O início da vida profissional de Gabriel Braga foi semelhante à de muitos brasileiros recém-graduados. Exceto por um detalhe. Após concluir o curso de administração na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ele decidiu tentar a vida em São Paulo. O ano era 2006. Tinha 24 anos. Precisando de um lugar para morar, pesquisou em dezenas de imobiliárias na internet. As informações, segundo ele, eram desencontradas ou incompletas. Sempre faltava algum dado importante, como valor do IPTU ou o nome da rua. As fotos dos locais, quando havia, não relatavam com precisão como era a casa ou o apartamento. Por telefone também era difícil. Percorreu pessoalmente diversas imobiliárias e visitou muitos imóveis antes de encontrar um que atendesse sua demanda. Mas o martírio continuou: como não tinha fiador, enfrentou a demora e burocracia típicos desse mercado para aprovar documentos até, enfim, assinar o contrato. Uma péssima experiência que ficou guardada na memória.

Anos depois, em 2010, embarcou para os EUA para fazer MBA na Universidade Stanford, na Califórnia. Lá conheceu André Penha, que relatou o mesmo problema para alugar casa no Brasil, só que da perspectiva do proprietário. Anunciado em uma imobiliária, seu apartamento em Campinas (SP) ficou meses sem receber visitas e foi alugado apenas quando mesmo se empenhou em encontrar um inquilino. A partir das dores de ambos, discutiram aneiras de resolver esses problemas de uma forma inovadora e usando a tecnologia para digitalizar e agilizar os processos. Voltaram ao País e criaram a plataforma QuintoAndar.

Começava ali a revolução de um mercado caracterizado ser pouco eficiente. Hoje, com 4 mil colaboradores (750 de tecnologia), valuation na casa dos US$ 5,1 bilhões — o que a torna a quarta maior startup da América Latina —, a plataforma gerencia 165 mil contratos de aluguel e tem sob gestão R$ 90 bilhões em ativos, com 12 mil novos aluguéis por mês. É a líder de mercado no Brasil.

Se essa foi a primeira revolução do setor em décadas, não será a última. Esse movimento disruptivo, capaz de hoje alugar um imóvel a cada 4 minutos, receber um anúncio novo anúncio a cada 3 minutos e agendar uma visita para aluguel a cada 7 segundos, abriu caminho para outro. As imobiliárias tradicionais se viram forçadas a também digitalizar seus processos para não ficarem para trás. Agora, elas são o foco da segunda revolução do setor: a Rede QuintoAndar.

DINHEIRO teve acesso com exclusividade ao plano da empresa, que abre sua plataforma para que as imobiliárias e corretores anunciem sem custos suas captações e, assim, se conectarem. “Precisamos de um ambiente colaborativo, sem amarras, para que todo o ecossistema imobiliário fuja das burocracias, avance com a tecnologia e ganhe tempo para colocar em prática o que faz de melhor: ajudar clientes a encontrarem o imóvel dos sonhos”, disse Gabriel Braga, CEO e cofundador do QuintoAndar.

PODER DA INTERNET O QuintoAndar surgiu em 2012 e forçou o setor a se digitalizar. Hoje, recebe 10 milhões de acessos por mês em sua plataforma. (Crédito:Istock)

O que inicialmente parecia ser algo predador, com o gigante digital engolindo o pequeno analógico, mostra-se um processo de ajuda para manter vivo o mercado de compra, venda e aluguel de imóveis. O desafio da companhia é agrupar um mercado tradicionalmente fragmentado. E convencer as imobiliárias de que é preciso dividir para em seguida multiplicar. “O pensamento é: posso repartir minha comissão com outro ator, mas se fizer três vezes mais transações, todos ganham mais. Essa é a matemática a ser feita”, afirmou Braga, que tem investido maçiçamente em marketing. Recentemente, a marca participou do Big Brother Brasil, uma das maiores audiências da TV aberta.

