A segunda-feira que era de plena recuperação dos ativos domésticos, baseados no otimismo internacional, acabou contando com um ingrediente doméstico que trouxe instabilidade aos mercados, incluindo o de renda fixa. A notícia de que o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, poderia ser demitido ainda nesta segunda-feira, 6, pelo presidente Jair Bolsonaro levou o dólar às máximas do dia e provocou picos abruptos na curva de juros que, na ponta longa, superou os 15 pontos. No front externo, também teria gerado nervosismo a notícia de que o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, foi transferido para uma UTI, devido ao agravamento de seu quadro de covid-19.

Mais cedo, os mercados se animaram com números do novo coronavírus na Europa que poderiam indicar uma inflexão na curva de contágio. A menor procura por ativos de risco levou à valorização de moedas de países emergentes e houve desinclinação da curva por aqui. A ponta curta da curva, no entanto, manteve-se com sinal de alta na maior parte do tempo, refletindo a cautela do investidor com a política monetária do Banco Central, especialmente após sinais tidos como “hawkish” emitidos pelo presidente da instituição, Roberto Campos Neto, preocupado com a deterioração do setor fiscal.

“Uma possível demissão do ministro da Saúde agora é algo que traria muitas implicações importantes, levando o investidor a questionar a governabilidade do presidente. Isso porque Mandetta tem o apoio de governadores e dos presidentes das duas Casas do Congresso. O que se pergunta é: como ficarão as votações emergenciais que se espera para os próximos dias?”, questiona Renan Sujii, estrategista de Mercados da Harrison Investimentos.

Ao longo do dia, a melhora de humor do investidor já vinha dividindo espaço com preocupações do cenário doméstico. Analistas e operadores já alertavam para a cautela com o cenário doméstico em pelo menos duas frentes. Uma delas era relacionada a Mandetta, que ganhou mais holofotes depois que duas pesquisas de opinião constataram aumento de sua popularidade, em contraste com a queda da aprovação de Bolsonaro. “Embora o cenário doméstico esteja em segundo plano, o investidor está muito sensível e essas notícias acabam por fazer preço, mesmo que temporariamente”, disse um operador de renda fixa.

A outra preocupação girava em torno do desconforto com a China, após os ataques irônicos do ministro da Educação, Abraham Weintraub. A postagem feita pelo ministro no final de semana, acusando a China pela disseminação do coronavírus, foi mal recebida pela diplomacia chinesa no Brasil, que classificou o post como de teor fortemente racista. O temor, dizem analistas, é de uma guerra no campo comercial, que não interessa ao Brasil.

No Twitter, bolsonaristas estão promovendo uma campanha pela suspensão do comércio do País com a segunda maior economia do mundo. No começo da tarde de hoje, a hashtag #BloqueioComercialChinesJa chegou ao primeiro lugar na lista dos assuntos mais comentados no Twitter brasileiro. Entre os apoiadores da campanha está o deputado estadual de São Paulo Douglas Garcia (PSL).

“O cenário doméstico ainda não tem forças para guiar os mercados, uma vez que a recuperação dos ativos depende muito da regressão do coronavírus. Mas há questões que são pontos de atenção e as relações com a China estão no radar do investidor”, disse Rafael Leão, economista da Arazul Investimentos. Para ele, a recuperação vista hoje ainda é bastante sensível, uma vez que há diversos pontos a serem observados até que o dólar se acalme nos países emergentes, trazendo maior previsibilidade também para a renda fixa.

Ao final do horário regular de negócios, o contrato de Depósito Intrfinanceiro (DI) para liquidação em janeiro de 2021 terminou com taxa de 3,27%, ante 3,17% do ajuste de sexta-feira. O vencimento de janeiro de 2023 ficou em 5,49%, ante 5,43%. O vencimento de janeiro de 2025 ficou em 7,06%, contra 7,20%. Na ponta mais longa, a taxa do DI para janeiro de 2027 fechou a 7,84%, de 8,00%. O vencimento de janeiro de 2029 terminou a sessão regular aos 8,27%, de 8,46%.