nós, de alguma forma, subestimamos o impacto que a pandemia ia trazer”, disse. Confira, a seguir, sua entrevista:

DINHEIRO – Como foi a experiência de comandar a maior empresa de análises clínicas do País em um período da maior pandemia desta geração?
Pedro Bueno — Foram quase dois anos muito intensos, difíceis e, ao mesmo tempo, de muita transformação em nosso plano estratégico. Por um lado, a gente estava no epicentro da pandemia, tanto com a nossa operação de diagnóstica, quanto com nossos negócios digitais. Foi uma operação de guerra. O mundo inteiro estava concorrendo pelos mesmos EPIs, pelos mesmos materiais, pelos mesmos reagentes. O desafio foi imenso.

Era possível estimar o tamanho do estrago?
Todos nós, de alguma forma, subestimamos o impacto que a pandemia ia trazer. A gente comprou dez vezes mais do que a gente precisava, e ainda assim foi totalmente insuficiente frente à demanda avassaladora. Os primeiros seis meses foram de muita insegurança. Tivemos medo de ter um colapso do sistema de saúde, e chegamos muito perto disso. Tivemos um impacto financeiro relevante. Os custos subiram e as receitas caíram drasticamente entre março e junho do ano passado. Por outro lado, a Dasa é uma empresa que tem uma robustez financeira muito grande. Somos o maior ecossistema integrado de saúde da América Latina. Atendemos a 20 milhões de brasileiros, e 55% de todos os médicos do País. São mais de 150 mil médicos. Então, apesar da pandemia, não estamos olhando para o próximo trimestre. Olhamos para os próximos dez anos.

O que a pandemia acelerou na Dasa?
Nos últimos dois anos, avançamos muito na nossa estratégia de integração da jornada de cuidado do paciente, desde a baixa complexidade até a mais alta complexidade, desde clínica, diagnóstica, hospital e oncologia… Tudo para endereçar o maior problema do setor de saúde, que é a fragmentação.

Por que a fragmentação é um problema?
O problema é que os agentes não se conversam. A postura é muito limitada e reativa. Geralmente o paciente interage com as empresas de saúde quando já está doente. Isso torna a experiência mais difícil. Ele marca um médico, depois marca um exame. Ninguém se conversa. Como consequência dessa fragmentação, há um aumento do custo do sistema. Se os agentes não estão coordenados, os pacientes ficam mais doentes, consomem mais consultas, mais exames, demandam mais cirurgias, consomem mais o Pronto Socorro. É isso que causa esse aumento de custo enorme.

“O movimento antivacina no Brasil é irrelevante. Os números falam mais alto. Com a cultura que temos em vacinação, estamos bem”. (Crédito:Adriano Ishibashi/FramePhoto)

Unir empresas vai reduzir custos?
A gente fundiu a Dasa com a rede de hospitais Ímpar no final de 2019, pouco antes da pandemia. Ficamos os primeiros seis meses apagando incêndio. Depois que tiramos o nariz debaixo d’água, aceleramos nossa estratégia de expansão. Fizemos dez aquisições de hospitais. Num momento incrível de consolidação, foram de seis para 16 hospitais. Aceleramos os investimentos em tecnologia. Temos o maior hub de inteligência artificial da América Latina. Vamos transformar a forma como a saúde é entregue.

Há plano de novas aquisições?
Nossa ambição é grande. Embora já sejamos uma das maiores empresas de saúde do País, nosso market share de todo o custo assistencial privado brasileiro é de menos de 5%. Então, existe uma oportunidade de crescimento fantástica. Nossa visão é continuar consolidando não só em hospitais, mas também comprar healthtechs, corretoras, hospitais, empresas de diagnóstico e toda empresa ligada à cadeia do cuidado. Precisamos abandonar nosso modelo de saúde atual, que é caro, reativo e ineficiente.

Qual a maior lição que fica da pandemia?
Pessoalmente, o aprendizado que tiro é que a única certeza que existe é que não temos certeza de nada. Às vezes a gente acha que está seguro quando a gente faz sempre o mesmo. Vem a pandemia e mostra que tudo tem que mudar. O mundo é impermanente. Cada vez mais impermanente. E muitas coisas foram aceleradas pela pandemia. A mudança para a telemedicina e a integração do físico com o digital foram visíveis. E ficaram vários aprendizados. Uma delas é a importância de se colocar as pessoas no centro das decisões. Estamos saindo da crise com muito mais experiência para enfrentar essas turbulências.

