Numa reunião recente com representantes do sindicato dos trabalhadores, o presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Júnior, usou palavras fortes para explicar a importância dos ajustes na empresa. Chamou de “vagabundos” cerca de 40% dos chefes da estatal, ao tentar sinalizar que os cortes alcançariam o alto escalão. Ele não sabia que estava sendo gravado e que o áudio se tornaria público, obrigando-o a pedir desculpas publicamente e a enfrentar uma greve de 24 horas. Pelos planos da empresa, a tensão entre os dois lados ainda deve se estender.

Nos próximos meses, o presidente terá de dar sequência a iniciativas para reduzir praticamente pela metade o número de funcionários do grupo, num processo de enxugamento hoje comum à maior parte das estatais federais e que deve reduzir o quadro de pessoal nas companhias públicas ao menor nível em sete anos. Desde o pico de 2014, quando as estatais federais contavam 553 mil funcionários, foram desligadas cerca de 30 mil pessoas. Os programas de demissão previstos para os próximos meses devem elevar esse número para até 50 mil cortes, segundo a Secretaria de Coordenação e Governança de Empresas Estatais, do Ministério do Planejamento.

“Elas avançaram demais e deixaram o core business, quiseram abraçar o mundo”, afirma o secretário Fernando Ribeiro Soares. “Isso gerou custos, despesas e não necessariamente porções equivalentes de receitas, o que gerou a necessidade de fazer essa política de ajustes.” (leia entrevista ao final da reportagem). Até 2015, o movimento era de contratações seguidas, com a adição de pouco mais de 100 mil funcionários num período de nove anos. As reduções ganharam força na gestão do presidente Michel Temer, que escalou profissionais de mercado para conduzir os ajustes nas principais companhias sob controle da União.

Na Eletrobras, por exemplo, esse esforço se traduz na venda de distribuidoras e participações em uma série de empreendimentos, além dos planos de demissão incentivada. A expectativa é reduzir para cerca de 12 mil o total de funcionários do grupo, ante os 24 mil no primeiro trimestre, e obter uma economia anual estimada em R$ 2,5 bilhões. Os movimentos seguem um período de resultados negativos e buscam evitar que o endividamento chegue a níveis insustentáveis. Após uma sequência de prejuízos, o estoque da dívida da gigante elétrica superou os R$ 40 bilhões e a relação dívida líquida/ebtida chegou a pouco mais de 11 vezes, muito acima do considerado saudável. A meta agora é reduzir esse número para 4 até 2021.

Wilson Ferreira Júnior, presidente da Eletrobras: “A sociedade não pode pagar por ‘vagabundo’, em particular, no serviço público” (Crédito:Leonardo Rodrigues / Valor)

O sinal amarelo não se restringe ao setor elétrico. Até 2015, o endividamento somado das estatais cresceu ininterruptamente, alcançando R$ 544 bilhões. Em um ano de ajuste, já foi possível reduzir essa cifra para aproximadamente R$ 100 bilhões no conjunto das 151 estatais. A Petrobras, responsável por 90% do total das dívidas, vem se desfazendo de ativos e se concentrando em exploração e produção de petróleo. Com planos de demissão voluntária, a petroleira reduziu seu quadro em quase 20 mil funcionários desde o pico recente, de 2014. “A folha de pessoal é o principal item de custo de toda empresa”, afirma o professor de economia do Ibmec, Reginaldo Nogueira. “Quando há prejuízo e precisa aprimorar o resultado, a melhor maneira é reduzir essa rubrica, como está fazendo o setor privado.”

Além das questões financeira e operacional, há um movimento para melhorar a governança das estatais e blindá-las da ingerência política – um dos temas de que se queixou Ferreira no áudio vazado. Trata-se de uma adequação à Lei de Responsabilidade das Estatais, que passou a exigir qualificação técnica mínima aos cargos de direção e proibiu indicações de nomes com filiação política nas estatais. “Era preciso protegê-las de um assédio de quem quer que fosse”, afirmou o presidente Michel Temer em evento de comemoração de um ano da lei, na quinta-feira 29. Só no grupo Eletrobras, foram trocadas 70% das vagas passíveis de mudança no conselho de administração e na diretoria.