UNIÃO
Para atrair as imobiliárias, o executivo aposta na mesma fórmula que usou para ganhar espaço na primeira revolução que imprimiu ao setor: a confiança de que haverá mais negociações, aumentando a visibilidade e a liquidez da sua carteira. Exatamente como aconteceu com os clientes pessoa física que começaram a anunciar seus imóveis no site. A confiança foi fundamental para permitir que uma imobiliária virtual pudesse operar. Para anunciar um imóvel na internet, ela precisava enviar sua equipe para registrar os melhores ângulos e produzir vídeos para alavancar as visualizações, cobrando apenas a mesma comissão de qualquer outro estabelecimento. Quem topou abrir a porta foi por acreditar em um promessa: fechar negócio. É assim que Braga quer convencer também seus rivais no negócio: os corretores e as imobiliárias historicamente reticentes em firmar parcerias. Testes feitos antes de abrir a plataforma para as parceiras apresentaram bons resultados. Uma imobiliária do Rio de Janeiro vendeu 50% a mais no primeiro mês de experimentação e 100% no segundo mês.

Uma das razões desse desempenho é o QuintoAndar ser a plataforma de moradia mais procurada no Google no Brasil, com 30% do total de buscas no segmento. A exposição dos imóveis listados supera 10 milhões de acessos por mês. Além disso, os participantes terão acesso a dois dos cinco maiores portais de classificados do setor no Brasil (Imovelweb e Casa Mineira), aumentando ainda mais as chances de comercialização.

Parceiro exclusivo da Loft, plataforma que concorre diretamente com o QuintoAndar, Luiz Kechichian, CEO da Mirantte Imobiliárias (a maior da Zona Norte paulistana), vê esse tipo de sinergia como positivo para a comercialização de imóveis, uma vez que atende demandas de clientes e proprietários e funciona como uma troca de experiências. “As ferramentas tecnológicas ajudam na venda e também geram mais informações para nós”, disse. Segundo ele, é mais do que um marketplace, pois as imobiliárias tradicionais acrescentam às plataformas sua “expertise, braços, pernas e trabalho de chão ”.

A Rede QuintoAndar entrou em funcionamento apenas para as cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre. Nessa primeira etapa de adesões, 300 imobiliárias já estão cadastradas e há fila de espera para dezenas de outras entrarem. Segundo Gabriel Braga, não dá para colocar todo mundo de uma vez. “Nos próximos dois ou três anos podemos chegar em centenas de cidades com esse modelo.” No Brasil são 430 mil corretores e cerca de 50 mil imobiliárias. Esse é o potencial da Rede.

PUBLICIDADE A plataforma tem investido pesado em marketin. Fez três ações no BBB, da Rede Globo, um dos programas de maior audiência da TV aberta. (Crédito:Divulgação)

As imobiliárias parceiras também terão acesso aos imóveis que não são da sua carteira: 100 mil anúncios ativos publicados atualmente. Léa Saab Faggion, gerente de vendas da OMA, empresa que atua há 50 anos na administração condominial, observa que a tendência do mercado é todos trabalharem de uma única forma. “Unificar os anúncios de imóveis, sem repetir, com preços justos. Se compartilhar, vai conseguir agilidade, um atendimento mais rápido. É oportunidade de todos trabalharem da mesma maneira”, disse. “Perder tempo significa perder o cliente.”

Com a digitalização de processos burocráticos, juntando esforços das duas revoluções, o QuintoAndar visa concluir os trâmites de papelada em sete dias. Está perto disso. Hoje, o tempo entre o aceite da proposta para compra de um imóvel e a entrega das chaves pode chegar a quatro meses no mercado tradicional.

As parceiras que entrarem no marketplace terão ainda a oportunidade de utilizar as soluções financeiras que o QuintoAndar criou em seus quase 10 anos de história. Na prática, existe uma fintech dentro da startup, apesar de ela não usar esse termo. Entre os produtos disponíveis estão o Aluguel Garantido, comercializado pela Velo, comprada em dezembro, que permite à imobiliária garantir o pagamento em dia do aluguel a seus clientes proprietários, reduzindo o impacto de inadimplência. E aqui cabe um adendo importante: houve algumas tentativas de copiar esse modelo, mas naufragaram. Outro serviço é o financiamento. Com apoio da Atta, empresa adquirida em agosto de 2021, os integrantes da Rede poderão oferecer crédito imobiliário a seus clientes.