Mas as empresas precisam se planejar…
Tem empresa que faz planejamento de dez anos e acha que sabe tudo o que vai acontecer. Claro, temos de ter um norte, um ponto direcionador, mas temos de estar preparados para mudar e ajustar as coisas quando necessário. Com a tecnologia, tudo é muito dinâmico. E as coisas vão mudar cada vez mais rápido. Ter humildade e não achar que sabe tudo. Sempre reavaliar seus próprios paradigmas, questionar seu modelo de negócio, questionar se o que estamos fazendo é o que melhor podemos fazer para entregar valor aos nossos clientes.

Como tudo isso pode reduzir o custo da saúde e permitir que mais brasileiros tenham acesso?
É importante entender o mecanismo da inflação médica. Não é uma questão de aumento de preço. O que encarece não é o custo de uma cirurgia ou de um exame. O ponto-chave é a frequência de utilização. O número de cirurgias, o número de exames, o número de atendimentos em Pronto Socorro tem aumentado demais. É isso que puxa os custos para cima, a inflação médica. Nos últimos anos, os custos ficaram mais de três vezes acima da inflação oficial. Por isso é importante ter um setor menos fragmentado, menos descoordenado.

Esse sucesso dessa integração depende da integração com o SUS?
Não depende porque já conseguimos fazer quase tudo dentro do nosso próprio ecossistema. Mais de 90% de nossos clientes são usuários de planos de saúde, que já tem acesso a nossos laboratórios e hospitais com um nível de recorrência muito alto. Claro que se no futuro as informações dos sistemas público e privado forem integrados, poderemos fazer mais coisas ainda, principalmente para um nicho da população que hoje não tem plano de saúde.

Onde o Brasil mais acertou na pandemia?
A vacinação no Brasil é um case de sucesso. Hoje estamos liderando. O Brasil demonstrou uma grande capacidade de reação na pandemia. Muitas vezes não damos o devido valor ao SUS. Mas o SUS é um sistema de saúde incrível. A capacidade de vacinação e o sucesso da imunização estão dentro do SUS.

Em que o Brasil errou?
Olhar para trás e ficar criticando é difícil e agrega pouco nesse momento. Temos de olhar para frente, tirar os aprendizados. Sendo bastante humilde, todos nós acertamos e erramos nessa crise. Fico muito feliz que a pandemia esteja próxima do fim. Podemos virar a página da pandemia e começar a pensar no próximo ciclo.

Esse ciclo já começa em 2022?
Acredito que sim. A Covid vai passar a ser como uma gripe. Volta e meia alguém vai pegar, mas vai deixar de ser um problema. Sinto que já estamos na cauda longa, no finalzinho da crise. Uma lição é que nunca fomos tão globalizados e nossos problemas são coletivos. O problema de um é o problema de todos. Então, não vai adiantar nada o Brasil estar 100% vacinado se a África não estiver. Aí o vírus sofre mutação e a gente vai ter outra pandemia.

“Além de todos os problemas, haverá incertezas de um ano eleitoral. Ainda devemos ter um ano com a economia andando meio de lado”. (Crédito:Renato S. Cerqueira)

O movimento antivacina ameaça a recuperação da economia?
O movimento antivacina no Brasil é irrelevante. Os números falam mais alto. Com a cultura que temos em cuidados preventivos e com a vacinação, estamos bem.

A Dasa está pronta para contribuir com a imunização anual?
A gente tem uma operação de vacinas muito forte. Somos a maior rede de clínicas privadas de vacinação do Brasil. Assim que for liberada a venda, vamos disponibilizar.

Em quanto tempo a economia brasileira conseguir se descontaminar da pandemia?
Olha, difícil saber. Apesar de ser economista, nunca exerci a profissão e já fui trabalhar em empresa. Mas acho que temos de ser pragmáticos e realistas. Estamos saindo fragilizados da crise. O que foi gasto de auxílios durante a pandemia foi praticamente toda a economia que tivemos com a reforma da previdência. Tudo indica que o ano que vem ainda será um ano difícil. Além de todos os problemas atuais, haverá incertezas de um ano eleitoral. Ainda devemos ter um ano com a economia do Brasil andando meio de lado.

Você discorda das medidas de auxílio do governo?
Não discordo, não. Na hora que tem gente passando fome, tem que fazer o que for necessário para resolver o problema de curto prazo. Não dá para ficar assistindo a gente morrendo de fome. Mas espero que o impacto nas finanças promova o senso de urgência social para buscarmos um governo mais eficiente, um governo mais enxuto e que gaste mais com o cidadão e menos consigo. Com isso, teremos um SUS melhor, uma melhor educação, uma melhor previdência. Espero que tenhamos a serenidade e a seriedade de ir atrás de um governo mais eficiente.

A conjuntura atual não te preocupa?
Instabilidade política e dificuldade econômica é só o Brasil sendo o Brasil. Claro que tudo isso tem impacto nas expectativas e que naturalmente se revertem em menos investimentos e menos crescimento. Mas vai passar.