Enquanto não é possível garantir uma blindagem completa, os representantes públicos associam à nova norma melhoras recentes nos resultados. “A lei não foi feita porque se achava bonito”, diz Soares. “Achávamos que redundaria em resultados melhores, como de fato está demonstrado, entregando valor para a sociedade.” Contrários ao ajuste de pessoal, sindicatos defendem que a crise seja enfrentada por meio da busca por mais receitas. A Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (Fentect), por exemplo, cobra mais contratos de prestação de serviço para a estatal postal dentro da demanda da União e diz que a empresa deveria criar novos produtos para concorrer em pé de igualdade no segmento de entrega.

Da mesma forma, o Sindicato Nacional dos Aeroportuários (Sina) defende a maior prestação de serviços pela Infraero e acusa o governo de privilegiar os grupos privados em mercados como o de Belo Horizonte. “A Infraero está acanhada, precisa levantar a cabeça e brigar pela fatia dela no mercado”, afirma o presidente do Sina, Francisco Lemos. O sindicato tem promovido campanhas contra a privatização da estatal, hipótese que chegou a ser admitida pelo ministro dos Transportes, Mauricio Quintella. O secretário Soares confirma os estudos para parcerias privadas, mas sem falar numa privatização por completo.

META FISCAL Ao lado da Eletrobras, a Infraero, que acumula um prejuízo de quase R$ 4 bilhões nos últimos dois anos e já dispensou 3.000 funcionários, foi responsável pelo crescimento dos aportes do Tesouro Nacional nas estatais independentes no ano passado. A soma chegou a R$ 6,5 bilhões, mais que o dobro de 2015. Para este ano, a previsão é de R$ 2,1 bilhões. São cifras que se somam a um dramático quadro fiscal. O setor público acumula um déficit de quase R$ 35 bilhões até maio, o pior da série histórica para o período. Em 12 meses, as contas estão negativas em R$ 167,7 bilhões, bem acima da meta para 2017 (-R$ 139 bilhões).

Nesse cenário, é cada vez maior a aposta dos analistas de um aumento de impostos para cumprir o número. Com a inflação em patamares historicamente baixos, a principal candidata é a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), cobrada sobre a gasolina. “Eu diria que há 90% de chance de se aumentar a Cide até o final do ano”, afirma Luis Otávio Leal, economista-chefe do banco ABC. Em seus cálculos, o governo precisa solucionar uma diferença estimada em cerca de R$ 10 bilhões. Para a equipe econômica, está posto o seguinte dilema: ou descumpre-se a promessa feita por Temer de não subir impostos ou corre-se o risco de minar a credibilidade ao revisar a meta fiscal inicialmente prevista. Qual vingará?


“As estatais quiseram abraçar o mundo”

Fernando Antonio Ribeiro Soares, secretário de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Sest), do Ministério do Planejamento, conversou com DINHEIRO na quinta-feira 29. Leia a íntegra da entrevista:

O que explica o processo de ajustes nas estatais?
Elas avançaram demais, em setores demais, segmentos demais, serviços demais e deixaram o seu core business, quiseram abraçar o mundo. Isso gerou custos, despesas e não necessariamente porções equivalentes de receitas, o que gerou dificuldades econômico-financeiras e nos leva à necessidade de fazer essa política de ajustes, de racionalidade. Agora, elas estão voltando para o que produzem de melhor, no que de fato pode gerar resultado para a sociedade. A empresa é da União, que é de todos os contribuintes.

Elas estavam inchadas?
Inchado é uma palavra difícil de se dizer. Estavam com um volume de despesa em pessoal elevado, o que viria a requerer ajustes nessa despesa, como estamos fazendo.

Existia alguma alternativa ao corte de pessoal? Os sindicatos de trabalhadores defendem uma busca por mais receitas.
Não posso falar só no lado de cá, que tenho de cortar despesa, e nem só o lado de lá, que tem de aumentar receita. Tem de fazer os dois. Para gerar resultado numa empresa, seja ela privada ou estatal, tem de sempre primar a redução de despesa, com objetivo de aumentar a eficiência e a produtividade, e também aumentar receita. Aplicar nos projetos mais adequados e aqueles que casam com a origem da estatal.

