O economista americano Irving Fischer (1867-1947) foi um dos primeiros acadêmicos a tentar explicar o que movimentava o mercado de ações. No fim dos anos 1930, ao analisar os solavancos da economia e dos pregões americanos durante aquela década turbulenta, ele criou o termo “reflação”. Até então, a teoria econômica conhecia apenas dois fenômenos de preços. Inflação, quando eles sobem consistentemente. E deflação, quando ocorre um movimento inverso. Ao enunciar a “reflação”, Fischer descreveu o movimento que ocorre logo depois de uma crise profunda. Um fator externo à economia, como uma política governamental expansionista ou uma guerra, pode fazer os preços retornarem depressa aos patamares anteriores à depressão.

Foi o que ocorreu devido aos pacotes de ajuda econômica do presidente norte-americano Franklin Roosevelt. Assim como a inflação e a deflação, escreveu Fischer, a reflação distorce os preços relativos, provocando abruptas e significativas transferências de renda entre os agentes econômicos.

Essa teoria econômica de quase um século está voltando a ser discutida com ênfase pelos profissionais do mercado nod EUA, graças à continuidade das políticas de estímulo à economia, tanto monetárias quanto fiscais. As declarações mais recentes das autoridades econômicas dos Estados Unidos não permitem pensar de maneira diferente. Em uma conferência no Clube Econômico de Nova York, Jerome Powell, presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) na quarta-feira (10) afirmou que “não é possível garantir” que a cobertura das vacinas contra a Covid-19 permitirá uma normalização da economia no segundo semestre deste ano, como vinha sendo esperado pelo mercado. “O balanço do Fed continuará tendo o tamanho que for necessário”, disse ele, indicando que o BC americano não vai desistir de comprar títulos e manter os juros perto de zero, inundando o mercado com liquidez.

Suas declarações estão perfeitamente alinhadas com as de sua antecessora, a economista Janet Yellen, ex-presidente do Fed e atual Secretária do Tesouro do governo Biden. No domingo (07), em uma entrevista à CNN americana, ela afirmou que “com apoio fiscal suficiente” (leia-se mais gastos), a economia americana pode voltar ao pleno emprego já em 2022.

FIM DA CRISE? O manancial de dinheiro que vem sendo injetado na economia global pelos maiores bancos centrais já provocou esse efeito nos preços dos ativos. O comportamento das cotações é tediosamente parecido. Índices de ações, metais preciosos, commodities agrícolas e minérios não só voltaram, como superaram os níveis anteriores à pandemia (observe o quadro). Em alguns casos, como o do minério de ferro, a alta foi de quase 74% de 31 de dezembro de 2019 (dia da primeira notícia sobre o coronavírus em Wuhan, na China) e a terça-feira (9). Os índices acionários batem recordes, assim como os preços do milho e da soja. As exceções foram o petróleo, cujos preço caíram devido ao aumento da produção em tempos de retração da demanda, e o Ibovespa, devido à incerteza com relação à solvência das contas públicas.

No Brasil, o impacto mais notável é nos preços dos imóveis novos. Apesar da grande quantidade de lançamentos, a queda dos juros tem estimulado investidores a resgatar dinheiro das aplicações financeiras e comprar lançamentos em profusão. Não por acaso, os resultados das incorporadoras no quarto trimestre prometem ser pujantes.

Fenômenos como esse se repetem em vários países e setores, o que levou dois importantes bancos de investimento americanos, o Goldman Sachs e o Jeffrey Group, a publicar relatórios no início da semana advertindo para os efeitos colaterais reflação. Com muito dinheiro na economia, os investidores poderão passar a exigir remunerações maiores para comprar títulos do governo e ações de empresas, temendo que a alta das cotações dos ativos financeiros e das commodities contamine os preços do dia a dia. Ou seja, que a reflação torne-se inflação, apesar de o desemprego ainda estar elevado tanto nos países desenvolvidos quanto nos nem tanto.