Merece atenção o modo como o governo federal e o Congresso Nacional pretendem solucionar o pagamento das dívidas judiciais da União que vencem no próximo ano (em que haverá eleições para os dois poderes, convém lembrar). E o motivo para compreender o que está por trás da possível solução é que ela pretende fazer dois milagres — ambos para o governo, claro. O primeiro: reduzir em R$ 50 bilhões o valor dos precatórios a serem pagos em 2022. O segundo: deixar fora do teto de gastos do ano que vem as despesas com pagamentos que decorram de acordos. Pela proposta costurada entre Executivo e Legislativo haveria sete modalidades de negociação entre União e credor, incluindo a possibilidade de usar contratos futuros de excedente de petróleo como moeda para o pagamento. Quem exigir receber ainda em 2022 poderá perder até 40% do valor da dívida. Os mais pacientes terão de esperar até o ano seguinte, ou mais. Para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, isso não é calote e sim “prorrogação”. Na terça-feira (21), o senador recebeu em sua casa, em Brasília, o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente da Câmara, Arthur Lira, para definir uma estratégia conjunta.

O modelo para o pagamento das dívidas judiciais da União tramita na Câmara, na proposta de emenda à Constituição (PEC) 23/2021, ou PEC dos Precatórios. Mas o ministro Guedes prefere acertar as contas de 2022 como convém ao governo. Para ele, é impossível pagar no próximo ano o total de mais de R$ 89 bilhões reconhecidos pela Justiça. Em agosto, o ministro pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) “compreensão” e “ajuda” para estender o calendário de pagamentos. Caso se confirme o acordo costurado na casa de Rodrigo Pacheco, o governo poderá ser obrigado a pagar apenas R$ 39 bilhões em 2022. O objetivo da economia não é evitar a paralisia da máquina pública nem manter a ordem fiscal. É turbinar o Bolsa Família, agora chamado de Auxílio Brasil. Bolsonaro quer aumentar o valor e o número de beneficiados do programa para seduzir a parte do eleitorado que pretende votar em Lula, como mostram as pesquisas eleitorais.

Distribuir mais recursos para mais gente tem um preço. Ele já apareceu na forma do aumento do Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro (IOF), que passou a valer na segunda-feira (20) por decreto de Bolsonaro. Mas esse tributo adicional serve para cobrir apenas as despesas do Auxílio Brasil até dezembro. Depois disso, e até a eleição, o governo precisa de muito mais. É aí que entra a costura com o Congresso para não pagar precatórios. A proposta tem como base uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). No encontro em que Guedes e os presidentes das duas casas legislativas trataram do assunto, o ministro afirmou que o reajuste no valor do Auxílio Brasil depende de um “duplo compromisso”: social e fiscal. “Esse difícil equilíbrio é que é a arte da política”, disse Guedes, sem nem tentar disfarçar o propósito eleitoreiro de sua distribuição de renda. Aumentar o valor pago às famílias brasileiras que dependem desse recurso pode ser até positivo para manter a economia funcionando em um país com 14 milhões de desempregados. O ruim é querer sustentar a compra de votos com dinheiro que a Justiça já carimbou.

Celso Masson, diretor de núcleo