A empresa quer ir além. Adquiriu em março deste ano a NokNox, solução de aplicativo para condomínio que conectar moradores a síndicos, porteiros e prestadores de serviços, facilitando a comunicação no dia a dia. Permite expandir a atuação e fornecer tecnologia para que a gestão condominial seja mais eficiente e custe menos. Com interações digitalizadas, o velho caderninho do porteiro está com os dias contados.

REFORMA INTERNA Se há expansão dos negócios para fora do QuintoAndar, há uma reformulação interna em curso. Houve mudanças na liderança sênior, com as chegadas de Larissa Fontaine (ex-Google) como nova Chief Product Officer, e de Frederico Sant’Anna (ex-Red Ventures e McKinsey) como vice-presidente de soluções para imobiliárias. Recentemente, houve cerca de 160 demissões entre os pouco mais de 4 mil funcionários. O CEO Gabriel Braga justificou os cortes: “Ajustes no dimensionamento dos nossos times, estrutura de custos e priorização de projetos buscando um crescimento mais eficiente e preservação de caixa”. Em toda revolução rolam cabeças.

ENTREVISTA: Gabriel Braga, CEO do QuintoAndar
“Sozinhos, não conseguiremos agregar todos os imóveis em cada canto do Brasil”

Claudio Gatti

Para a Rede QuintoAndar dar certo, é preciso haver uma parceria do setor que não se viu até o momento. Está confiante?
Sozinhos, não conseguiremos agregar todos os imóveis em cada canto do Brasil. Os sites gigantes de comércio eletrônico, para serem lojas que têm tudo, precisaram de parcerias com lojas off-line para disponibilizar os mais diversos produtos. Da mesma maneira, os imóveis não precisam estar só com a gente.

A inadimplência aumentou durante a pandemia quanto?
Deu uma acelerada e voltou. Honramos nosso compromisso com 100% dos proprietários de quitar os aluguéis atrasados. Temos um seguro que, a partir de uma franquia, a gente aciona. Nunca acionamos. Provou que nossa inteligência financeira funcionou. Nosso modelo de negócio fica de pé e nossa proposta de valor, de garantir o aluguel, ficou mais nítida.

Após quase dez anos, o QuintoAndar é rentável?
Depende do ponto de vista. Temos uma métrica para avaliar se cada transação que fazemos está contribuindo (com o faturamento). Queremos captar esses benefícios hoje ou podemos esperar por eles mais no futuro? Hoje estamos em modo de investimento. Vamos crescer, temos benefícios de escala, os negócios são lucrativos e usamos isso para financiar coisas novas.

Como imagina o mercado nos próximos 10 anos?
Estaremos aqui para construir outras coisas. Mercado estará em outro patamar de organização. Hoje demora 455 dias, em média, para vender um imóvel de maneira tradicional. Mais de um ano que se perde com o imóvel parado. No Brasil, um imóvel fica com o mesmo dono por mais de 50 anos. As necessidades das pessoas mudam nesse período. Em outros países, o imóvel fica de 10 a 20 anos com cada pessoa. Significa que no Brasil tem muita gente morando em imóvel que não deveria ou que não gostaria. E que o mercado é cinco vezes menor do que poderia para as imobiliárias.

O que levou o QuintoAndar a cortar 4% de pessoal recentemente? Qual foi o equívoco na estratégia para essa reformulação?
Antecipamos os sinais do mercado. O aumento da inflação, juros e incerteza tanto no Brasil e no mundo têm levado a uma desaceleração do ritmo de crescimento de vários setores e a maior escassez de capital. Apesar de termos uma situação de caixa privilegiada e um modelo de negócio consolidado, antecipamos ajustes no dimensionamento dos nossos times, estrutura de custos e priorização de projetos buscando um crescimento mais eficiente e preservação de caixa.

Considera fazer IPO?
Enxergamos como algo saudável para o amadurecimento da companhia e ampliação do nosso impacto como principal plataforma de moradia. Está em nossos planos para o futuro, mas ainda sem data.