Quantos programas de demissão já foram feitos?
Teve a Conab, o Banco do Brasil e os Correios, em 2016. Em 2017, teve Caixa, CPRM (de pesquisa mineral), Eletrobras, Infraero, que é um PDV contínuo, CGTEE (de carvão), Dataprev, Banco do Nordeste e Casa da Moeda.

Quantos outros estão programados?
É difícil dizer, mas com certeza vai ter demanda. Até mesmo PDVs de empresas que já entraram podem solicitar outro PDV. Para não gerar expectativa, é bom ressaltar que os empregados não esperem PDVs melhores do que aqueles que já passaram.

Qual é o número esperado de pessoal nas estatais ao fim desse processo?
A minha expectativa é fechar 2017 com 500 mil, 510 mil funcionários. Comparado a 2015, quando eram 551 mil, será um enxugamento de 40 mil a 50 mil empregados, o que se traduz numa maior eficiência e produtividade dessas empresas. Tem um enxugamento de pessoal e a concentração das atividades da empresa naquele serviço em que ela é mais eficiente.

O senhor acha que ficaria nesse nível de 500mil, 510 mil funcionários? Ou seja, pararia por aí?
Acredito que não. Acredito que possa ter reduções adicionais, mas se eu começar a falar de dados de 2018, estaria chutando muito.

O ajuste é longo então. Quando acabará o processo de enxugamento?
A minha previsão é que até 31 de dezembro de 2018 eu estarei aqui, fazendo o ajuste.

A Lei de Responsabilidade da Estatais acaba de completar um ano. É possível falar em blindagem da ingerência política?
Eu diria que 2.000% de aumento de lucratividade entre o primeiro trimestre de 2016 para o primeiro trimestre 2017 é uma bela resposta para isso. A redução de 25% do endividamento e o aumento do valor de mercado das estatais, também. Essa redução do quadro de pessoal com vistas à redução de despesa… Tudo isso é uma demonstração dessa atitude. A lei não foi feita porque se achava bonito. Achávamos que redundaria em resultados melhores, como de fato está demonstrado, entregando valor para a sociedade. Temos de lembrar sempre que a empresa estatal é da sociedade.

No ano passado, os aportes do Tesouro Nacional nas empresas independentes somaram R$ 6,5 bilhões. Qual é a programação para 2017?
O programado é R$ 2,14 bilhões.

Boa parte está indo para a Infraero.Representantes do governo chegaram a admitir a hipótese de privatização da estatal. Esse tema avançou?
Eu não diria especificamente falar de privatização, mas estamos conversando diuturnamente com a Infraero para reestruturá-la. A perspectiva é de atrair parcerias privadas para trabalhar nos aeroportos da estatal.

Na totalidade?
Não temos ainda o detalhamento firme sobre isso.

Há uma iniciativa para limitar os dividendos que serão repassados para a União…
Já fizemos isso para o BNDES.

A ideia é levar para todas, não?
Sim, mas tenho só um pouco de preocupação. Nas empresas de capital aberto, obviamente essa conversa tem de ser realizada junto com os acionistas minoritários.

É uma tentativa deixá-las mais sustentáveis?
É fundamental que as empresas estatais sejam sustentáveis. Eu quero, sim, que a estatal tenha lucro e pague dividendo para a União, mas que esse pagamento não possa desestabilizá-la como empresa, porque a instabilidade econômico-financeira no presente é o aporte de capital no futuro. Tem de haver um equilíbrio.

Elas vinham sendo um peso para o Estado?
A lei das estatais traz essa política e a gente pensa que ela gera sustentabilidade para as empresas.

A secretaria abrange 151 estatais federais. Esse número é razoável para um país como o Brasil?
Eram 154. Na verdade, são 48 grupos, porque há várias subsidiárias, como Eletrobras e Petrobras. Temos alguns grupos que são muito grandes. O que vai acontecer tanto no grupo Eletrobras como no Petrobras é que vamos nos concentrar nocore business dessas empresas. Isso não é um processo que nasce do dia para noite. São coisas que demandam tempo. Isso vai reduzir o número de estatais.